Pedro Azevedo é relatador de jogos de futebol na Renascença desde 1988 e fez a narração do jogo de abertura do Euro 2004. Este é o primeiro de três artigos com base em entrevistas a personalidades que estiveram ligadas à competição no Porto, que o JPN preparou para assinalar os 20 anos sobre a organização de um dos maiores eventos da história do país.

Pedro Azevedo já narrou mais de 3.200 jogos de futebol, desde que entrou na Rádio Renascença (RR) em 1988. Nestas três décadas, fez a cobertura de nove fases finais de Europeus e Mundiais, incluindo a do Euro 2004. “Quando foi anunciado em 1999 que o Euro 2004 ia ser jogado em Portugal, foi uma sensação extraordinária“, contou ao JPN quando falta menos de um mês para completar 20 anos sobre o arranque desta competição.

O relatador acredita que esta foi também uma oportunidade única para os jornalistas. “A notícia foi boa para os jogadores, para os adeptos e também para os jornalistas, porque iam ter a oportunidade de fazer uma cobertura de uma grande competição em casa que, como o futuro veio a ditar, seria muito difícil de repetir”, disse.

Segundo Pedro Azevedo, toda a equipa da Renascença foi mobilizada para fazer a cobertura da competição. A rádio acompanhou todas as partidas e fez uma análise exaustiva dos jogos da seleção nacional, com pre-match, relato, pós-jogo e emissões especiais. Pedro Azevedo, que sempre morou no Porto, ficou responsável por acompanhar os jogos que se realizaram na zona norte.

O jogo inaugural contra a Grécia, que decorreu no Estádio do Dragão a 12 de junho de 2004, “foi o que me marcou mais. Foi inesquecível. Era capaz de fazer agora o relato do jogo sem estar a vê-lo“, contou. As expectativas eram altas e, para Pedro Azevedo, a seleção acabou por sentir a pressão dos adeptos na primeira partida. “A equipa acusou a pressão de jogar em casa. Portugal entra no jogo e sofre logo aos sete minutos, no seu jogo de estreia no Campeonato da Europa. Começou muito mal mesmo e claro que se levantaram algumas dúvidas. Eu próprio as levantei“, disse recordando o encontro que terminou com vitória para os gregos por 2-1.

A esperança dos portugueses estava a ser alimentada pelo facto de a seleção estar a jogar em casa. Pedro Azevedo considera que a seleção tinha uma enorme qualidade e que o Euro 2004 era a última oportunidade para muitos dos jogadores. “Era uma geração magnífica que tinha ganho os Mundiais sub-20, em 1989 e 1991, especialmente o último com o Figo e o Rui Costa, que eram autênticas estrelas mundiais. Era a última grande oportunidade para estes jogadores. Havia ainda o Pauleta, que era o melhor marcador da seleção, os campeões da Europa pelo FC Porto e o futuro melhor jogador do mundo, Cristiano Ronaldo“, afirmou.

Dúvidas depois do jogo inicial

O narrador da Renascença acredita que Scolari teve um trabalho complicado na preparação da equipa para a competição, devido ao histórico da seleção. “O Scolari teve de fazer um trabalho psicológico importante com os portugueses por várias razões. Primeiro, porque Portugal nunca tinha ganho nada e ia poucas vezes a fases finais. Depois, porque Portugal vinha de uma deceção tremenda no Mundial de 2002, onde saiu pela porta pequena com incidentes desagradáveis, que deixaram uma péssima imagem do futebol nacional”.

Recorde-se que a participação da seleção portuguesa no Mundial de 2002, que se realizou na Coreia e no Japão, ficou marcada pela saída precoce de Portugal na fase de grupos. Apesar de ter goleado a Polónia por 4-0, a derrota frente aos Estados Unidos no primeiro jogo e à Coreia do Sul no último ditou a saída da equipa nacional da competição. O último jogo ficou na história da participação portuguesa, depois de João Vieira Pinto ter agredido o árbitro da partida, na sequência da sua expulsão.

Em 2004, já com Scolari ao comando, o selecionador foi alvo de alguma contestação devido a uma escolha controversa. “Por teimosia, penso que foi só por isso, o Luiz Felipe Scolari prescindiu do guarda-redes que era campeão da Europa. Duas semanas e meia antes, o Porto tinha ganho a Liga dos Campeões, em Gelsenkirchen, [na Alemanha], com o Vítor Baía na baliza. O Scolari nunca o convocou. As opções dele para o Euro 2004 foram o Ricardo, o Quim e o Moreira, guarda-redes que não se comparavam em qualidade ao Vítor Baía. Isto provocou desagrado nos adeptos, principalmente nos do FC Porto. Ainda por cima, o primeiro jogo foi no Estádio do Dragão”, disse.

Para além desta confusão com o guarda-redes dos dragões, Pedro Azevedo acredita que Scolari cometeu mais alguns “erros de casting” na primeira partida, que apenas corrigiu nos jogos seguintes. “Nesse jogo, ele deixou de fora vários jogadores que tinham sido campeões da Europa pelo FC Porto. Dessa equipa, só o Paulo Ferreira, Costinha e Maniche foram titulares no primeiro jogo. Ele percebeu os seus erros e, no segundo jogo, mudou a equipa. Chamou o Ricardo Carvalho, que era claramente o melhor central português, o Nuno Valente, que era o melhor defesa esquerdo português, e o Deco, que era um tratado a jogar no meio-campo. Depois com o meio-campo do Porto, a equipa melhorou muito”.

Essa primeira partida ficou também marcada pelo primeiro golo em fases finais de Cristiano Ronaldo. O narrador acompanhou a carreira do melhor marcador da história da seleção desde a sua estreia e nunca teve dúvidas de que ia ter o sucesso que teve. “Tinha acompanhado a carreira dele desde a sua estreia pelo Sporting e via-se que estava ali um jogador fenomenal. No Euro 2004, ele tinha apenas 19 anos, mas notava-se que era um jogador absolutamente diferenciado“, disse.

“Uma tragédia grega”

Com o decorrer da competição, Portugal foi avançando e os portugueses acreditavam cada vez mais que a conquista era possível. Contudo, no jogo decisivo, a seleção voltou a acusar a pressão e repetiu a história do jogo inaugural, contra o mesmo adversário. “Portugal perdeu essa final com os mesmos defeitos do jogo inaugural. Muita ansiedade. Não podemos reprovar o apoio dos adeptos de maneira nenhuma, mas aqueles acompanhamentos excessivos desde os hotéis até aos estádios podem ter também dado excesso de confiança e sobranceria à equipa portuguesa”, disse o relatador da RR.

Pedro Azevedo não comentou o jogo decisivo, uma vez que foi jogado em Lisboa, mas esteve envolvido na organização da emissão. “É sempre uma pena não comentar estes jogos, mas estavam colegas meus de extraordinária qualidade, o Ribeiro Cristóvão e o Pedro Sousa”, afirmou. O narrador recorda a final do Euro 2004, na qual Portugal defrontou a Grécia, com muitafrustração“, dizendo que o jogo completou o hat trick de “mortes na praia” na história do futebol português. A seleção nacional perdeu por 0-1.

“Portugal morreu na praia em 1966, depois daquela meia-final contra os ingleses. Depois morre novamente no Campeonato da Europa, em 1984, com uma geração fabulosa de jogadores. Aquela meia-final com a super França de Platini permanece atravessada na garganta para toda a vida. Aqui, era o terceiro momento da história de Portugal. A jogar em casa, com uma equipa que estava ao alcance, não se poderia desperdiçar. Foi uma tragédia grega“, afirmou.

A glória de Portugal iria chegar apenas 12 anos mais tarde, no Euro 2016. Para Pedro Azevedo, a França sofreu do mesmo problema de Portugal em 2004. “[O Euro] 2016 foi a segunda vez na história que Portugal jogou em casa. Tinha adeptos à porta da sede da seleção 24 horas por dia. Jogou em casa todos os jogos, menos o último que foi a França. O Euro 2016 está para a França como o de 2004 está para Portugal. Demasiada sobranceria e excesso de confiança. Portugal acabou por fazer o papel da Grécia, em 2004. Em mais de três décadas a relatar, o golo dessa final foi o único que me deixou afónico”, disse.

O Euro 2020, que se realizou em 2021, devido à pandemia de Covid-19, foi a última grande competição de seleções que Pedro Azevedo acompanhou. O narrador disse ao JPN que as coberturas destes jogos trazem um grande desgaste e que é tempo de dar a oportunidade a outros. “Só quem lá vai é que se apercebe do desgaste que provoca. Quando terminei o Europeu, em 2021, fiz uma comunicação interna na Renascença a dizer que nem que chovessem canivetes voltava a fazer outro. Tenho sempre muito gosto em relatar jogos, mas aquilo é um desgaste que não tem a ver com a parte jornalística. Com os anos e com o desgaste, entendemos que é a altura de colocar um ponto final e dar lugar a outros“, concluiu.

Vinte anos depois do Euro 2004, Portugal volta a estar na fase final de um Europeu, que se realiza este ano na Alemanha – a seleção portuguesa nunca falhou um Europeu depois de ter recebido a competição em casa. Pedro Azevedo não tem dúvidas sobre a qualidade da seleção portuguesa à entrada para o Euro 2024: “Aponto a Alemanha, a França, a Inglaterra, a Espanha e a Itália. Mas se estes países são candidatos, Portugal também é. Para mim, Portugal é candidato a vencer este campeonato da Europa. Acho que a fase de qualificação que fez, mesmo que tenha sido contra equipas de dimensão inferior, faz sonhar. A equipa portuguesa não deu margem de manobra a nenhum adversário, quer fora, quer em casa”.

Editado por Inês Pinto Pereira