“Sick of Myself” (em português “Farta de Mim Mesma”) é o novo filme do norueguês Kristoffer Borgli. Com estreia oficial na secção “Un Certain Regard” do Festival de Cannes, chega agora às salas do Cinema Fernando Lopes, em Lisboa, e à plataforma Filmin Portugal, a 1 de junho. Trata-se, acima de tudo, de uma prova da viragem que está a ser feita pelos escandinavos (e, no geral, pelas indústrias europeias): o redireccionamento do cinema para problemas sociais atuais. O enfoque, por sua vez, cai na geração mais ridícula e risível, e também a que mais problemas existenciais enfrenta: a dos jovens adultos.

A película, dos produtores do aplaudido “The Worst Person in the World”, conta a história de Signe (Kristine Kujath Thorp), uma rapariga egocêntrica que tem uma necessidade constante de atenção e aprovação. Para tal, inventa coisas que não fez e problemas que não tem para ser ouvida pelos amigos e pelo namorado – que é um artista em ascensão e não tem tempo para pensar nela.

A sociedade contemporânea apresenta-nos diariamente uma infinidade de distrações, uma multiplicidade de holofotes dirigidos pelos media e pelas redes sociais. É cada vez mais difícil sermos ouvidos e termos espaço para nos afirmarmos. Com este cenário tão presente, como sobressair e ser diferente? Como marcar uma posição que afirme “eu existo, estou aqui e importo”? Para sermos notados temos de pautar pela diferença; mas como podemos fazê-lo sem ser através da arte, do talento ou da eloquência?

Borgli responde polémica mas assertivamente: pertencendo a uma minoria. É a partir dessa premissa que se constrói “Sick of Myself”. Exponencia-se até ao ridículo a sociedade atual, que se comove com os indivíduos diferentes do protótipo instituído e, por isso, dá-lhes uma atenção compassiva.

À medida em que a história se desenrola, deparamo-nos com momentos que repugnam mesmo os espectadores mais frios, chocam pelo seu grafismo e pela excelente interpretação de Kujath Thorp. No entanto, a tragédia avoluma-se e torna-se impossível não soltar algumas gargalhadas.

As personagens são tão propositadamente dramáticas que se tornam cómicas. O melhor espelho da sociedade contemporânea é, definitivamente, a agência de modelos, que contrata Signe quando ela está doente: por pena. Na agência, trabalham ainda uma mulher negra, uma mulher sem uma mão e outra cega que, ironicamente, é quem serve água e cafés aos clientes. Mas por ser cega suscita compaixão, logo a dona da agência não se incomoda com o facto de se partirem, constantemente, copos.

É neste tom divertido que se explora um assunto tão relacionável como o egocentrismo. Com cenários aprazíveis, numa ambiência quase vintage, e personagens credíveis, embora fantasiosamente hilárias, constrói-se um dos melhores filmes do ano – áspero e revolucionário, impiedoso e perspicaz. É o anti-estigma de que precisávamos –  num momento em que, ofuscados pelo peso avassalador da sociedade de massas, nem sempre “adoramos viver”.

Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira