Manipulação de partidas de futebol terá envolvido dezenas de jogadores que, alegadamente, colaboraram com quadrilhas criminosas especializadas para obter um ganho ilegal em sites de apostas. O JPN esteve em contacto com dois especialistas do futebol brasileiro, a fim de melhor entender o caso.

Entre os 20 times que disputam a Série A do Campeonato Brasileiro, 12 possuem contratos de patrocínio master com casas de aposta. Foto: BorgMattisson via Pixabay

Intitulada “Operação Penalidade Máxima”, o processo de investigação sobre esquemas de apostas desportivas aberto pelo Ministério Público de Goiás (MP) ganhou visibilidade em fevereiro deste ano, após denúncias surgidas em 2022, na Série B do Campeonato Brasileiro.

Em novembro, o presidente do Vila Nova recebeu informações de que o trinco Romário havia chegado a um acordo com um grupo de apostadores, para forçar a marcação de um penálti num jogo contra o Sport.

A descoberta resultou da circunstância de Romário não ser convocado para a partida, o que o levou a tentar convencer um dos colegas titulares a realizar o ato. O jogador acabou por ser denunciado pelos companheiros de equipa ao presidente do clube, que reportou o caso às autoridades.

Nas últimas semanas, as denúncias cresceram e o inquérito veio novamente à tona, após a revelação de que jogadores da elite do futebol brasileiro também estariam comprometidos. Surge então a segunda fase da Operação, que passou a incluir jogos da Série A do Brasileirão, bem como alguns estaduais.

O esquema passava por aliciar jogadores de forma a alterar resultados. Estes recebiam cartões, amarelos ou vermelhos, causavam penaltis, entre outras ações que eram solicitadas aos profissionais. Valores em torno de 50 a 500 mil reais eram oferecidos pelos organizadores em troca dos serviços.

Ao JPN, Raphael Zarko, jornalista, alerta para a “extrema desconfiança” presente no meio profissional nos últimos dias. Dirigentes e jogadores estão preocupados, pois a repercussão “de qualquer qualquer erro” cometido pelos jogadores em campo é interpretado de forma “diferente” do habitual.

Zarko reitera ainda a necessidade de, a partir de agora, se pensar em maneiras de proteger “o sistema da manipulação” de resultados.

Forte presença de casas de aposta no futebol brasileiro

Entre as 20 equipas que disputam a Série A do Campeonato Brasileiro, 12 possuem contratos de patrocínio principal com casas de aposta. Estes clubes são o Cruzeiro, São Paulo, América, Atlético Mineiro, Botafogo, Fortaleza, Vasco, Santos, Fluminense, Bahia, Goiás e Athletico Paranaense.

Para além disso, a Copa do Brasil fechou, recentemente, patrocínio oficial com a Betano, também ligada ao mercado de jogos.

Em entrevista telefónica, o jornalista Andrew Sousa considera que “não tem como fugir” da presença destas empresas” e que os clubes veem “com bons olhos” o investimento por elas injetado no negócio, explica.

Zarko considera que a chegada destes agentes é natural e que, neste caso, as casas de aposta “também são vítimas”.

O que diz a CBF

Em comunicado oficial, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), defende que “a punição de atletas e demais participantes do esquema de fraudes aconteça” e que possa chegar à irradiação do desporto para “casos comprovados”. A organização descarta, por agora, “qualquer possibilidade de suspensão da competição atual”.

Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, reiterou a necessidade de “mudanças efetivas” que impeçam “crimes como estes” de manchar “a história do futebol brasileiro”.

Quem são os jogadores envolvidos?

O defesa central Eduardo Bauermann, do Santos, e o volante Richard, do Cruzeiro, foram os primeiros a ser afastados pelas respetivas equipas.

Gabriel Tota (Ypiranga), Victor Ramos (Chapecoense), Igor Cariús (Sport), Paulo Miranda (Náutico), Fernando Neto (São Bernardo) e Matheus Gomes (Sergipe) também estão sob inquérito.

Um grupo de outros 11 jogadores foram apenas citados no processo. Quatro deles – Kevin Lomónaco, Moraes, Nikolas Faria e Jarro Pedroso já admitiram a participação no esquema, mas fizeram acordos com o MP de Goiás. Assim, não devem ser indiciados no processo.

Andrew Sousa alerta que, para os adeptos, “o temor é passar adiante deste estágio” de infrações menores, e que se descubra que houve “manipulação de resultados”. Em resumo, descobrir que o esquema “vai além de apenas cartões amarelos”.

Que penas estão previstas por lei?

Se for comprovado o envolvimento criminoso dos jogadores que estão a ser investigados, este poderá resultar numa suspensão de até dois anos, de acordo com o código de conduta do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).

No eventualidade de de um atleta reincidir numa condenação por suborno – situação em que pode incorrer Eduardo Bauermann – o resultado poderá ser o banimento do desporto.

Raphael Zarko também considera que haverá uma terceira fase na Operação, “com mais denunciados, mais provas e chegando em clubes grandes e jogadores de nome no cenário nacional”.

Na esfera criminal, os envolvidos podem ainda responder por associação criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção d âmbito desportivo, crimes com penas de prisão que podem variar entre os dois e os oito anos de prisão, para além da respetiva multa.

Até o momento o STJD solicitou a suspensão investigativa máxima, com prazo de 30 dias, de oito dos atletas sob suspeita.

Artigo editado por Miguel Marques Ribeiro