Em Lordelo do Ouro e Massarelos, uma zona cinzenta ganhou vida pelas mãos dos residentes da zona – fossem miúdos ou graúdos. Sob a supervisão do artista portuense Godmess, conhecido pelo trabalho eclético em arte urbana, o muro que acompanha a escadaria na Calçada da Boa Viagem recebeu uma intervenção artística sob o mote “É preciso ter lata!”.
Desenvolvida pela Associação de Moradores de Massarelos (com o apoio da empresa municipal Ágora e das Tintas Cin), a iniciativa, que decorreu entre 19 e 21 de abril, quis que as utentes do Centro de Convívio (frequentado maioritariamente por pessoas mais velhas) e moradores do Bairro da Associação de Moradores de Massarelos tivessem a chance de pôr mãos à obra.
A ideia surgiu na sequência do sucesso do projeto “Olhó Nobelo” – que consistiu na dinamização de um corrimão em crochet no mesmo lugar. Assim, seja através da pintura ou costura, toda a arte produzida foi feita pela comunidade da zona – contando ainda com outras pessoas que não fazem parte da freguesia, mas que tiveram conhecimento da intervenção através das redes sociais.
Cocriação com o artista Godmess
Ainda que a criatividade fosse a palavra de ordem, o desenho não surgiu de um momento para o outro. Em conversa com o JPN, Godmess explica que foi feito um workshop com as participantes, que incluiu “um brainstorm em que pedimos ideias, desenhos, palavras” de coisas com que as participantes se identificavam. Recolhidas essas referências, prosseguiu-se para o planeamento do conceito, avança o artista.
Num contexto de trabalho coletivo, a preparação “é mais exigente”, pois cada utente tem características especiais. “Isto implica que a equipa técnica conheça bem [as pessoas envolvidas], para gerir [o projeto] da melhor forma”, afirma Godmess.
Em termos de grupo, houve cerca de 30 pessoas presentes diariamente – integradas no Centro de Convívio ou pertencentes à freguesia de Massarelos. No entanto, ao longo dos três dias de produção, os ajudantes variaram – e com eles a faixa etária. “Temos [aqui] a Matilde, que tem três ou quatro anos, e a nossa utente mais velha deve ter uns 90 [anos]”, partilha.
Mariana Pinto, membro da associação e responsável pela idealização do projeto, explica que o objetivo era o combater o isolamento social e sedentarismo originados pela pandemia, sobretudo nos idosos. Assim, conta que foi “criando algumas estratégias”, como as duas iniciativas de índole artística, para motivar os residentes. No geral, considera que a movimentação teve efeitos positivos, denotando-se uma recuperação mais rápida dos sintomas.
Para a Dona Palmira, a mais velha entre as colaboradoras, “isto é tudo para aprender”, e a experiência de participar é uma mais-valia. Apesar das dimensões do muro, diz que a atividade “é tranquila”.
Tiago Andrade, diretor de entretenimento do Ágora, revelou que foram “de certa forma, desafiados” a encontrar uma finalidade para aquela parede. Apesar disso, o que torna iniciativas como “É preciso ter lata!” e “Olhó Nobelo” valiosas é o facto de irem “de encontro” com o que “é importante” para a empresa cultural – isto é, fundir o reaproveitamento urbano com projetos de integração social.
Sobre o tópico da pré-produção, Tiago Andrade revela que “encontrar uma relevância na relação entre o espaço público, o local onde acontece” e a comunidade existente, foi uma das maiores dificuldades enfrentadas. Todavia, após a sessão inicial realizada com as utentes do Centro de Convívio, foi possível estabelecer uma identidade para o projeto, dando-lhe assim a sua “cara.”
Durante o fim de semana, a equipa do próprio Godmess vai dar os toques finais. A ideia é “que esteja concluída” no início desta semana.
Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira