A peça "Vânia" é uma recriação de "O Tio Vânia", um clássico de Anton Tchékhov. O JPN falou com o encenador e o elenco sobre o espetáculo, que está em cena de 1 a 4 de junho.

Elena, protagonizada por Ana Moreira, é uma das personagens da peça. Foto: TNSJ

Luís Mestre é hoje encenador, dramaturgo e professor de teatro, mas desde adolescente que é apaixonado por clássicos. Do enamoramento nasceu o enorme “à vontade” que sente a trabalhar obras desta natureza. É assim que “Vânia”, que esta quinta-feira chega ao Teatro Carlos Alberto, no Porto, é já a quarta peça baseada num clássico que Luís Mestre leva ao palco. O JPN falou com os atores e o encenador da peça, explorando as personagens e como foi trazer este clássico para a realidade.

Quando as personagens ganham vida

Luís Mestre sublinha antes do mais o enorme respeito que nutre por Anton Tchékov, autor do célebre “O Tio Vânia” que serve de inspiração à peça. Mas o “drama íntimo”, como o descreve o encenador, não foi recriado somente a partir do texto do dramaturgo russo. David Mamet e Howard Blake também foram convocados para a escrita do texto.

A atriz Ana Sampaio representa a personagem Vânia. Foto: TNSJ

Cinco personagens estão no centro do enredo: “Elena, que se quer embriagar com a vida; Serebriakov, um homem que não quer nada com a vida; Sónia, uma jovem que vê a vida refletida; Astrov, que vê a vida a sumir-se; e Vânia, uma mulher que se embriaga com a vida”. Luís Mestre escreveu estas personagens livres de género, mas presas a alguma coisa.

Elenco

Ana Moreira (Elena)

Ana Sampaio e Maia (Vânia)

Belisa Branças (Sónia)

João Oliveira (Serebriakov)

Sílvia Santos (Astrov)

Por exemplo, quando Elena se quer embriagar com a vida, Vânia embriaga-se com a vida. Ana Moreira, que dá vida a Elena, conta que a razão para isto acontecer é que Elena encontra-se num lugar onde sente que a sua vida está presa no quotidiano e quer libertar-se dela. “Ela busca o seu próprio prazer e bem-estar e não olha a meios para isso. Quer libertar-se da casa, daquela família, do constrangimento que vive, e quer embriagar-se com a vida.” Por sua vez, Ana Sampaio e Maia explica que Vânia bebe e embriaga-se com a vida, porque propõe-se a vivê-la de uma forma transformadora. “[Vânia] imerge naquilo que são as circunstâncias da vida e tenta transformá-las de alguma forma, apesar de não passar de uma tentativa, porque o objetivo que quer concretizar não é conseguido. Ainda assim, embriaga-se com a vida”.

João Oliveira afirma que a sua personagem, Serebriakov, é a menos emocional de todas. “Não está interessado em emoções e rege-se pelo pragmatismo, pela lógica”. Quanto à peça, espera que ela seja “um momento de reflexão, tal como estas personagens também estão num momento de introspeção”.

Algo que pode ser objeto de reflexão é o assunto da imagem. Belisa Branças sublinha que não podemos ignorar que a importância de damos à nossa própria imagem está “muito presente e tem consequências”, dando como exemplo a influência que as redes sociais têm. “A forma como nos observamos, como convivemos e vivemos com a percepção do nosso corpo, de nós próprios, e também com a percepção que os outros poderão ter de nós, todas estas camadas existem aqui [em ‘Vânia’] e há a possibilidade de pensarmos nelas”, referiu.

Trazer Tchékhov é, nas palavras de Sílvia Santos, “um desafio enorme, mas o resultado é gratificante”.

De clássico a contemporâneo

“Vânia” encerra um drama em que as personagens são as testemunhas da sua própria vida. Neste sentido, Luís Mestre traz a peça para o contemporâneo. Fá-lo, desde logo, ao levar “Vânia” aos palcos, mas também ao levar amor, ansiedade e rejeição para o teatro, temas que são transversais, dos tempos de Tchékhov até hoje.

“O drama é chegarmos a um ponto na nossa vida e percebemos que todas as grandes ações que projetamos no passado não são cumpridas e que muito provavelmente a nossa vida não vai mudar. A verdadeira tragédia de cada personagem é ver que a vida não está a ser, nem vai acabar como projetaram”. Esta idealização do que tínhamos pensado que a vida seria e do que realmente é acaba refletida em nós e nos nossos objetivos e sonhos, mas também na sociedade e na política.

Outro ponto de ligação que a peça tem com o mundo contemporâneo é o isolamento. O encenador acredita que nos dias de hoje as pessoas dialogam, mas não comunicam, e por isso é que as personagens parecem dialogar quando, na verdade, estão a falar mais para si do que para o outro.

Horários

quinta-feira, dia 1: 19hoo

sexta-feira, dia 2: 21hoo

sábado, dia 3: 19hoo

domingo, dia 4: 16h00

Preço: 10 euros (descontos na página oficial)

Luís Mestre deixa o subtexto da peça para o espectador, convidando todas as pessoas que forem ver a peça a fazer as suas próprias leituras.

Com duração aproximada de uma hora, “Vânia” está dividida em duas partes. Os figurinos retêm a ideia das personagens não terem género, sendo construídos, na sua maioria, com peças de vestuário masculinas e femininas, como camisas que se transformam em saias.

Estreada pela primeira vez em 2020, a peça é uma criação do Teatro Nova Europa em co-produção com o Teatro Nacional São João e a Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão.

“Vânia” vai estar em cena no Teatro Carlos Alberto de quinta-feira (1) a domingo (4), em diferentes horários (ver caixa).

Artigo editado por Filipa Silva