Câmara considera que bolsa de emergência entraria em conflito com o atual sistema de atribuição de casas. Proposta teve votos contra do Movimento de Rui Moreira e do PSD. Na reunião foi aprovada a revisão do orçamento municipal, com integração de 60 milhões de euros resultantes do saldo de gerência do ano passado.

CDU propôs criar Programa de Emergência e Inclusão Social. Foto: Filipa Prata/JPN

A proposta da CDU para a criação de “uma bolsa de habitação municipal” para uma “resposta rápida” a “casos graves de despejo” foi chumbada na reunião camarária desta segunda-feira. No final da sessão, que foi fechada à comunicação social, o presidente da autarquia, Rui Moreira, justificou o ‘chumbo’ aos jornalistas com o argumento de não ser possível criar uma prioridade na atribuição de casas para responder a casos de despejo, sem afetar a longa lista de espera já existente na Domus Social.

“Temos cerca de mil famílias à espera de casa, todas elas têm uma história e todas elas têm uma dificuldade acrescida. Se subitamente começássemos a dar prioridade a pessoas que são despejadas, qualquer uma dessas pessoas que estivesse no milésimo lugar, aquilo que queria era ser despejada”, explicou Rui Moreira.

Uma das motivações para a recomendação foi o caso de despejo divulgado pelo jornal “Público” na semana passada e que envolveu duas mulheres de 75 anos. O presidente da CMP disse que “a comunicação social ajuda, quando nos relata situações” como esta, mas admite que desconhece quantos casos destes ocorrerão na cidade, uma vez que não há qualquer obrigação de reporte à câmara no caso de haver resoluções de contratos. 

Ilda Figueiredo, por sua vez, reiterou que a câmara pode assegurar uma resposta de emergência “não à custa da habitação municipal, que tem uma lista para responder, mas através de um outro programa como este, que em vez de ser apenas para a habitação acessível, podia ter também esta componente. Ou seja, a Câmara podia ir disponibilizando e ir tratando desse arrendamento, conforme as necessidades. Naturalmente, só para os casos urgentes, e para isso, os serviços sociais devem apreciar esses casos urgentes e não todos os casos, claro.”

A comunista argumentou que a autarquia poderia criar um programa específico para a habitação de emergência, sem prejudicar a lista de espera existente, mencionando que a habitação é um direito constitucional e que, quer o Estado, quer o município, devem garantir essa resposta. A proposta dos comunistas referia especificamente os casos que envolvessem “idosos, famílias monoparentais com crianças e pessoas com incapacidades diversas”.

Em concreto, a CDU propôs um “Programa de Emergência e Inclusão Social”, com referência a outros problemas, nomeadamente à reabilitação de escolas e ao arranjo urbanístico das zonas mais fragilizadas, destacando a gravidade dos problemas sociais na cidade e a necessidade de respostas integradas.  “Nós propomos informar o governo da gravidade da situação e a criação urgente de um programa integrado de intervenção”, afirmou Ilda Figueiredo. 

O PSD votou ao lado do Movimento de Rui Moreira na rejeição do documento. Alberto Machado, vereador do PSD, acusou o partido de “misturar duas coisas que devem estar absolutamente separadas.”

“Uma delas é o apoio de emergência em situações em que a necessidade habitacional ocorre por uma catástrofe ou alguma situação mais complexa, isso deve ser o Estado Central a tratar”, referiu. Outra é a habitação municipal, que tem uma empresa e um regulamento próprios, “com critérios claros de atribuição” de casas. “Quem está nessas listas [municipais] normalmente são pessoas que estão em situações de extrema dificuldade. Estarmos a priorizar gravidades em função de coisas mais subjetivas ou de análises técnicas, não nos parece bem. A Segurança Social poderá fazer essa atribuição de habitação”, explicou.

O vereador também justificou o voto contra, argumentando que o texto abordava muitos problemas ao mesmo tempo, perdendo o foco principal: “Quando se pretende falar de tudo num mesmo documento, às vezes, misturam-se visões diferentes, e nós não concordamos com algumas das questões que a moção aborda”.

Só o Partido Socialista (PS) e o Bloco de Esquerda (BE) acompanharam a proposta comunista. Do PS não houve declarações no final da reunião, mas, pelo Bloco, o vereador Sérgio Aires justificou o voto favorável do partido por considerar que o programa vai ao encontro de algumas propostas já feitas pelo BE. Criticou também a falta de um programa como o Housing First no Porto. “Há necessidade de que dentro da habitação municipal, haja um número de casas reservado para situações de emergência”, defendeu Sérgio Aires.

Na reunião de segunda-feira, foi aprovada a primeira modificação ao Orçamento de 2024 com a incorporação de cerca de 60 milhões de euros de saldo de gerência do ano anterior. Na visão do vereador do BE, os 60 milhões de euros deviam ter outro destino: “É evidente que há opções na incorporação do saldo de gerência [que podiam ser diferentes], uma delas é na Ágora, há um aumento de 33% da sua despesa. Quanto à coesão social, 6%, portanto, eu quase não precisava de dizer mais nada.”

O bloquista ressaltou que a cidade precisa de uma abordagem mais integrada para lidar com a pobreza e a exclusão social e voltou ao caso das idosas despejadas: “Somos confrontados na semana anterior com um problema enorme de emergência de habitação, que não é o único, nem pouco mais ou menos. Temos uma lista de espera de mil pessoas na habitação. Temos problemas de coesão social, temos problemas de agravamento da pobreza na cidade, e a preocupação não foi a coesão social, na realização deste orçamento. Portanto, continuamos em estradas completamente diferentes do ponto de vista daquilo que deve ser a cidade do Porto.”

Sobre a revisão orçamental, a primeira no Orçamento de 2024 da Câmara, falou também o vereador do PSD, Alberto Machado, que se mostrou preocupado com o aumento de custos com pessoal, responsabilizando o Estado por não compensar as autarquias face aos “sucessivos aumentos legislativos nas remunerações”. Por outro lado, voltou ao tema da descentralização na área da educação face aos números que o Executivo levou à reunião e que apontam para um défice elevado entre as despesas da autarquia e as verbas transferidas pelo Orçamento do Estado: “Esta descentralização foi mal feita, um presente envenenado. Já temos um défice de 3 milhões de euros, previsto para 10 milhões de euros até ao final do ano”.

Editado por Filipa Silva