A utilização das trotinetes elétricas tem sido cada vez mais popular em Portugal. Mas, apesar das vantagens associadas à sustentabilidade, também existem riscos para a segurança pública. Nesse sentido, tem surgido no campo mediático uma discussão entre entidades públicas e cidadãos, relativamente ao caminho certo a tomar face à legislação das e-scooters.
Ao caminhar pelas ruas e vielas de Portugal, é frequente encontrar trotinetes elétricas. Distribuídas pelas diferentes cidades – entre as quais o Porto -, estão destinadas à utilização do público. Nos últimos anos, esta alternativa mais conveniente e ecológica tem-se tornado cada vez mais popular no país. No entanto, com a difusão do meio de transporte surgem igualmente preocupações em relação à segurança pública – entre as quais a possibilidade de acidentes, com alguns casos a resultar em ferimentos graves e até mesmo mortes.
Há vantagens óbvias na utilização das trotinetes: são baratas, não emitem gases poluentes, fogem aos grandes aglomerados de trânsito e não se regem por horários específicos, como os transportes públicos. A circulação, por sua vez, é mais particular: estão principalmente destinadas a ciclovias mas, se não existirem, as trotinetes podem andar na estrada, sempre encostadas à direita, sem perturbar o trânsito, com uma distância adequada tanto dos passeios como das bermas. Os passeios estão reservados aos peões, trotinetes sem motor ou crianças (até aos dez anos) que conduzam velocípedes.
Por esse motivo, o debate público entre cidadãos e autoridades aumentou. Em causa está a adequação do uso em áreas urbanas densamente povoadas e quais as medidas que devem ser tomadas para garantir a segurança de todos os utilizadores da estrada.
Em declarações prestadas ao JPN, o Comissário Jacinto Ferreira, da Divisão de Trânsito da PSP do Porto, avança que, desde 2019 até ao início de janeiro de 2023, constam em registo oficial um total de 222 acidentes, 2 feridos graves, 166 feridos ligeiros e 2 mortos, só na Área Metropolitana do Porto.
Acidentes na zona metropolitana do Porto:
(dados até 10 de janeiro de 2023)
- 2019 – 30 acidentes, 18 feridos ligeiros
- 2020 – 25 acidentes, 14 feridos ligeiros
- 2021 – 38 acidentes, 40 feridos ligeiros
- 2022 – 127 acidentes, 94 feridos ligeiros
- 2023 – 2 acidentes, 2 mortos e 2 feridos graves
No entanto, Mário Alves, presidente da Assembleia Geral da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M), alerta que nem todos os percalços que envolvem trotinetes surgem de um embate entre dois veículos. Os acidentes podem acontecer devido a condições externas – aliás, por vezes, “basta meter a roda da frente num buraco e a pessoa é projetada”, reforça o engenheiro.
Pedro Borges, de 26 anos, foi vítima de um desses casos “ao guiador” de um velocípede com motor. “Em Lisboa, na [avenida] Almirante Reis, há uma ciclovia de cada lado da estrada com umas divisórias de plástico bastante duro. A trotinete tocou numa dessas e eu só caí”, conta.
Esta queda, porém, resultou numa lesão na cabeça, tendo o jovem de ser operado e de lá colocar “um tecido de titânio”. Em conversa como JPN, confessa que não dormiu “absolutamente nada” durante os meses de recuperação, fruto das dores e do desconforto.
Apesar do incidente, Pedro Borges continua a considerar este meio de transporte “seguro” e a deslocar-se em scooters elétricas. Contudo, acredita que não existem infraestruturas suficientes para sustentar as necessidades específicas deste meio de transporte. “No ano passado, na Almirante Reis, estavam a pensar retirar a ciclovia, que está a servir uma ligação enorme em Lisboa, para aumentar o número de faixa de estrada”, exemplifica.
Nem mesmo as ciclovias existentes em Portugal transmitem total segurança. Segundo Mário Alves, da ACA-M, “as vias de circulação são, muitas vezes, construídas em cima do passeio”, o que gera uma maior probabilidade de choque contra peões. Sobre o tópico, o responsável enfatiza ainda outra problemática, relacionada com as falhas nas interseções. “São inúmeros os casos em que as ciclovias chegam aos cruzamentos e desaparecem. Aliás, cerca de 70% dos casos acontecem nessas zonas. É fundamental protegê-las para o bem de todos”, reitera.
Empresas defendem que “especulação [de acidentes] não se traduz na verdade”
A Whoosh, uma das mais recentes operadoras de e-scooters de Lisboa – com início de atividade datado em julho de 2022 -, não concorda com o mediatismo envolto nos acidentes das trotinetes. “Por exemplo, nós, em 9 meses em Lisboa, só temos o registo de 4 acidentes. Em conversa com autoridades e outras operadoras verificamos que essa especulação não se traduz na verdade”, atesta Marco Rebelo, City Manager de Lisboa do projeto.
Em declarações ao JPN, o representante da entidade realça a preocupação da marca na segurança dos utilizadores, destacando não só “as manutenções regulares” feitas às suas “trotinetes de última geração”, mas também a existência de dois travões em prol de apenas um – algo que é frequente em velocípedes de outras operadoras.
Para o responsável da empresa de microbilidade partilhada, as e-scooters permitem “retirar frota automóvel das cidades”, o que leva a uma diminuição das emissões de CO2. Para além do fator da sustentabilidade, leva a um “decréscimo das filas de trânsito” e ao “descongestionamento dos parques de estacionamento”. Mais ainda, Marco Rebelo garante que “o constante crescimento do mercado das trotinetes em Portugal” deve-se ao custo muito baixo de utilização. “Os preços vão desde os 14 cêntimos, em época baixa e, em época alta, chegam aos 30 cêntimos ao minuto”, completa.
Legislação para trotinetes: há multas de velocidade, mas não é obrigatório capacete
À luz do Código da Estrada, as trotinetes elétricas são consideradas velocípedes com motor auxiliar, “com potência máxima contínua de 1,0 kW”. Caso atinja os 25 km/h, a alimentação é interrompida. No incumprimento destas legislações, “a apreensão é imediata”, com coimas entre os 60 e os 300 euros.
Porém, no que concerne a medidas preventivas, o Código da Estrada não determina como obrigatória a utilização do uso de capacete para estes veículos. Sobre esse assunto, as operadoras podem, porém, nos seus termos, obrigar a sua utilização.
No início deste ano, a Autoridade da Mobilidade e Transportes lançou um estudo com recomendações ao Governo e aos municípios, declarando “urgente” o estabelecimento de parâmetros técnicos na utilização deste meio de transporte. Entre as principais alterações sugeridas consta capacete e buzina obrigatórios, limites de estacionamento e proibição de circulação em zonas históricas.
Se a proposta vier a ser aceite, a circulação a duas rodas pode ser reformulada. Mas, entretanto, a falta de mais medidas de segurança não é vista com bons olhos por várias instituições. Nesse sentido, a associação Novamente, que ajuda as vítimas de traumatismos cranioencefálicos e as respectivas famílias, lançou uma petição pública, apelidada de “Onde anda com a cabeça?”, para tornar o uso de capacete obrigatório ao abrigo da legislação nacional.
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Na visão da associação, as e-scooters são “uma boa alternativa” aos meios de transporte convencionais, caso se comprometam a assegurar todos os protocolos de segurança. “A proteção da cabeça é o mínimo que se exige, pelas sequelas muito graves que daí podem advir”, lê-se na petição.
Ainda de acordo com o Código da Estrada, quando não está definido um valor de coima específico para condutores de velocípedes, as sanções previstas “são reduzidas para metade nos seus limites mínimo e máximo”. Contudo, Jacinto Ferreira alerta ainda para legislações específicas onde as coimas são uniformes independentemente do transporte utilizado, como o Regulamento de Sinalização do Trânsito. “Se um indivíduo transpuser uma linha longitudinal contínua, o valor da multa é igual para um condutor de uma trotinete, como para um veículo automóvel”, diz. Desta forma, uma transgressão com um velocípede pode mesmo levar a uma inibição da carta de condução.
Segundo o Comissário da PSP, “os condutores, em regra geral, não cumprem os códigos da estrada”. “Os veículos estão com frequência em cima dos passeios, andam em sentido contrário e desobedecem à sinalização semafórica”, aponta.
Para garantir um maior controlo policial, Jacinto Ferreira realça a importância de existir uma devida identificação do velocípede a motor. Na visão do Comissário da PSP, uma das soluções mais práticas para esta questão passaria pela implementação de números de série nas trotinetes. Com esse algoritmo seria, então, possível detetar o respetivo utilizador.
De forma geral, as trotinetes têm potencial para ser um meio de transporte sustentável, acessível e utilizado em larga escala. Mas acima de tudo é crucial apelar à segurança e ao civismo, de modo a assegurar o bem-estar de todos.
Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira