Encontro convida representantes da Neurociência, Física, Tecnologia, Filosofia e Ética para apresentar as suas perceções acerca de uma realidade que pode estar mais perto do que se imagina.
Esta terça-feira (30), às 18h30, o Coliseu Porto Ageas organiza um debate centrado no tema da imortalidade, inserido no novo projeto “Mantras Coliseu”, que apresenta diversos eventos com base no pensamento.
De acordo com o diretor artístico, Miguel Guedes, é essencial apostar no recinto localizado no centro da cidade como um espaço de reflexão. “Quem quer viver para sempre?” é derivado do prisma do mind uploading (emulação total do cérebro) e vai ter entrada livre no Salão Ático do Coliseu, embora sujeita à limitação do espaço.
A temática da imortalidade mostra-se cada vez mais importante no meio académico e na indústria tecnológica. Entretanto ainda é pouco conhecida e debatida em Portugal justamente por representar um assunto delicado, dado os princípios morais que abrangem o cenário religioso do país.
Três métodos de upload da mente para um computador, segundo Steven S. Gouveia
A ideia do mind uploading, por exemplo, consiste no processo futurista hipotético de mapeamento da estrutura física do cérebro com precisão suficiente para criar uma emulação do estado mental e transmiti-lo para um computador, possibilidade que, efetivamente, divide opiniões por envolver questões filosóficas e éticas.
O evento vai contar com quatro nomes da neurociência, academia e religião de forma a mostrar que este assunto envolve diversas perspetivas e crenças.
O doutorado em Neurofilosofia da Mente, Steven S. Gouveia, que é líder de um projeto sobre a Ética da Inteligência Artificial em medicina e a professora Ana Sofia Carvalho (da área da ética e bioética, docente no ICBAS e membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida) apresentaram as suas perspetivas sobre o tema, em entrevistas ao JPN.
Entre os restantes convidados para o debate, está o académico Paulo Borges (Professor de Filosofia, presidente da União Budista Portuguesa e um dos fundadores do PAN), e o professor e cónego Jorge Teixeira da Cunha, da Universidade Católica.
Imortalidade através do mind-uploading: Que efeitos secundários poderiam implicar para a humanidade?
O neurofilósofo, Steven S. Gouveia, explica que a ideia de imortalidade através da emulação do cérebro humano enquadra-se, para já, num “cenário fictício“.
Dentro deste contexto, o processo teria início com a construção de diversas tecnologias desenvolvidas de modo a alcançar o que a neurociência chama de “connectome”, como explica Steven, que consiste em “mapear a totalidade do cérebro“, o que exige uma enorme complexidade por “lidar com um órgão que é constituído por 86 biliões de neurónios que estão conectados por triliões de conexões entre si”.
A finalidade destes mecanismos seria a de “enganar a morte e superar esta condição existencial humana a que todos nós estamos condenados desde o primeiro minuto em que nascemos” ou, de forma mais realista, podermos “melhorar a memória, sermos mais inteligentes, sermos pessoas mais justas e éticas“.
O cientista, que acaba de regressar da maior conferência do mundo sobre a consciência, a Science of Consciousness Conference, realizada em Taormina, na Sicília, sublinha que o maior desafio para alcançar este feito “não será tanto o desafio técnico ou tecnológico, mas sim o de acertarmos nos pressupostos filosóficos sobre a tecnologia e o que faz de nós seres humanos com um ponto de vista muito particular sobre o mundo”.
Na mesma linha de pensamento, outra das participantes no evento, Ana Sofia Carvalho, docente de Ética e Bioética no ICBAS, refere que estas novas tecnologias “vão causar problemas muito grandes a nível da justiça e da equidade” tendo em conta os altos custos que não vão abranger a todos. “A nossa sociedade não está preparada para isto”, afirma a professora ao JPN.
Dado um hipotético cenário onde o mind-uploading poderia vir a ser antiético, segundo Steven S. Gouveia, um dos maiores problemas teria a ver com a “continuidade do Eu”, ou seja, a “identidade pessoal”. É, portanto, colocada a questão: “Será que a mente que é transferida para o substrato artificial irá manter a sua pessoalidade?”.
Além disso, a falta de ética poderia se dar pelo “acesso a dados privados da mente de cada um poder estar nas mãos de empresas privadas, dado que estas teriam um poder sobre a nossa autonomia corporal que neste momento não existe”.
Por fim, existe a questão da falta de moral ligada “à perda da experiência humana: será que basta transferir o padrão neuronal de cada um para que a sua consciência seja transferida? E as suas memórias? E o seu corpo? E as suas relações intersubjectivas e ambientais?”. Steven S. Gouveia coloca estas questões para sublinhar que “há mais dúvidas que certezas”.
Desta forma, há que ter cautela na aplicação destas técnicas, sendo necessário “pensar políticas de acessibilidade e compreender, antes de tudo, todas as possíveis implicações éticas deste tipo de tecnologia para a sociedade em geral“. Esta reflexão ética tem que “ser feita antes da tecnologia ser desenvolvida, e não depois”.
Devemos apenas avançar efetivamente para este projeto científico se alcançarmos o padrão ético justo.
Para Ana Sofia Carvalho, este mecanismo ainda se mostra muito indefinido dado o contexto atual. A professora refere que o mind-uploading é “um cenário tão incerto e que está em desenvolvimento tão rápido que verdadeiramente cada aplicação tem que ser vista pelas suas consequências éticas do ponto de vista especifico“.
No entanto, sublinha a professora, mesmo com a probabilidade de se desenvolver “disrupções sociais muito complexas”, a técnica pode vir a oferecer grande benefício à população a nível de melhoramento cognitivo.
Steven S. Gouveia que o fundamental é “considerar de forma séria e rigorosa todos os possíveis impactos éticos” destas temáticas. O filósofo sublinha que antes de “avançar efetivamente para este projeto científico” é necessário encontrar um “padrão ético justo” e evitar o “desenvolvimento tecnológico desmedido”.
O objetivo do debate é justamente invocar o pensamento crítico na sociedade e consequentemente convidar o público a partilhar o resultado dessa reflexão.
Artigo editado por Miguel Marques Ribeiro