“Para Quê Voltar” é o primeiro single do disco de estreia de Bela Noia, um projeto independente nascido em Viseu. A abrir caminho para “Os Miúdos Estão Bem”, agendado para setembro, a balada traz a perspetiva reflexiva que marca a identidade do trabalho.

Como o próprio álbum, a canção “surgiu do acaso”, conta Pedro Vieira, o artista de 23 anos que idealizou e dá voz ao projeto, ao JPN. Parte “de uma dúvida mais existencialista, que é a de querermos coisas que não vale a pena querer”, e culmina na realização de que “a resposta está no nosso presente”, partilha.

Assim, a melodia que “acabou por se escrever sozinha”, fala da necessidade de descartar os medos e de se emancipar do passado, incitando uma reflexão sobre o conceito de memória. Apesar do embalo nostálgico, exponenciado pelas fortes influências de música rock, folk e tradicional portuguesa, quer atuar como uma “chamada de esperança”. 

Assinala o quarto capítulo do vindouro álbum – produto de três anos de desenvolvimento orgânico, gradual e traduzindo a jornada emotiva do autor durante durante os primeiros vislumbres da adultez.

Uma “antítese” intimista que quer provar o valor de projetos locais

Pedro Vieira é licenciado em Artes Plásticas e Multimédia pela Escola Superior de Educação de Viseu e mestre em Fotografia e Cinema Documental pela Escola Superior de Media, Artes e Design do Politécnico do Porto. No entanto, foi na música, e no contacto com outros artistas, que encontrou uma forma de se expressar e contar histórias do seio íntimo. É, então, com as palavras “Bela Noia existe e é vossa” que o viseense introduz ao mundo aquilo que descreve como um “coletivo”. “Considero que não há projetos a solo”, diz, apontando o projeto como algo “feito das pessoas que existem nele no momento presente”.  

“Quem estiver [integrado no disco] faz parte do grupo. E há várias camadas”, reitera. Todo o processo, desde gravação instrumental até à identidade visual, passando pela produção, foi conseguida de forma independente – e com a ajuda de financiamento da Câmara Municipal de Viseu, advindo de um concurso aberto a artistas emergentes.

Desta forma, Bela Noia ergue-se com colaboração do músico viseense Gonçalo Alegre que acompanhou a jornada desde o início e produziu o primeiro disco. Na vertente instrumental surgem Miguel Rodrigues, na bateria e percussões, e Leonardo Outeiro, que dá vida à interpretação na guitarra, baixo ou teclado. Mais ainda, o projeto conta com a participação de vários artistas locais, a dar voz aos coros, e de toda “uma comunidade de Viseu” que “sempre nos apoiou no que era necessário”, conta Pedro Vieira.

Mas apesar de haver uma grande vontade de deixar o holofote cair sobre artistas locais, vir de um meio mais pequeno traz algumas dificuldades. “De Viseu, há muita gente que foi para Lisboa para poder ser ouvido, para estar no «sítio certo». Eu pergunto-me porque é que o sítio certo é Lisboa”, partilha o jovem. Apesar de ter noção que a sua experiência “é muito recente”, o que afere é que não “há essa vontade”, ou os recursos necessários, no contexto em que está inserido.

A partir do momento em que a vontade de se dar a conhecer surgiu, sente que o processo “não foi a coisa mais fácil do mundo”. “As pessoas precisam de provas, não vão acreditar em ti, por assim dizer, só porque queres ser ouvido”, prossegue, frisando, porém, que “é um caminho que se constrói”. Ainda assim, sente que já começa com alguma desvantagem. “Quando a malta de Viseu vai para a Lisboa é tratada como «da aldeia», da província. Há uma certa descredibilização“, afirma. 

O álbum, projetado para o outono, reflete um pouco daquilo que é este projeto. Acima de tudo, quer valorizar o potencial daquilo que se produz a nível nacional. “Estou a cantar em português e gosto muito de cantar em português. Já me perguntaram porque não em inglês – não me sei exprimir em inglês, não penso em inglês, não fazia sentido algum”, destaca o vocalista.

Sobre a identidade, o jovem diz ser baseada “numa antítese”. “Ao longo do tempo em que estava a fazer o disco, escrevia sobre a minha realidade. E deturpava-a também, um pouco, dependendo do ponto de vista que queria transmitir. Daí a parte da «Noia», ou da paranoia: [é sobre] ser aquela pessoa que não vê as coisas com razão ou que deturpa a realidade constantemente”, explica. Mas há um contraponto: “«Bela» para ser algo positivo, para dar essa conotação à palavra. De repente parece que a paranoia já não é má, que é uma coisa normal“.

É, aliás, sob esse pretexto de normalizar um leque de sentimentos, típicos do início da vida adulta, que surge o disco, intitulado “Os Miúdos Estão Bem“. “[ O nome] é um pouco irónico”, diz Pedro Vieira: “Estive a estudar e, a certo ponto, tive de me emancipar, ser adulto, responsável e fazer por mim. Ninguém nos prepara para isso. Literalmente estão a atirar-nos só ao mundo”. E continua: “A brincadeira na verdade é essa: os miúdos não estão assim tão bem”

“Fala deste período de transição da minha vida, dos pensamentos que fui tendo, das histórias que fui vivendo”, conclui . Em conjunto com toda a estética visual que, à semelhança do videoclipe de estreia, será também tratada pelos membros do projeto, o trabalho final promete trazer uma perspetiva crua, caseira e pessoal, sem grandes artifícios.