Financiamento, tempo de construção alargado e problemas ambientais. A construção do novo aeroporto acarreta consigo vários problemas. José Correia Guedes, ex-piloto da TAP e Acácio Pires, 'policy officer' da associação ambiental Zero, analisam as recentes decisões relacionadas com o futuro aeroporto Luís de Camões.

Alcochete deverá substituir Aeroporto da Portela que vai operar pelo menos por mais dez anos. Foto: F. Deventhal/Flickr

O Governo de Luís Montenegro anunciou, esta terça-feira (14), a decisão de optar pela construção do Novo Aeroporto de Lisboa em Alcochete. Mas se o lugar parece agora certo, o que é um avanço face às décadas de indecisão no processo – não faltam também dúvidas.

Estima-se que o valor e o prazo de construção da infraestrutura sejam superiores ao inicialmente previsto pela Comissão Técnica Independente (CTI), o que levanta algumas questões na viabilidade do projeto. Além disto, a adequação ambiental da construção do novo aeroporto é outro aspeto que levanta problemas.

O JPN analisou estas questões com José Correia Guedes, antigo piloto da Transportes Aéreos Portugueses (TAP) e Acácio Pires, Policy Officer da associação ambiental Zero.

Alcochete: “Uma boa opção com problemas gigantescos”

A história do novo aeroporto escreve-se há 50 anos. Durante todo este tempo, foram muitas as hipóteses que estiveram em cima da mesa. Durante o Executivo de António Costa foi criada uma Comissão Técnica Independente (CTI), que analisou diversas alternativas, nomeadamente Santarém, Montijo e Vendas Novas. Mas a solução “com mais vantagens” para o grupo de trabalho liderado por Maria do Rosário Partidário era a do Campo de Tiro de Alcochete em articulação com o atual aeroporto, pelo menos enquanto este for necessário.

Depois de algumas dúvidas iniciais, o Governo de Luís Montenegro acabou por seguir a recomendação da CTI e para José Correia Guedes, antigo piloto da TAP, essa é a melhor hipótese. “De entre todas aquelas que vieram a ser analisadas, parece-me que as outras que não faziam grande sentido.”

Mas se a localização é viável, há vários outros aspetos que, para o ex-piloto, são problemáticos. “Alcochete tem boas condições para ter o aeroporto, mas tem problemas gigantescos que me levam a duvidar e a pôr em causa que alguma vez venha a ser feito”, afirmou.

Inicialmente, os custos previstos para a construção do aeroporto em Alcochete rondavam os 6,1 mil milhões de euros. Agora, o Executivo aponta para um custo que deverá rondar os 8 mil milhões de euros, um valor 30% acima da estimativa inicial da CTI.

“Os custos são absolutamente astronómicos. Estamos a falar de valores estimados entre 8 a 10 mil milhões, o que é um custo gigantesco, porque além do aeroporto, vão ter que construir uma ponte, um caminho de ferro, uma coisa, absolutamente ciclópica”, referiu em declarações ao JPN.

Além dos custos associados ao aeroporto, um outro problema prende-se com a fonte do financiamento. Em entrevistas à CNN Portugal, o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Miguel Pinto Luz, assegurou que “o novo aeroporto de Lisboa não vai representar qualquer custo para os contribuintes portugueses, sendo que o investimento partirá exclusivamente da Vinci, a empresa que detém a concessão da infraestrutura.”

No entanto, segundo José Guedes, a questão não é assim tão linear. “O Estado português não pode financiar o aeroporto, isso é proibido pela União Europeia. Terá de ser a Vinci a fazê-lo. A Vinci, empresa concessionária dos dez maiores aeroportos portugueses, tem direitos de preferência sobre tudo o que aconteça em matéria de aviação de aeroportos num raio de 75 quilómetros dos aeroportos que ela concessiona. Ou seja, Alcochete está dentro dessa concessão e a concessionária poderá ou não concordar [com a opção]. A Aeroportos de Portugal [ANA, controlada pela Vinci] já disse que a sua preferência era a solução dual Portela e Montijo.”

“O Porto ainda tem possibilidades de crescer”

Outro problema associado ao novo aeroporto é o tempo de construção. Enquanto a Comissão Técnica Independente previa a conclusão da primeira pista em 2030 e da segunda em 2031, agora, o governo diz que só em 2034 isso será possível. Até lá, o aeroporto Humberto Delgado, que segundo o ex-piloto, está com níveis de rotura extremos, vai ter de continuar a ser a “opção possível”. Mas há outras.

José Guedes defende que o aeroporto do “Porto não está esgotado. O Porto podia, e merecia muito, que uma parte considerável do tráfego que vem para Lisboa fosse desviado para o Porto. Era muito interessante para o Porto e penso que até era muito interessante para algumas companhias. Portanto, o Porto ainda tem possibilidades de crescer.”

Ainda no que toca ao aeroporto Humberto Delgado, para melhorar a utilização de uma infraestrutura sobrecarregada, foi criado um Sistema Point Merge (PMS, na sigla inglesa), que vai permitir uma gestão mais eficiente do tráfego, poupanças de combustível, redução de emissões poluentes e do ruído.

O PMS é um sistema de sequenciação para aproximação a aeroportos. Em caso de acumulação de tráfego, os aviões em espera são alinhados em dois arcos e encaminhados para uma sequência de aterragem a partir desses arcos, a uma velocidade constante.

Segundo o jornal ECO, no modelo atual, os aviões têm de fazer esperas circulares em torno do mesmo ponto e, quando têm autorização para aterrar, passa-se a um procedimento de descida por patamares, exigente do ponto de vista de comunicação entre o controlo de tráfego aéreo e os pilotos. Substituindo as esperas circulares por esperas lineares a maior altitude, permite-se uma gestão mais eficiente, contribuindo para maiores poupanças de combustível, uma redução de emissões poluentes e do impacto do ruído nas populações.

Esta é uma solução que, para José Guedes, se assemelha a “um número de circo” já que “estamos a gerir a situação no limite, estamos a espremer esta pista ao máximo”.

Aumento de voos na Portela “não são boas notícias”

O anúncio da construção do novo aeroporto na margem sul do Tejo levanta também dúvidas na área ambiental. Neste plano, Vendas Novas era a opção mais amiga do ambiente e para Acácio Pires, policy officer da associação ambientalista Zero, também. À construção do novo aeroporto associam-se problemas relacionados com a biodiversidade e a pressão urbanística, refere.

O primeiro problema prende-se com a aproximação da pista ao estuário de Tejo: “a pista continua a ter conflitos com os corredores da avifauna. Nesses corredores existem espécies protegidas nacional e internacionalmente.”

A saúde publica também pode ser um problema. Segundo um estudo realizado pela associação Zero, os prejuízos acumulados para a saúde pública dos munícipes mais diretamente afetados pelo aeroporto da Portela rondam os 1,3 mil milhões de euros ao ano. Apesar de a opção de Alcochete vir a afetar muito menos pessoas, segundo Acácio Pires, Vendas Novas seria uma opção que afetaria ainda menos “em termos de ruído e poluição atmosférica”.

Segundo o ambientalista, existem ainda riscos para o maior aquífero de água doce da Península Ibérica – o rio Tejo – e “um conjunto de riscos naturais que vão desde o risco sísmico ao risco de inundação, incêndio florestal, risco industrial.” Em todos esses casos, para o pollice officer da Zero, “Vendas Novas tem uma avaliação muito melhor do que Alcochete.”

A “proximidade à rede ferroviária” é, do mesmo modo, um fator importante do ponto de vista ambiental. “Vendas Novas já é servido hoje por ferrovia convencional” e “é também o sítio onde passará a futura linha de alta velocidade entre Lisboa e Madrid, que permitirá uma ligação em 3 horas entre as duas capitais e que terá no aeroporto uma estação passante, que serviria simultaneamente Lisboa e a Extremadura espanhola. Isso era também uma vantagem relevante”, realça Acácio Pires.

Já sobre a criação do novo sistema de gestão de tráfego Point Merge , o membro da ZERO diz que “Pode ser importante para podermos eliminar completamente os voos noturnos, pelo menos entre a meia-noite e as cinco, uma vez que poderemos ter muito menos atrasos. Agora, tudo o que faça aumentar a frequência de voos sobre a cidade de Lisboa não são boas notícias para as pessoas que vivem em Loures e metade da cidade de Lisboa e uma parte da cidade de Almada”.

Ainda sobre este ponto, Acácio Pires explica a necessidade “da imposição de taxas de ruído que obriguem as companhias a agirem de forma proativa no sentido de poderem usar aeronaves menos ruidosas”.

Aeroporto Humberto Delgado “completamente esgotado”

Há muito que se fala da rutura do atual aeroporto de Lisboa.  Para José Guedes, “a Portela é um aeroporto no centro da cidade que está completamente esgotado. O aeroporto da Portela, quando foi inaugurado, tinha três pistas. Uma delas desapareceu há 20 anos para para dar lugar a estacionamento porque não havia lugar onde estacionar os aviões que chegam e cada vez há menos lugar. Portanto, hoje em dia há uma pista única. Isso é sempre mau, porque havendo qualquer pequeno incidente, o aeroporto fica fechado. E para a capital de um país isso é catastrófico.”

Cada avião que descola, despeja sobre a cidade de Lisboa 300 a 400 quilos de CO2 e, neste momento, são realizados, todos os dias, cerca de 600 movimentos. Para além do impacto ambiental, o atual aeroporto “em termos de ruído, também é infernal. Vou muitas vezes para a Biblioteca Nacional, no Campo Grande, que é no final da pista. E ali, de dois em dois minutos, passa um avião que chocalha a estrutura toda”.

Além da falta de esgotado, o aeroporto de Lisboa representa ainda outros perigos, dada a sua localização em plena zona urbana. “Ao longo da minha carreira, que foi longa, quase 40 anos, conheci vários casos, um deles ocorrido comigo, de aviões que estiveram no ‘ai Jesus’ em cima de Lisboa, com problemas graves. Só não aconteceu uma catástrofe por sorte. Um avião que se despenhe sobre Lisboa é uma catástrofe de questões bíblicas. Isso já esteve para acontecer e poderá um dia vir a acontecer, de maneira que temos que evitar isso”, adverte José Correia Guedes.

Apesar deste esgotamento, para já, e pelo menos nos próximos 15 anos, “não temos outra alternativa”.

Editado por Filipa Silva