O Coletivo pela Libertação da Palestina manifestou-se esta quarta-feira na Praça dos Poveiros, no Porto, apelando a um cessar-fogo “que já vem tarde” e a um corte das relações entre Portugal e Israel. Dezenas de pessoas juntaram-se à manifestação que terminou na Faculdade de Belas Artes.

No dia em que os palestinianos assinalaram os 76 anos da “Nakba” (“catástrofe”, em português), a Praça dos Poveiros foi o palco de uma manifestação do Coletivo pela Libertação da Palestina. Ao final da tarde desta quarta-feira, dezenas de pessoas decoraram o largo, com bandeiras palestinianas e cartazes de protesto, acompanhados de gritos e um pedido repetido: “Queremos uma Palestina livre!”.

Considerado pelos palestinianos como um dos momentos mais marcantes da sua história recente, a Nakba faz referência ao êxodo massivo de palestinianos que ocorreu a partir de 15 de maio de 1948, o dia seguinte à Declaração de Independência de Israel, que foi também o dia em que as nações árabes decretaram guerra ao novo Estado. No contexto da guerra árabe-israelita de 1948, mais de 700 mil palestinianos, segundo as Nações Unidas, fugiram ou foram expulsos por soldados israelitas das suas casas.

O Coletivo pela Libertação da Palestina, já responsável pela organização das vigílias que ocorrem diariamente na Avenida dos Aliados, juntou esforços para a organização de uma manifestação e também de uma assembleia para marcar os 76 anos desde a data. Apesar de relembrarem a ocasião todos os anos, a organização admite que “este ano é diferente”.

“As manifestações foram convocadas em diferentes cidades europeias, numa rede que se chama European Nakba Week of Actions 2024, em que várias pessoas saíram à rua para assinalar esta data, os 76 anos de uma catástrofe em curso, de uma Nakba que nunca terminou. Que não terminou em 1948 e que continua até aos dias de hoje”, afirmou Ana Paula Cruz, membro da organização da manifestação, ao JPN.

Em comunhão com outros coletivos nacionais e internacionais, o Coletivo pela Libertação da Palestina leu, pouco depois das 18h00, um manifesto elaborado a várias mãos que expôs as preocupações e desespero do povo palestiniano. “Israel assassino”, “Acabem com o genocídio” e “Pela libertação da Palestina” foram vários dos gritos repetidos assim que o discurso terminou. Pelo chão da praça, espalharam-se também várias velas e faixas.

Para Ana Paula Cruz, a guerra em Gaza, espoletada na sequência dos ataques de 7 de outubro, pelo Hamas, apenas “intensificou o genocídio e a limpeza étnica a acontecer na Palestina”. Considera que os estados-membros europeus têm fechado os olhos à situação e que perpetuam a “violência e padrões coloniais”. “É um projeto colonial mais antigo, mas que nestes últimos 76 anos se tem intensificado”, sustenta, acrescentando que “nestes últimos sete meses de intensificação de conflito, o número de pessoas deslocadas, de mortos, de vilas e casas destruídas, ultrapassa os da Nakba”.

Desde que o conflito escalou a 7 de outubro, a ONU registou a morte de mais de 25 mil palestinianos, em Gaza. Sete meses passados, o cessar-fogo ainda parece distante e as ofensivas continuam, apesar dos apelos para que Israel interrompa as operações. O Coletivo sublinha que as ações de Israel “preenchem todos os requisitos de um genocídio”: “Estas pessoas estão detidas nesta prisão a céu aberto. Gaza está completamente controlada pelo Estado de Israel, incluindo a ajuda humanitária. E sabemos disto pelo povo palestiniano. Temos de parar de achar que é preciso uma pessoa branca dizer que se trata de genocídio para termos a certeza. Isto é uma limpeza étnica”, insiste.

Na semana passada, os Estados Unidos declararam que o financiamento de armamento para o exército israelita seria interrompido. Durante a Eurovisão, vários participantes demonstraram a sua revolta contra Israel. A União Europeia apelou novamente, na quarta-feira (15), para que Israel pusesse um fim à operação militar em Rafah, no sul da Faixa de Gaza. Estaremos perto de um cessar-fogo? “Quero acreditar que sim. No entanto, este cessar-fogo já vem com muito atraso”, considera Ana Paula Cruz.

No caso português, a ativista considera que Portugal “deve romper as relações diplomáticas com Israel”. Durante a manifestação, foi condenada a intervenção de Paulo Rangel, ministro dos Negócios Estrangeiros, que referiu ser “injusto” acusar Israel de querer aniquilar o povo palestiniano, numa entrevista ao El País. “Não contamos com estes representantes políticos, que nos falharam até agora, para nos representar neste momento. O povo representa-se a si próprio e o povo quer a Palestina livre, como temos visto pelas manifestações dos últimos meses, pelas ocupações e pelos movimentos estudantis”, assegura a representante do Coletivo.

Estudantes estão “mais conscientes”

Seguiu-se uma assembleia geral no jardim da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto Foto: João Jesus/JPN

À concentração na Praça dos Poveiros seguiu-se uma assembleia geral estudantil e popular no jardim da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. A escolha do espaço foi feita por “mera disponibilidade e pela ligação de alguns alunos à causa”.

À entrada, os ânimos exaltaram-se ligeiramente assim que os manifestantes notaram a presença de alguns agentes da polícia na entrada da faculdade. “Já não se pode protestar pacificamente”, ouviu-se. A ocupação decorreu sem impedimentos e as bandeiras estenderam-se no jardim para se iniciar um espaço de debate sobre o conflito e sobre novas iniciativas a realizar na cidade. O microfone ficou aberto às participações de todos os presentes e evocaram-se ideias para futuras intervenções, sendo a ocupação de espaços de ensino uma das mais mencionadas.

Em tom de crítica, alguns dos manifestantes acusaram a Universidade do Porto de ser “conivente com as ideias israelitas”, uma vez que não rompem ligações com “universidades e institutos de Israel”. Todavia, a organização considera que o movimento estudantil e as camadas mais jovens têm “exercido pressão e estão mais conscientes”. “Sabemos, em termos históricos, que é sempre um movimento de transformação quando existe envolvimento do movimento estudantil”, rematou Ana Paula Cruz.

Sofia Pinto, de 24 anos, e Isabela Vieira, de 21, estiveram presentes nos ajuntamentos. Ao JPN, partilham que decidiram participar para “expressarem revolta” e para pressionarem “a Universidade do Porto a deixar de colaborar com instituições israelitas”. As jovens julgam que, ainda assim, os mais novos são “uma minoria” e que o conhecimento deve “ser alargado de forma imparcial e verdadeira” para que possam entender o conflito. “Ainda assim, há um medo de se posicionarem”, considera Isabela Vieira.

As decisões tomadas pela União Europeia têm sido “uma hipocrisia total” para Sofia Pinto. “Como é que podemos exigir um cessar-fogo se continuamos a contribuir diretamente para a indústria militar israelita e para outras indústrias que beneficiem capital israelita?”, disse ao JPN. Ainda que concorde com vários boicotes que têm começado a ganhar maior expressão, a estudante julga que são “ações performativas”: “Aplaudo a coragem da representante de Portugal na Eurovisão, por exemplo. No entanto, penso que não chega, não é assim que temos de agir. Não é a sermos pacíficos que se resolve alguma coisa. Para além disso, parecem apenas ações performativas e muitas vezes parecem feitas apenas para ganho pessoal”.

“O que é necessário é que se venha para a rua”, salienta a estudante. “É através das manifestações e ao sermos disruptivos que alguma coisa pode mudar”, repete. As próximas ações ainda estão a ser pensadas e debatidas, no entanto, as vigílias diárias na Avenida dos Aliados, das 21h00 às 23h00, continuarão “até ao cessar-fogo”. “Sabemos que será uma luta longa e que a paz vai demorar. Mas nós estamos cá a lutar para que isso aconteça”, notam.

Editado por Filipa Silva