Até a meteorologia pareceu interessada em receber a Motomami no Parque da Cidade do Porto. Por volta da meia noite e meia, a chuva que se fez sentir, esporádica mas agressivamente, ao longo do segundo dia do Primavera Sound, parou.

Valeu a pena, porque Rosalía entrou em palco com uma presença raramente vista noutros artistas. Com uma performance energética e continuamente cheia de vida, ainda que direcionada para a câmara que a acompanhava em close-up, a catalã fez de tudo para interagir com o público, tendo, inclusivamente, ido para junto dele.

Na realidade, foi a fusão da reatividade dos fãs com a difusão de imagens do palco nos seus vários ecrãs, em diferentes formatos e ângulos, que tornaram o momento ainda mais especial, harmonizando aquele que foi o concerto mais trabalhado do dia. Todas as coreografias, movimentos de câmara e momentos como a descida da artista do palco foram minuciosamente arquitetados.

 

 
 
 
 
 
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A performance ficou igualmente marcada pelo valor de produção, comprovando-se com a inclusão de trotinetes e um cadeirão de cabeleireiro para “Chicken Teriyaki”, que fez o festival dançar. Os mais céticos não tiveram outra hipótese senão ficar surpreendidos com o alcance vocal da artista.

Muitos fãs, como Lourenço, de 32 anos, vieram para ver “só mesmo a Rosalía”, que não desiludiu com um show – no verdadeiro sentido da palavra -, e teatralidade. Mas a artista trouxe para o palco também humanidade: além das baladas cantadas com muita emoção, deu a ouvir um discurso feito pela sua avó.

O tema final, “CUUUUuuuuuute”, colocou a multidão em êxtase. Destaca-se a contínua interação – até no final da performance -, com o público, que pôde, inclusive, através das câmaras, acompanhar a saída da cantora e o caminho até ao backstage, onde se despediu. “Obrigada, Porto” concluiu a cabeça de cartaz, deixando os fãs comovidos.

No palco secundário, ver bem é prioritário

Apesar da belíssima performance da estrela da noite, não faltaram críticas ao novo palco principal, que, além de estar localizado numa das zonas mais lisas do parque, com “uma relva recente e pouco assente”, se encheu de poças de água e de lama. Para Marta Aguiar, de 24 anos, “o atual palco Vodafone devia ser o principal”, já que, “para quem mede 1,57 metros, torna-se difícil ver bem em pisos retos”, comenta.

Na verdade, o palco Vodafone, com um piso de relva inclinado e melhor visibilidade, permitiu ainda, em abertas de sol, que milhares de espectadores utilizassem as proteções da chuva como assento e disfrutassem dos concertos de Shellac ou Maggie Rogers.

A americana Maggie Rogers, interativa e risonha, ainda reuniu alguns fãs – especialmente estrangeiros, como Calum, que veio de Londres para visitar o Porto e arriscou-se num bilhete geral para o festival. Agradaram-lhe nomes como o da cantora ou Alvvays, mas acredita que o melhor é mesmo “o ambiente tão simpático e acolhedor [portuense], com umas colinas incríveis que permitem boa visibilidade”.

O mau tempo que, ainda que desse pausas, retornava sempre, não demoveu o espírito, especialmente o daqueles que atravessaram fronteiras para assistir aos espetáculos. “As pessoas adaptaram-se”, comenta Jake, que veio de Boston para ver Fred Again. E o DJ britânico foi prova de que a festa se faz independentemente das condições: encheu o palco Vodafone com milhares de fãs, numa atuação efusiva.

Na verdade, Fred Again chegou até a congestionar o trânsito na zona de relvado, naquele que foi outro dos concertos mais extensos e aguardados da noite. Uma multidão em êxtase dançou ao som de êxitos como “Marea”, quase indiferentes à chuva.

Também em destaque, a banda de indie pop Japanese Breakfast levou o público a um palco mais recatado, o Super Bock. Para ver a coreana-americana Michelle Zauner, chegaram curiosos de todas as idades – e mesmo quem não era fã reconheceu o talento e humildade da vocalista, vibrando ao som de alguns temas mais conhecidos como “Be Sweet”.

As interações da cantora foram recebidas com uma energia divertida. Sempre sorridente, Zauner recordou ainda a última vez que a banda visitou Portugal, no Paredes de Coura, em 2018, mas destacou a plateia da tarde de quinta-feira por ser altamente enérgica e resistente aos inconvenientes.

Novo palco, novos projetos e holofote no talento nacional

A aposta em artistas portugueses não passou ao lado. Fumo Ninja foi a banda que abriu o segundo dia de festival, no palco Porto, o principal, com temas como “Chapada da Deusa”. O concerto reuniu os espectadores que chegaram mais cedo e, com capas impermeáveis, dançaram ao som do único álbum da banda indie, “Olhos de Cetim”. O grupo está, agora, “a trabalhar com este álbum”, lançado em 2022, mas os elementos integram igualmente outros projetos, como Som Maior, Femme Falafel ou Pop Dell’arte.

Ricardo Martins, baterista do grupo, em conversa com o JPN, partilha que o festival tem “um ambiente especial”. Tocar no Primavera Sound é uma oportunidade para dar a conhecer bandas portuguesas que estão agora a começar, mesmo que seja por acaso. “Há sempre quem esteja à frente para ver Kendrick Lamar ou a Rosalía. [Durante a espera] vão ter de ouvir [outros artistas], e se calhar até vão gostar”, completa Raquel Pimpão, a teclista. Leonor Arnaut (voz) acredita que, para artistas portugueses, “ainda devia haver mais espaço e em horários em que está mais gente”.

A previsão meteorológica continua a não favorecer os festivaleiros; no entanto, a música continua este fim de semana (9 e 10) no Parque da Cidade, com grandes nomes como Pet Shop Boys, Blur, New Order e Halsey. 

Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira