Manipulação de partidas de futebol terá envolvido dezenas de jogadores que, alegadamente, colaboraram com quadrilhas criminosas especializadas para obter um ganho ilegal em sites de apostas. O JPN esteve em contacto com dois especialistas do futebol brasileiro, a fim de melhor entender o caso.
Intitulada “Operação Penalidade Máxima”, o processo de investigação sobre esquemas de apostas desportivas aberto pelo Ministério Público de Goiás (MP) ganhou visibilidade em fevereiro deste ano, após denúncias surgidas em 2022, na Série B do Campeonato Brasileiro.
Em novembro, o presidente do Vila Nova recebeu informações de que o trinco Romário havia chegado a um acordo com um grupo de apostadores, para forçar a marcação de um penálti num jogo contra o Sport.
A descoberta resultou da circunstância de Romário não ser convocado para a partida, o que o levou a tentar convencer um dos colegas titulares a realizar o ato. O jogador acabou por ser denunciado pelos companheiros de equipa ao presidente do clube, que reportou o caso às autoridades.
Nas últimas semanas, as denúncias cresceram e o inquérito veio novamente à tona, após a revelação de que jogadores da elite do futebol brasileiro também estariam comprometidos. Surge então a segunda fase da Operação, que passou a incluir jogos da Série A do Brasileirão, bem como alguns estaduais.
O esquema passava por aliciar jogadores de forma a alterar resultados. Estes recebiam cartões, amarelos ou vermelhos, causavam penaltis, entre outras ações que eram solicitadas aos profissionais. Valores em torno de 50 a 500 mil reais eram oferecidos pelos organizadores em troca dos serviços.
Ao JPN, Raphael Zarko, jornalista, alerta para a “extrema desconfiança” presente no meio profissional nos últimos dias. Dirigentes e jogadores estão preocupados, pois a repercussão “de qualquer qualquer erro” cometido pelos jogadores em campo é interpretado de forma “diferente” do habitual.
Zarko reitera ainda a necessidade de, a partir de agora, se pensar em maneiras de proteger “o sistema da manipulação” de resultados.
Forte presença de casas de aposta no futebol brasileiro
Entre as 20 equipas que disputam a Série A do Campeonato Brasileiro, 12 possuem contratos de patrocínio principal com casas de aposta. Estes clubes são o Cruzeiro, São Paulo, América, Atlético Mineiro, Botafogo, Fortaleza, Vasco, Santos, Fluminense, Bahia, Goiás e Athletico Paranaense.
Para além disso, a Copa do Brasil fechou, recentemente, patrocínio oficial com a Betano, também ligada ao mercado de jogos.
Em entrevista telefónica, o jornalista Andrew Sousa considera que “não tem como fugir” da presença destas empresas” e que os clubes veem “com bons olhos” o investimento por elas injetado no negócio, explica.
Zarko considera que a chegada destes agentes é natural e que, neste caso, as casas de aposta “também são vítimas”.
⚠️Atualização: Mudança do patrocínio do Santos da Pixbet para a Blaze após a criação do 1º infográfico.
Mesmo assim, sites de apostas continuam dominando o patrocínio máster dos times do Brasileirão 2023, ocupando 60% do espaço nobre das camisas (12 equipes). pic.twitter.com/CHDYuOIIsB— Mantos do Futebol (@mantosdofutebol) May 9, 2023
O que diz a CBF
Em comunicado oficial, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), defende que “a punição de atletas e demais participantes do esquema de fraudes aconteça” e que possa chegar à irradiação do desporto para “casos comprovados”. A organização descarta, por agora, “qualquer possibilidade de suspensão da competição atual”.
Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, reiterou a necessidade de “mudanças efetivas” que impeçam “crimes como estes” de manchar “a história do futebol brasileiro”.
Quem são os jogadores envolvidos?
O defesa central Eduardo Bauermann, do Santos, e o volante Richard, do Cruzeiro, foram os primeiros a ser afastados pelas respetivas equipas.
Gabriel Tota (Ypiranga), Victor Ramos (Chapecoense), Igor Cariús (Sport), Paulo Miranda (Náutico), Fernando Neto (São Bernardo) e Matheus Gomes (Sergipe) também estão sob inquérito.
Um grupo de outros 11 jogadores foram apenas citados no processo. Quatro deles – Kevin Lomónaco, Moraes, Nikolas Faria e Jarro Pedroso – já admitiram a participação no esquema, mas fizeram acordos com o MP de Goiás. Assim, não devem ser indiciados no processo.
Andrew Sousa alerta que, para os adeptos, “o temor é passar adiante deste estágio” de infrações menores, e que se descubra que houve “manipulação de resultados”. Em resumo, descobrir que o esquema “vai além de apenas cartões amarelos”.
Que penas estão previstas por lei?
Se for comprovado o envolvimento criminoso dos jogadores que estão a ser investigados, este poderá resultar numa suspensão de até dois anos, de acordo com o código de conduta do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).
No eventualidade de de um atleta reincidir numa condenação por suborno – situação em que pode incorrer Eduardo Bauermann – o resultado poderá ser o banimento do desporto.
Raphael Zarko também considera que haverá uma terceira fase na Operação, “com mais denunciados, mais provas e chegando em clubes grandes e jogadores de nome no cenário nacional”.
Na esfera criminal, os envolvidos podem ainda responder por associação criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção d âmbito desportivo, crimes com penas de prisão que podem variar entre os dois e os oito anos de prisão, para além da respetiva multa.
Até o momento o STJD solicitou a suspensão investigativa máxima, com prazo de 30 dias, de oito dos atletas sob suspeita.
Artigo editado por Miguel Marques Ribeiro