As tensões, as contradições e os movimentos paradoxais dos tempos anteriores e posteriores à Revolução dos Cravos são conhecidos no Porto na exposição “Pré/Pós - Declinações visuais do 25 de Abril”.
A exposição “Pré/Pós – Declinações visuais do 25 de Abril”, patente até 20 de outubro no Museu de Serralves, inclui obras pouco conhecidas, realizadas no período pré e pós-Revolução. Integrada nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, a exposição é “um grito de liberdade”.
Não se trata de “uma exposição sobre o 25 de Abril” com as “representações icónicas” que tradicionalmente se associam à data, nem de uma “sobre os movimentos artísticos africanos de contestação colonial”, que no programa de sala se assinala como estando “ainda por fazer”. Ao invés disso, “preferiu-se mostrar como os artistas visuais” saíram “para o espaço público para fotografar pessoas, situações e marcas da Revolução”.
É, por isso, “uma oportunidade única para pensar este período tão rico quanto conturbado da nossa história da arte, onde o manifesto político pode assumir uma vertente mais panfletária, como afirmar-se através de obras de cariz mais conceptual enquanto suporte discursivo e formal das liberdades desejadas e atingidas”, lê-se na nota do curador incluída no programa de sala da mostra.
Já no decorrer da visita de imprensa à exposição, no dia em que abriu portas ao público, o curador Miguel von Hafe Pérez sublinhou que lhe interessava “muito descobrir artistas que, com o passar do tempo, foram-se tornando mais invisíveis”. “São referências históricas que não podem ser ignoradas”, disse aos jornalistas. Além disso, também lhe interessava dar uma perspetiva do país nos anos 70 para, assim, se perceber a relevância do que foi o 25 de Abril.
A exposição engloba mais de 300 trabalhos de pintura, escultura, fotografia, filme, gravura, instalação, cartaz e edição de livros e revistas que contam com a presença “sísmica das múltiplas representações do corpo, muitas vezes trespassado por referências políticas desafiantes”. Contam-se mais de 120 artistas. Entre os nomes, há muitos mais desconhecidos mas também outros de relevo como Alberto Carneiro, Álvaro Lapa e Ana Hatherly, Eduardo Batarda, Fernando Lanhas e João Abel Manta, Julião Sarmento, Júlio Pomar, Lourdes Castro e Malangatana, Mário Cesariny, Mário-Henrique Leiria, Nikias Skapinakis, Noronha da Costa ou Paula Rego.
Os trabalhos que compõem a coletânea inserem-se no período entre 1970 e 1977 e refletem as experiências e sentimentos que terão acompanhado o processo revolucionário e como este se desenvolveu entre o “entusiasmo utópico” e a “apreensão contida”.
Sobre a pertinência da seleção levada a cabo, Von Hafe Pérez sublinhou: “Se não há essa possibilidade de nós próprios julgarmos e exercermos essa capacidade de memória crítica, alguém o fará por nós. E fará mal, porque não tem essa capacidade de fazer um exame individual”, observou o curador à margem da visita de imprensa.
A escolha deste intervalo de tempo entre 1970 e 1977 também se deve ao facto de ele culminar no ano em que se concretizou a exposição “Alternativa Zero”, uma “espécie de institucionalização da vanguarda” daquele período através de um programa de exposições e eventos organizado por Ernesto de Sousa na Galeria Nacional de Arte Moderna, em Lisboa, entre fevereiro e março de 1977.
Em toda a mostra, destacam-se ainda as questões feministas, que ainda “perduram enquanto cicatrizes estruturais”, a sexualidade, que “deve ser entendida também como uma força motriz da politização e da subversão da imagem no espaço institucional e público”, e ainda a representação do corpo que trespassa referências políticas.
Os temas centrais andam à volta do corpo e da revolução, tratados por artistas que, na sua maioria, tinham entre 20 e 40 anos na altura em que as obras ganharam vida. “Que futuro vislumbrariam no contexto pré-revolucionário? E que futuro ajudaram a construir no pós-Revolução?”, questiona-se o curador Miguel von Hafe Pérez.
É neste sentido que “Pré/Pós – Declinações visuais do 25 de Abril” surge como um grito que, apesar de não ter de ser “estridente”, é “contínuo”.
Editado por Filipa Silva