António Fonseca é o presidente da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto e já o era na altura do Euro 2004. O portuense relembra com carinho esse período e acredita que a competição foi importante para potenciar o turismo. Este é o segundo de três artigos com base em entrevistas a personalidades que estiveram ligadas à competição no Porto, que o JPN preparou para assinalar os 20 anos sobre a organização de um dos maiores eventos da história do país.
António Fonseca é o presidente da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto (ABZHP) há largos anos. Na altura do Euro 2004, Fonseca já estava à frente da associação. O portuense relembra a prova como “um dos momentos mais agradáveis da zona histórica do Porto“.
Ao JPN, o ex-presidente da União de Freguesias do Centro Histórico disse que recebeu o Campeonato da Europa com “imenso agrado e satisfação”, já que representava uma oportunidade para a Ribeira recuperar economicamente.
“O Euro 2004 foi a minha esperança de recuperação da tesouraria da área da zona histórica que estava a passar um período mau, fruto das cheias. A maior parte deste setor foi afetado diretamente pelas cheias, que foram desde 7 de dezembro de 2000 até 23 de março de 2001. Tivemos ali uma passagem de ano que não se trabalhou, um Natal que não se trabalhou. E, depois, uma angústia e uma instabilidade elevada, porque esses prejuízos nunca foram pagos por ninguém. Obviamente que o 2004 foi uma esperança de recuperarmos os danos causados”, contou.
António Fonseca referiu que, na altura, se acreditava que esta recuperação poderia ter acontecido três anos antes com a Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura. “Pensava-se que o Porto 2001 ia ser um grande boom para o turismo, mas não foi”. A tendência acabaria por se alterar, mas mais tarde. E a competição foi determinante, na visão de António Fonseca.
“O Euro 2004 foi o pontapé de saída do fluxo turístico que temos hoje, não tenho a menor dúvida. Tudo tem um princípio. Não foi com o Porto 2001, foi com o Euro 2004 que houve este grande impulso. Criou emprego, resolveu problemas financeiros e, sobretudo, despertou-nos para a importância que o turismo tem. O futebol é um grande veículo de promoção“, disse.
Para António Fonseca, apenas a regata Cutty Sark Tall Ships’ Race, que se realizou dez anos antes no Porto, deu uma breve ideia do fluxo que o Euro traria à cidade. “Durante 15 dias, uma série de veleiros extraordinários estiveram no porto de Leixões e esta zona esteve cheia de turistas“, lembrou.
Hoje em dia, os turistas são uma parte fulcral para a evolução da Baixa: “90/95% dos estabelecimentos aqui na Ribeira vivem dos turistas. Agora, imagina se os perdesse. Os turistas não expulsaram moradores. Até contribuíram para que muitos moradores criassem os próprios negócios”, disse.
O ex-candidato à Câmara do Porto lembra até que há 20 anos uma boa parte dos estabelecimentos, entre os quais “os restaurantes de luxo”, não mostravam futebol nas televisões, “porque diziam que as pessoas iam para comer não para ver televisão“. “Mesmo nos bares tínhamos monitores, mas era para passar tudo, menos futebol. Neste momento, pode ir a um restaurante onde paga 90 euros por cabeça e está a televisão ligada. Muito devido ao Euro 2004”, acrescentou.
A festa dos adeptos
Adeptos dos 16 países participantes chegaram a Portugal em junho de 2004 e iam fazendo a festa. O presidente da ABZHP relembra que os holandeses foram os que mais o surpreenderam. “Havia uma má imagem dos holandeses. Eu próprio não tinha grande ideia deles. Mas eles deram aqui uma lição de civismo. Deixam algumas saudades. Logo no primeiro dia, eles chegavam a um bar, pediam um litro de cerveja, davam 50 euros e iam embora. Acho que há casas que nunca venderam tanta Heineken como nessa altura. Eles perdiam os jogos, mas faziam a festa na mesma, sempre com elevada disciplina”, contou.
Também os adeptos dos países nórdicos deixaram a sua marca. “Nunca imaginei ver dinamarqueses a urinar na rua. Ainda me recordo que encheram a zona do Cubo com tanta cerveja que ficou tudo coberto com a espuma. Mas tudo isso fazia parte da festa. Ninguém bateu em ninguém e tivemos também essa tolerância”, disse. Para António Fonseca, o Porto “soube receber” e mostrou ser “uma cidade liberal que recebe todo o mundo”, “sem preconceitos”.
Uma segurança “de excelência”
Apesar das grandes concentrações de pessoas de vários países, “as forças policiais foram de excelência” durante o Europeu de 2004 e “deram o melhor exemplo de que Portugal tem capacidade para realizar grandes eventos”. No entanto, relembra que “a postura da PSP aqui no Porto foi única e foi a mais saudável“, já que, segundo o próprio, “em Albufeira, a GNR teve posturas bélicas junto dos adeptos das seleções e resultou em imensos desacatos. O Porto não teve desacatos”.
Para António Fonseca, a segurança sentida no Porto ajudou na promoção do turismo, porque “as pessoas só vão fazer turismo para sítios que sabem que são seguros“. O ex-candidato à Câmara do Porto relembra que nos jogos da Liga dos Campeões do Porto costumavam verificar-se algumas confusões. “Portanto, havia uma experiência negativa porque aconteciam sempre incidentes e de elevada gravidade. Mas o Euro foi uma autêntica lição“, acrescentou.
Em resultado dos ataques terroristas três anos antes em Nova Iorque e do 11 de março de 2004 em Madrid, vivia-se um período de algum receio. Como o presidente da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto explica, “havia muita especulação [de que algo semelhante pudesse acontecer durante a competição], devido às fronteiras abertas“. “Até se dizia que eram capazes de vir num carro de bois para entrarem. Essa preocupação esteve sempre na mesa. Mas houve muito cuidado e nada aconteceu. Normalmente, nunca se diz o que se evita. Só quando acontecem as coisas”, disse.
Do ponto de vista futebolístico, o portuense lembra que havia uma grande esperança à volta da seleção. “Houve uma grande expectativa em Portugal. Tínhamos uma boa seleção e um bom treinador. A ideia do Scolari com as bandeiras foi um momento único e oportuno. E o sentido das bandeiras não era de nacionalismo, mas sim de apoio à seleção. Isso é um momento que dificilmente volta a acontecer“.
O primeiro jogo da seleção nacional aconteceu precisamente no novo Estádio do Dragão, no Porto. No entanto, foi a única partida da caminhada histórica da seleção que decorreu na Invicta. António Fonseca afirma que é “incompreensível como é que não se fizeram mais jogos da seleção” na cidade.
O presidente da ABZHP lamenta que as gerações mais recentes já não saibam bem o que o Euro 2004 representou. “Acho que foi o despertar para a seleção. Se calhar à geração de 20 anos já não lhes diz nada. Mas quem aprecia futebol e a seleção tem de tentar saber um bocado de história“, disse.
Acima de tudo, os jogos da seleção são um momento de convívio para António Fonseca. “Lembro-me de um jogo com a Turquia, uns anos antes que me entusiasmou. Não me recordo se ganhámos ou perdemos, mas o acompanhamento das cervejas deu-nos uma experiência muito grande. Isto é um momento de convívio. As pessoas encontram-se para ver os jogos da seleção que até dão em canal aberto, o que não acontece com os clubes”, afirmou.
Fonseca conta que, mesmo com a derrota na final frente à Grécia por 0-1, os portugueses viveram o dia com ânimo. “Fizemos a festa na mesma. Tivemos uma comportamento à moda dos escoceses. Nunca me esqueço quando o Glasgow [Rangers] veio ao Porto. Perderam, mas celebraram como se tivessem vencido”, afirmou.
Em 2030, Portugal vai receber algum dos jogos do Mundial. O presidente da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto afirma com confiança que Portugal “está pronto para outro” e deixa uma questão no ar: “Se Portugal não tivesse tido o Euro 2004, será que tínhamos o fluxo turístico que temos hoje?”
Editado por Inês Pinto Pereira