O autarca disse ainda que vai continuar a permitir a realização de manifestações, a não ser que as forças de segurança digam que estão em causa direitos fundamentais. Sérgio Aires, do Bloco de Esquerda, diz ao JPN que as declarações de Rui Moreira são "desproporcionais", já que se referem a um artigo de opinião de um membro do partido.

Rui Moreira diz que CMP não podia ter proibido a realização da manifestação. Foto: Inês Pinto Pereira/JPN

O presidente da Câmara Municipal do Porto (CMP), Rui Moreira, acusou esta sexta-feira (10) o Bloco de Esquerda de “ter tentado enganar a opinião pública“, numa atitude “demagógica” e “populista”, ao “colar o crime de ódio que ocorreu no Bonfim com uma manifestação de extrema-direita que decorreu também no Porto há cerca de um mês” e ao acusar o autarca de ter “autorizado uma manifestação que poderia ter proibido“.

Segundo Rui Moreira, a autarquia não podia ter proibido a manifestação anti-imigração, que se realizou a 6 de abril, no centro da cidade. Numa conferência de imprensa convocada pela autarquia para esta manhã, o autarca disse que questionou o “senhor procurador-geral distrital, José Norberto Martins”, sobre se o presidente da Câmara tem ou não competência para impedir a realização de uma manifestação.

“[O procurador-geral distrital] comunicou-me que a lei só permitiria inviabilizar uma manifestação perante ocorrências que ponham em causa garantias fundamentais de segurança de pessoas ou de propriedade privada e sempre com fundamento numa avaliação de uma força de segurança“, explicou.

De acordo com Rui Moreira, ao não autorizar a manifestação, estaria a violar o Artigo 45.º da Constituição da República Portuguesa, que prevê o direito de reunião e de manifestação. O autarca fez ainda menção ao parecer 15/2021, de 17 de fevereiro de 2022, no qual se pode ler que “nos termos da própria lei: ‘as autoridades que impeçam ou tentem impedir, fora do condicionalismo legal, o livre exercício do direito de reunião’ incorrem em responsabilidade criminal e disciplinar“.

Durante a conferência de imprensa, o autarca acusou o Bloco de Esquerda de “ter tentado manipular a opinião pública comparando a realização da manifestação no Porto e o impedimento de uma ação idêntica em Lisboa“. Rui Moreira esclareceu que, ao contrário do que aconteceu no Porto, onde a manifestação recebeu o aval das autoridades, “a Câmara Municipal de Lisboa pôde travar a manifestação com base num parecer da PSP, que advertia o presidente da Câmara para a falta de condições de segurança“.

“Acresce que os promotores de qualquer manifestação têm apenas o dever de comunicar e não de pedir autorização“, disse. Rui Moreira avançou ainda que está agendada para este sábado (11), pelas 10h00, uma manifestação, promovida pelo partido Ergue-te, no Campo 24 de Agosto, relacionada com as “questões de segurança” na zona. Questionado sobre se a manifestação terá lugar no mesmo local em que ocorreram os ataques a imigrantes, o autarca disse não saber se vão acontecer no mesmo local.

“Quero deixar bem claro que continuarei a seguir aquilo que o Sr. procurador me instruiu a fazer sempre no rigoroso cumprimento da lei. Irei, por isso, mesmo cumprir o direito constitucional da reunião e da manifestação. Só não o farei, quando as forças policias me comunicarem que estão em risco direitos fundamentais de segurança ou de propriedade privada”, concluiu.

Declarações de Rui Moreira são “desproporcionais”

Contactado pelo JPN, Sérgio Aires, vereador do Bloco de Esquerda no Executivo municipal, considera as declarações de Rui Moreira “desproporcionais“. O bloquista disse acreditar que estas declarações estão relacionadas com um artigo de opinião escrito por um membro do Bloco de Esquerda, já que “oficialmente o BE não teve qualquer posição” sobre se existe uma correlação direta entre a manifestação anti-imigração e os ataques contra imigrantes.

O artigo de opinião a que Sérgio Aires fez referência foi publicado esta quarta-feira (8) no jornal “Expresso“. Nesse artigo, José Soeiro, membro e deputado do BE, afirma que “Rui Moreira tem também responsabilidades na legitimação da extrema-direita, por ter permitido uma manifestação neonazi no Porto, no passado mês de abril, que deveria ter sido proibida, em nome da Constituição”. Sérgio Aires relembra que “há outros comentadores e outras pessoas que escreveram na imprensa que também fizeram [essa correlação] e nem são do BE”.

Ao que o JPN conseguiu apurar, o deputado do Bloco de Esquerda, José Soeiro, vai prestar declarações à imprensa sobre este assunto na Assembleia da República, pelas 18h00.

Ao JPN, considera que, embora os poderes da CMP pareçam ser, de acordo com o que foi dito, “juridicamente limitados”, a autarquia poderia ter comunicado a sua posição em relação à manifestação de forma distinta. Ou seja, o vereador defende que Rui Moreira deveria ter dito que “a lei não permite” a proibição da manifestação, mas que “se pudesse a suspendia”. 

Sérgio Aires refere ainda que alguns juristas defendem “que o direito de manifestação não é um direito absoluto”. “Quando é pré-anunciado que nessa manifestação também se vai violar a Constituição da República”, o vereador defende que se devem tomar medidas.

AIMA “não está a cumprir” com as suas obrigações

Esta sexta-feira, Rui Moreira voltou a afirmar que a Agência para a Integração, Migração e Asilo (AIMA) “não está a cumprir aquilo que são as suas obrigações perante aqueles que são os imigrantes que se querem regularizar em Portugal”. Já na segunda-feira (6), durante a reunião do Executivo, o autarca disse que a AIMA é “uma agência inoperante” e defendeu a sua extinção

Durante a sua intervenção, o presidente da Câmara do Porto disse que, “por dia, entram na justiça 50 queixas de imigrantes contra a agência. Em seis meses, foram instaurados mais de 7.500 processos em tribunal por atrasos na regularização de cidadãos estrangeiros. Há 400 mil processos pendentes de regularização. Quando foi extinto o SEF, havia 350 mil, portanto, a situação agravou-se“, concluiu.

“Acho que atinge foros de escândalo, porque ao mesmo tempo que queremos imigrantes, não somos capazes de os acolher“, acrescentou, relembrando que “um imigrante em situação ilegal está sujeito a um conjunto de pressões, nomeadamente na sua relação com o mercado de trabalho”. “Isto é uma situação que me preocupa”, disse.

Ainda durante a conferência de imprensa, Rui Moreira explicou a razão pela qual se tem referido à AIMA nas suas declarações. “Esta agência ligou naquele sábado para a Câmara do Porto a perguntar o que a CMP pode fazer relativamente aos imigrantes. Isto é uma competência deles“, afirmou.

Questionado sobre o que está a autarquia fazer em relação ao acolhimento de imigrantes, o presidente da CMP disse que “a autarquia não tem competências específicas nesta matéria“. Em resposta à pergunta, Rui Moreira disse que existem “mediadores que falam e dialogam com essas pessoas” e “um serviço que tenta garantir a empregabilidade aos imigrantes que cá chegam” e que as escolas têm “mais de três mil crianças que são filhos de imigrantes”.