A tarde de domingo já vai a meio. Restam apenas cinco das 50 horas non-stop programadas pelo Serralves em Festa. Ao entrar pelo portão principal da Fundação, não há quem fique indiferente ao som de fundo que se faz ouvir e acompanha toda a visita. O som dos passos de centenas de visitantes, a baterem na terra avermelhada. Um som que se funde com o barulho das atividades à espera do público em vários locais do recinto. 

A 17.ª edição do evento arrancou na sexta-feira, dia 2, pelas 20h00, e ofereceu cerca de 250 atividades gratuitas, multidisciplinares e para todos os públicos. No final, passaram por Serralves mais de 290 mil pessoas, a maior afluência alguma vez registada no evento, que atraiu visitantes de norte a sul do país, contando com uma presença significativa de estrangeiros.

À entrada a receção calorosa dos voluntários faz com que quem chegue se sinta bem-vindo. Desde logo, é tido um especial cuidado com as crianças, a quem são dadas pulseiras vermelhas com o contacto dos encarregados. Assim, assegura-se uma maior segurança entre pais e organização que procuram fazer do Serralves em Festa um local de total descontração e entretenimento para todos.

Gargalhadas não escolhem idades

Com um programa extenso de atividades para todos os gostos e acesso gratuito a todos os espaços torna-se difícil saber por qual começar. Começamos pela atuação dos Bucraá Circus que encheu de gargalhadas a Clareira das Bétulas. Sem mais  espaço no relvado, crianças e adultos renderam-se à atuação de dois palhaços. 

Para Carolina Dantas, de apenas 3 anos, os momentos mais marcantes passaram pelas acrobacias destrambelhadas e um final em grande, caracterizado pela avó, Luísa Maia, de 78 anos, como “um clássico da palhaçada: levar com bolos na cara”. Para Joana Moura, de 48 anos, a caracterização dos palhaços aliada a um dia solarengo foram os ingredientes-chave para uma tarde bem passada. Como portuense afirma que Serralves “é uma mais-valia para a cidade do Porto” e faz questão de marcar presença ao longo dos últimos anos. No que toca à adesão do público, considera-o diversificado “não só por ter mais estrangeiros, mas muita gente que provavelmente não viria se Serralves não oferecesse de forma gratuita a entrada nestes três dias.” As palmas eufóricas dão fim a mais um espetáculo.

No edifício ao lado, o silêncio fala mais alto. No átrio do Museu de Serralves há um hipopótamo na sala. De grandes dimensões, rodeado de jornais e com um jovem que lê sentado no dorso do animal, esta é uma peça de arte que não deixa quem passa indiferente. A obra está integrada na arte de intervenção de Allora & Calzadilla, “Hope Hippo” faz soar alarmes que ecoam por todo o espaço.

“Hoppe Hippo” faz parte da exposição de Allora & Calzadilla patente em Serralves. Foto: Mafalda Pereira

“É vergonhoso este parque estar fechado à cidade”

Numa das salas, cartazes de cores vibrantes cobrem as paredes e captam o olhar de quem se passeia pela exposição de Carla Filipe. Há quem opte por uma abordagem mais simples, olhando e documentando aquilo que vai vendo e há quem também procure aprofundar os conhecimentos na matéria e se junte às pequenas visitas guiadas.

Rui Esmeraldo, de 29 anos, natural de Viseu e grande apreciador de arte e do próprio museu, vai satisfeito, mas deixa escapar uma crítica: “Para mim, é meio vergonhoso este parque estar fechado à cidade”. O Serralves em Festa, acredita, não devia ser uma exceção mas sim a regra. Para o viseense, o Porto podia “aprender com Lisboa, como faz com a Gulbenkian, e abrir as portas da cultura ao público”.

No interior do Museu, o público pôde apreciar as muitas exposições de Serralves, como a de Carla Filipe. Foto: Mafalda Pereira

Cultura essa que se faz sentir ao longo de todo o evento em múltiplas disciplinas: fotografia, workshops, circo, cinema, vídeo, performance, teatro, dança e ainda música, houve de tudo um pouco pelos vários cantos do recinto. O mapa de atividades é pintado de melodias de vários géneros e de vários países. Uma aposta na multiculturalidade bem recebida pelo público.

Do outro lado do lago, começa a ouvir-se o início do concerto dos BCUC, uma banda oriunda do Soweto, África do Sul, e que fez com que quem repousava no Prado se levantasse para acompanhar o espírito da banda. Vozes fortes, energia palpável e ritmos impossíveis de não seguir com o corpo caracterizam a atuação do grupo. Naquele que é o maior espaço do recinto de Serralves, sente-se um cheirinho a pão com chouriço e testemunha-se o por do sol que muda as cores do cenário. 

Os BCUC deram energia suplementar ao final da tarde. Foto: Maria Rego

Mais de 290 mil visitantes

Para encerrar o último dia do Serralves em Festa, o Groupe Acrobatique de Tanger, de circo contemporâneo, trouxe acrobacias arriscadas e que prenderam o fôlego do público. Por entre uma mistura de talentos, entre cantar, dançar e tocar, a atuação procurou ir além do entretenimento de quem assiste.

O espetáculo envolve crítica social – da crise ambiental à distribuição da riqueza -, aliada a uma sensibilização por um mundo mais justo, sustentável e preocupado com o futuro. No final, levaram aplausos de pé da plateia. 

Depois de quatro anos sem evento, devido à pandemia, o Serralves em Festa chegou ao fim com um balanço bastante positivo. Além do recorde de assistência, com um acréscimo de 10% face à última edição, a Fundação de Serralves destaca o facto de um quarto dos visitantes ter origem num país estrangeiro – Brasil, França, Alemanha, EUA, entre outros – e de 80% do público inquirido à entrada ter manifestado intenção de voltar para o ano.

Editado por Filipa Silva