O Parlamento húngaro aprovou, no dia 13 abril, uma lei que permite efetuar denúncias anónimas às autoridades de todos os cidadãos que possam constituir uma ameaça ao “ideal húngaro”. O diploma foi, dias depois, vetado pela Presidente Katalin Novák, mas a possibilidade de que venha a ser aprovado continua de pé.

Em declarações ao JPN, o chefe de pesquisa e comunicação da Amnistia Internacional (AI) húngara, Áron Demeter, esclarece que a grande novidade da legislação é a possibilidade do denunciante manter o anonimato durante todo o processo: “Se vais fazer uma denúncia de um colega de trabalho, tens de dar o teu nome às autoridades, mas o teu colega nunca saberá que foste tu quem fez a denúncia”.

O dirigente da AI não tem dúvidas de que a lei é um atentado aos direitos humanos, pois põe em causa a liberdade de expressão, o direito à identidade e o direito à privacidade. Pode atingir vários grupos, como refugiados, as comunidades ciganas e LGBTQ+, e também quem trabalha em organizações não governamentais.

Para além disso, Áron Demeter afirma que todas as pessoas são alvos potenciais de denúncia: “Se estás na Hungria e dizes, no trabalho, numa conversa, que achas que os casais homossexuais deviam poder casar e adotar, um colega teu de trabalho pode denunciar-te”.

Apesar do veto presidencial, a lei regressou ao Parlamento, onde pode ser retirada totalmente, modificada, ou ser aprovada de novo – e, neste último caso, restará a Katalin Novák aprovar a lei e enviá-la ao Tribunal Constitucional, para ver se está conforme com a Constituição.

Contudo, em termos de penalidades, Áron Demeter, da AI, esclareceu que estas não existem: “Mesmo que alguém faça uma denúncia de um casal homossexual que tem filhos, a autoridade não pode tirar as crianças desta família, pois os filhos são deles – seja porque um dos membros do casal o adotou enquanto pessoa solteira ou porque são fruto de uma relação anterior, aos olhos da lei, os filhos pertencem-nos e não podem ser retirados“.

Também não existem sanções para quem, por exemplo, contrata refugiados ou membros da comunidade cigana, “o que mostra o quão ridícula é esta lei“, defende Áron, sublinhando que o objetivo do governo é criar medo entre os cidadãos. “Acredito que o objetivo do governo é criar uma atmosfera de medo em que as pessoas sentem que não podem falar e expor os seus ideais.”

Democracia do país em risco e conflito aberto com a União Europeia

Esta não é a primeira vez que o governo de Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria desde 2010, toma medidas vistas como controversas pela comunidade internacional, incluindo a União Europeia. Viktor Orbán já impediu a entrada de imigrantes africanos e do Médio Oriente várias vezes.

Na Hungria, o casamento homossexual e a adoção por estes casais é considerada inconstitucional, uma vez que o documento legal defende que o casamento é entre “um homem e uma mulher”, onde “a mãe é a mulher e o pai é o homem”. Contudo, as pessoas solteiras podiam adotar, e Áron Demeter partilhou que as famílias LGBT adotavam crianças como pessoas solteiras.

Contudo, em 2020, os deputados aboliram a possibilidade das pessoas com este estado civil adotarem, permitindo só aos casais casados fazerem-no. Também nesse ano, o governo aboliu o reconhecimento legal das pessoas trans.

O cenário político húngaro tem sido considerado um caso de risco para a democracia e, por esse motivo, a Comissão Europeia cortou o financiamento à Hungria em milhares de milhões de euros no ano passado.

Texto editado por Miguel Marques Ribeiro