Várias mulheres vieram a público nos últimos dias denunciar situações de assédio e violência sexual cometidos por dois professores do Centro de Estudos Sociais (CES), Boaventura Sousa Santos e Bruno Sena Martins.

O caso foi espoletado com a publicação, a 31 de março, do livro “Sexual Misconduct in Academia – Informing an Ethics of Care in the University”, pela editora americana Routledge. As investigadores são autoras de um capítulo onde descrevem vários comportamentos impróprios, enquanto preservam o anonimato dos alegados abusadores e da instituição que foi, no entanto, identificada por ser a única em comum no percurso das três mulheres.

O Diário de Notícias foi o primeiro a avançar, na terça-feira (11) tratar-se do sociólogo Boaventura Sousa Santos, diretor emérito do CES, e do antropólogo Bruno Sena Martins, investigador da instituição. Ao jornal, os dois docentes negaram as acusações, embora reconheçam serem eles os docentes denunciados.

Posteriormente, vieram à tona outros casos. Uma investigadora e política brasileira afirmou ter sido vítima de assédio sexual e moral por parte de Boaventura. De acordo com o jornal Observador, a mulher acreditava que contar o que se passou seria condenar a própria carreira ao fracasso e arruinar a do seu orientador no Brasil, que mantinha “relações políticas” com o sociólogo.

Também a ativista indígena argentina, Moira Ivana Millán, já tinha denunciado Boaventura de Sousa Santos por assédio. Há quatro anos, a ativista contou num programa de rádio argentino o momento que ocorreu em 2010. Em junho do ano passado, num encontro de mulheres indígenas no México, voltou a falar sobre o assunto.

Boaventura nega acusações e avança com queixa-crime

Relativamente a este últimos dois casos, ainda não se conhece a posição de Boaventura Sousa Santos. O professor e diretor emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra reagiu, no entanto, na quarta-feira (12), às acusações que constam no livro da Routlege, com a publicação de uma carta aberta intitulada “Diário de uma difamação-1”. Aí adianta ter a intenção de “avançar com queixa-crime de difamação” contra as três autoras do artigo: Miye Tom, Catarina Laranjeiro e Lieselotte Viaene.

O sociólogo garante ainda nunca ter tido reuniões com Miye Tom e Catarina Laranjeiro, mas admite ter-se reunido duas vezes com Lieselotte Viaene “uma como seu supervisor do estágio Marie Curie” e “outra como diretor estratégico do CES, a pedido do director executivo, para tentar resolver os problemas do comportamento incorreto e indisciplinado do ponto de vista institucional desta investigadora”.

Segundo o sociólogo, a instituição chegou mesmo a abrir um processo disciplinar. A junho de 2018, ano em que Boaventura Sousa Santos ainda era diretor da CES, Lieselotte Viaene acabou mesmo por ser despedida em resultado da ação disciplinar. O docente caracteriza o capítulo do livro em que é mencionado, em conjunto com Bruno Sena Martins, como um “ato miserável de vingança institucional e pessoal”. 

Comissão independente vai avaliar “eventuais falhas institucionais

O CES reagiu às denúncias de assédio sexual através de um comunicado, onde afirma não se colocar “fora desta discussão importante, nem se demite da responsabilidade” de criar um ambiente “livre de todas as formas de assédio”.

O centro de investigação garante que nos últimos anos promoveu a criação de respostas institucionais. Além disso, anunciou a constituição “num curto prazo” de “uma comissão independente” para identificar “eventuais falhas institucionais” e averiguar a “ocorrência das eventuais condutas anti-éticas” por parte dos docentes.

Para a comissão serão convidados dois elementos externos, com “competências reconhecidas no tratamento de processo análogos”. Quando contactado pelo JPN, o centro de estudos da universidade de Coimbra afirmou não ter nada a acrescentar ao comunicado.

Por sua vez, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), num comunicado ao qual o JPN teve acesso, afirma ser necessário criar “mecanismos acessíveis e céleres para identificar, avaliar, punir e dissuadir casos de assédio no interior das comunidades académicas”. António Sousa Pereira, presidente da CRUP considera que “a prioridade tem de ser apoiar as vítimas desde o primeiro momento em que estas se sintam objeto de condutas inaceitáveis”.

No que diz respeito a denúncias feitas no meio universitário, o dirigente declara que “as universidades devem investigar até ao fim todos os casos apresentados, doa a quem doer”.

Denúncias no meio académico são escassas, porque “existe muito receio nestas questões”

Em declarações ao JPN, a Associação Académica de Coimbra (AAC) revelou que não está a par de queixas de assédio que a instituição possa ter recebido, porque a CES é “um organismo autónomo”. 

De acordo com João Pedro Caseiro,  no ano passado, a universidade abriu um formulário destinado a toda a academia, “a todos os estudantes e não estudantes para que pudessem ter conhecimento dos mecanismos existentes”.

Por parte da Associação Académica, em março deste ano, no Dia da Mulher, foi realizado um inquérito à comunidade estudantil relativo a diversas temáticas, inclusive a do assédio. João Pedro Caseiro revela que os resultados do inquérito confirmam “que 8 em 10 mulheres dentro da Academia de Coimbra já tinham sentido em algum momento assédio sexual ou moral”.

Além disso, a ACC anunciou que vai formalizar a criação de um gabinete de denúncias “mais abrangente”. O gabinete “terá uma via telefónica, uma via presencial e uma via formulário/e-mail”. A existência das três valências tem o intuito de permitir que “os estudantes se sintam mais à vontade” para comunicar situações impróprias “de forma sigilosa”. “Vamos gerir a informação de forma muito criteriosa” e “de acordo com aquilo que for a vontade dos estudantes que falará connosco”, explica João Pedro Caseiro.

Até à data, a associação já tinha o atendimento presencial e via formulário/e-mail. Este, no entanto não teve “muita adesão em termos de denúncias”. “Não me surpreende porque a verdade é que existe muito receio nestas questões”, admite o presidente da associação. Sem adiantar pormenores, João Pedro Caseiro, garante, no entanto, que existem “processos pendentes na Universidade de Coimbra”.

Artigo editado por Miguel Marques Ribeiro