Em entrevista ao JPN, o presidente da União de Freguesias do Centro Histórico do Porto, Nuno Cruz, analisou o mandato que tem exercido desde 2021. Turismo, alojamento local, habitação, segurança e a violência na cidade foram alguns dos temas abordados.

Foi no boxe que fez nome, mas na política, a que hoje se dedica, garante que a “luta” continua. Nascido e criado no Porto há quase 50 anos, Nuno Cruz, conhecido nos ringues como o “Guerreiro do Norte”, é desde 2021 o presidente da União de Freguesias do Centro Histórico.

Foi eleito com 37.66% pelo Movimento de Rui Moreira e sucedeu no cargo a António Fonseca, depois de dois mandatos atribulados do histórico presidente da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto. “Encontrei uma União de Freguesias completamente desarrumada”, garante Nuno Cruz na entrevista.

No coração da cidade do Porto, onde mais pulsa o turismo e toda a atividade económica associada, mora também o isolamento de uma população idosa e falta habitação a preços acessíveis. A visão do presidente é que “não há turismo a mais” e que o Porto deve ao Alojamento Local a reabilitação do seu casco histórico e muito do seu comércio.

Na zona da Movida, garante, “está tudo a correr bem”, embora considere também que, no plano da segurança, “o Porto precisa de mais polícias”. Nesta entrevista de balanço de mandato, Nuno Cruz falou ainda sobre o recrudescimento do consumo de droga no centro histórico, fenómeno que atribui à “nova lei da descriminalização” e pronuncia-se sobre o ataque de que foi alvo um grupo de imigrantes na vizinha freguesia do Bonfim confiante que o caso não foi “de racismo, de ódio”, mas “um ajuste de contas” cujos contornos deixa “para as autoridades”.

JPN – É presidente da União de Freguesias do Centro Histórico do Porto. No entanto, é conhecido pelos portuenses por uma alcunha: o Guerreiro do Norte. Como é ter uma história diferente daquela que normalmente se associa a um autarca?

Nuno Cruz (NC) – É fantástico. Até porque o meu passado desportivo sempre foi de lutar pelo Norte. Era o guerreiro do Norte e lutava pelo Norte. E esse passado, que eu nunca esquecerei e do qual me orgulho muito, fez de mim a pessoa defensora que eu sou. Hoje admito que faz todo o sentido ter deixado os ringues e ter abraçado esta luta, porque a luta acaba por ser a mesma. Estou a defender as pessoas. E tenho feito uma luta brava. Isto na política não é fácil e muitas vezes é a resiliência que ganha. E, portanto, mantenho-me de pé, sempre firme, sempre a defender a União de Freguesias. Continuo a lutar.

JPN – Já deixou o desporto há uns anos. Custou-lhe tomar essa decisão?

NC – Saí com a sensação de dever cumprido, já tinha feito o que tinha a fazer. Tinha sido campeão do mundo de profissionais e já não havia muito mais para acrescentar. Passei tarde a profissional. Portugal é um país que agora está a melhorar, mas na minha altura não era um país muito desenvolvido ao nível de desporto e o boxe, então, era visto como um desporto secundário, violento e até praticado por arruaceiros. E nunca ninguém conseguiu encontrar um bom gestor, um bom empresário a lutar boxe profissional. Eu fui um bom empresário. Sou empreendedor, sou um empresário e é tudo a par do boxe, sempre a trabalhar no boxe.

JPN – E como é que surgiu este interesse pela política? 

NC – Não nasceu um interesse por política, nasceu um interesse por defender as pessoas. Fazer política é defender as pessoas, mas defendendo uma ideologia, não é? No meu caso, esqueço a ideologia, porque sou uma pessoa do povo e defendo as pessoas sem me focar na ideologia. Vou atendendo às necessidades. Por exemplo, sou uma pessoa que se ao nível económico sou liberal, ao nível social, sou muito social, sou muito próximo das pessoas. Gosto muito de ajudar as pessoas. Chego a político por convite do senhor presidente, Dr. Rui Moreira, que vem ter comigo e diz assim: “Nuno, as pessoas da tua União de Freguesias precisam de ti e tu és a pessoa ideal para as defender”. E eu aceitei o convite.

JPN – Quando chegou à presidência da União de Freguesias do Centro Histórico em 2021 que cenário é que encontrou? Quais eram as situações mais urgentes a resolver?

NC – Encontrei uma União de Freguesias completamente desarrumada. Uma União de Freguesias que fechou creches, que ficou com educadoras de infância sentadas em secretárias, que fechou centros de ATL e que estava com um défice financeiro de 15 mil euros. Tinha 50 mil euros na conta e não chegava para pagar os ordenados de todos os funcionários e foi um trabalho exaustivo. Foi até, se calhar, arriscado. No primeiro ou no segundo mês, estive em risco de não conseguir pagar os ordenados, mas consegui. Passados quatro ou cinco meses, peguei numa foice e comecei a cortar tudo o que era despesas, tinha que meter austeridade. E fui conseguindo o equilíbrio das contas. No final do ano, depois de todas as atividades que a gente faz e que não são poucas, temos um saldo de gerência de 180 mil euros, que nos permite ter uma almofada financeira. Obviamente, para mim, isso é gratificante.

Encontrei uma União de Freguesias completamente desarrumada.

JPN – Durante a sua campanha, referiu que o desporto era algo que queria desenvolver durante o mandato. Três anos depois, o que foi feito neste domínio?

NC – Exatamente. Ao nível de atividade desportiva, nós temos protocolos com várias entidades e vários treinadores que dão aulas de zumba gratuitas aos fregueses na cota baixa e na cota de cima da freguesia. Não é algo centralizado. Temos para servir as várias zonas da União de Freguesias, porque é grande. Temos aulas de dança, tai-chi, zumba, tudo de forma gratuita. Eu acho que quando um país investe no desporto, poupa na saúde. Temos visto cada vez mais pessoas com doenças psicológicas e a prática de desporto ajuda imenso a ultrapassar várias destas barreiras. Na altura de campanha, estávamos também a sair de um período pandémico em que as pessoas ficaram em casa e não socializavam, estavam mais isoladas. Portanto, tínhamos urgência para que as pessoas voltassem a socializar. Fizemos também a Gala do Desporto exatamente para promover o desporto. Homenageamos todos os clubes da União de Freguesias, todos os atletas e treinadores que mereciam. Para além do combate ao sedentarismo, sabemos que o desporto, nas camadas jovens, previne que peguem num cigarro, em álcool e nas drogas.

JPN – No vosso Facebook, têm uma iniciativa chamada Gabinete de Ocorrências em que os cidadãos podem denunciar algo que gostavam de ver consertado ou resolvido. Tem funcionado?

NC – A ideia foi minha, porque sentia que as pessoas tinham dificuldade de se dirigir aos serviços municipais. Mas toda a gente tem WhatsApp hoje em dia. Então, agora basta mandar uma mensagem para este número e nós tratamos do resto. Senti que era necessário e tem sido um enorme sucesso. Alguns partidos políticos, às vezes, dizem que nós aparecemos como se fossemos nós a resolver as coisas. Não somos nós que as resolvemos, somos nós que ajudamos a que elas sejam resolvidas. E é um bom método. Não estamos só a falar de buracos. Também podemos resolver situações de sem-abrigo a dormir na rua, falta de iluminação, lixo espalhado… Preferimos ter este meio de contacto do que ter pessoas a publicarem críticas no Facebook. A minha maior mensagem aqui é chamar a atenção das pessoas para o facto de todos devermos ter um bocadinho de civismo. Se vejo uma coisa mal feita, posso contribuir para que ela fique bem.

JPN – Um dos seus objetivos enquanto autarca é combater o isolamento e o abandono de idosos. Tem levado a cabo algumas iniciativas neste contexto e até acaba por participar em várias delas. O isolamento é um problema no centro histórico? Que dados existem sobre este assunto?

NC – Nós somos, sem dúvida, a União de Freguesias no Porto com uma taxa de pessoas de idade mais elevada. A lei do arrendamento veio dizer que a pessoa acima dos 65 anos estava protegida e, embora muita gente tenha sido despejada [no centro histórico], as pessoas com 65 anos ou mais não foram. Então, ficaram nas suas casas e muitas vezes isoladas dos filhos, dos familiares. E, nesse sentido, quis muito que elas se sentissem abraçadas pela junta. Temos iniciativas quase todos os meses para os idosos. Essas pessoas precisam de se sentir apoiadas. Admito que já me comovi várias vezes com pessoas agarradas a mim a pedirem para não parar com estas atividades. E, portanto, enquanto cá estiver, vou continuar a abraçar essas pessoas. Temos agora uma nova ideia de começar a fazer workshops para idosos, à semelhança de uma universidade sénior. Também queremos ter reuniões online para aqueles que não conseguem sair de casa e juntar ainda mais pessoas. Vamos enviar uma psicóloga e também assistentes sociais a estas casas para ensinarem os mais velhos a utilizar estes dispositivos. Vamos fazer essas reuniões semanais para que possam falar uns com os outros e se conhecerem. Às vezes, até partilhar os seus problemas e encontrar respostas. Nós temos o senhor João, que é eletricista, mas tem as calças rotas, mas depois temos a Dona Maria, que não tem luz na cozinha, mas que é costureira e eles os dois podem ajudar-se um ao outro.

JPN – O centro histórico tem sentido muita pressão turística com o passar dos anos. Pesando na balança os contributos e os problemas que o turismo traz, qual é o prato que pesa mais, na sua opinião? Há turismo a mais na cidade ou não?

NC – Não acho que haja turismo a mais. Mas a Câmara do Porto, neste momento, está a apostar num turismo com mais qualidade. Quando temos a casa cheia, começamos a selecionar o cliente. Se calhar é o que estamos a fazer agora, um turismo com melhor qualidade. Eu lembro-me há bem pouco tempo, nos anos 2000, da cidade do Porto abandonada. Tínhamos medo de passar na Rua das Flores, não se via ninguém. Eu tinha um café no Passeio das Virtudes. Numa noite de São João, meti um assador de sardinhas na rua e depois, às 23h00, tive que fechar e mandar tudo embora, porque não tive um cliente. Isso é impensável nos dias de hoje. As pessoas tinham medo de andar na rua depois das 20h00. E agora fico feliz de ver a cidade da maneira que está. Fico feliz, porque vejo toda a gente a trabalhar, a sair à rua sem medos, a poder conviver. Tínhamos imensos prédios a cair e era uma cidade abandonada.

Quando temos a casa cheia, começamos a selecionar o cliente. Se calhar é o que estamos a fazer agora, um turismo com melhor qualidade.

JPN – Então está a dizer que o turismo trouxe mais benefícios que malefícios?

NC – Obviamente que este crescimento tão grande teve as suas dores de crescimento. Mas o que é que cresce sem trazer dores de crescimento? O Porto passou por um boom. De repente, em 2015, dá uma volta de 180 graus. A minha geração toda foi comprar casa fora da cidade e eu comprei um prédio no Passeio das Virtudes por 60 mil euros. Vale milhões agora, não é? Mas a minha geração foi toda comprar nas cidades de Gaia, Matosinhos, Valongo, Rio Tinto. No centro histórico, não existem as mesmas condições, porque os prédios são pequenos. Mas houve aqui uma diferença muito grande. Antes ninguém queria morar nesta zona e, de repente, passa a ser uma das cidades com melhor qualidade para se viver no mundo inteiro.

Nuno Cruz venceu as autárquicas de 2021 pelo movimento de Rui Moreira. Foto: João Jesus/JPN

JPN – É no Centro Histórico do Porto que se concentra a grande fatia do Alojamento Local. Em 2023, estavam registadas mais de 10.500 licenças na cidade do Porto, a grande maioria no centro histórico. Tem números atuais? Que visão tem sobre o Alojamento Local no centro histórico?

NC – Se houve uma grande reabilitação do Centro Histórico do Porto, deve-se ao Alojamento Local (AL). O AL é uma iniciativa que já se faz no Algarve há mais de 50 anos. No Porto, é mais recente e reabilitou tudo o que estava abandonado, o que fez com que florescessem também os negócios da zona. Por exemplo, nós temos lavandarias, cafés, restaurantes… Se as pessoas ficarem em hotéis, usufruem das refeições nesse espaço. Portanto, [sem o AL] nós vamos ter a economia, por exemplo, de uma Rua das Flores, que tem os melhores restaurantes e cafés, a despedir as pessoas. Não nos podemos esquecer que o Porto é o que é graças ao Alojamento Local. E sim, houve situações de pessoas que foram despejadas para criar AL. Mas, vejamos as coisas: se eu tenho uma família a pagar 150 euros, mas posso fazer dois mil euros se ceder ao AL, faz sentido continuar com essa família lá? Não. Mesmo que eu não possa fazer AL, consigo alugar essa casa por 700 euros. Se os juros da banca subiram brutalmente, porque é que não hei de subir brutalmente o rendimento? Agora, quem tem de garantir a habitação às pessoas é o Estado. E o Governo investiu zero na habitação. Mas a Câmara do Porto tem investido bastante nas rendas sociais. Nós entregamos uma casa por dia com o programa de rendas acessíveis, que são mais baratas 20% que os valores no mercado e ainda temos uns patamares abaixo, que podem ser apoiadas com o Porto Solidário. Aí se distingue a eficácia dos líderes autárquicos.

Não nos podemos esquecer que o Porto é o que é graças ao Alojamento Local.

JPN – Mas não tem dados de quantas licenças de AL existem no centro histórico?

NC – Não tenho. Não tenho números de cabeça.

JPN – Ainda relativamente ao Alojamento Local, o município suspendeu o Regulamento para o Crescimento Sustentável do Alojamento Local do Porto por incompatibilidade com o programa Mais Habitação. Com o novo Governo, as autarquias voltam a ter autonomia no licenciamento de Alojamento Local. O Alojamento Local deve estar na esfera de competências da autarquia?

NC – Nós tínhamos feito um regulamento que tinha sido aprovado e foi revogado exatamente porque entrou [em vigor] o pacote Mais Habitação. Não fazia sentido a Câmara ter um regulamento que já não era competente. Esse regulamento estava muito bem feito e a criar regras, não ia proibir o Alojamento Local. Ia haver certas zonas da cidade que poderiam crescer com mais Alojamento Local e outras em que só se abriam algumas exceções. Estava muito bem feito e aí o Executivo municipal está de parabéns. Agora, esperemos que tudo volte ao normal.

JPN – E no plano da habitação, há algum projeto pensado pela União de Freguesias para aumentar o número de fogos disponíveis no centro histórico?

NC – Nós temos um prédio que agora concorremos ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Estamos à espera da resposta para ver se fomos abrangidos para se criarem quatro habitações nesta zona e mais cinco no Arco de São João Novo, portanto, na zona histórica. Mesmo dentro de muralhas fernandinas, temos quatro casas que nos foram deixadas de herança, mas essas ainda não estão registadas em nosso nome. Estamos a fazer tudo o que está ao alcance de uma junta de freguesia. Mas uma junta não é uma Câmara Municipal.

JPN – Tinha falado sobre o programa de arrendamento acessível, direcionado também para a zona do centro histórico. Quais são os resultados que têm verificado?

NC – São muito bons, porque nós temos gente na cidade que tem um trabalho e precisam de arrendar uma casa, mas não têm uma casa para arrendar. E quando se é um líder, nós temos que pensar em toda a gente. Por exemplo, habitação social, temos 13%. O país tem uma resposta de 2% e nós temos 13%. Precisamos de criar respostas para quem trabalha? Ok, vamos criar as rendas acessíveis. Podemos também ir a alguns proprietários que queiram arrendar ao município e o município, por sua vez, mete nas rendas acessíveis. Criam-se programas exatamente para tentar ajudar essa classe de pessoas que trabalha e que precisa de uma casa.

JPN – E já que falamos de habitação, como é que está a realidade no centro histórico? Temos mais ou menos pessoas a morar nesta zona? São mais velhos, mais novos, portugueses, estrangeiros…?

NC – Pelos Censos, sei que temos cerca de 33 mil eleitores. A percentagem de pessoas mais idosas é elevada, mas temos notado que as pessoas mais novas também já estão a chegar ao centro histórico, com novas casas a serem construídas ou compradas. O Porto está a renascer e é uma cidade que está em mudança todos os dias.

JPN – Algo que se tem comentado nos últimos tempos é o encerramento de vários pontos de comércio tradicional, no centro histórico, mas também pelo Porto inteiro. O que é que tem a dizer sobre isto?

NC – Olhe, o Executivo municipal nesse aspeto esteve muito bem. Criou a Loja Tradição para proteger aquilo que eram lojas antigas. Também gostaria de esclarecer que a Mercearia do Bolhão vai fechar por opção do proprietário. Se o proprietário não quer continuar com o negócio, o que é que a Câmara ou a Junta podem fazer? Os negócios que são antigos e que querem ser protegidos serão protegidos pelo município se preencherem os requisitos do programa Porto de Tradição, submetendo a documentação necessária. Agora, se há negócios que fecham de forma voluntária, não podemos fazer nada. E os proprietários têm livre arbítrio para alugar a um McDonalds ou outra empresa. É o mercado a funcionar e as pessoas a mandarem naquilo que é delas.

JPN – Há várias obras a acontecer na cidade, principalmente pela Metro do Porto. Têm chegado queixas de residentes? O que é que a União de Freguesias tem feito? E existe alguma previsão para se ver o centro do Porto com menos andaimes?

NC – A Metro do Porto tem causado alguns problemas, realmente. Começam as obras para terminar até 2025, mas depois têm um atraso de dois anos. Eu compreendo que quando se escava um buraco, nunca se sabe o que se vai encontrar. E estas obras são necessárias. Quando tudo estiver melhor e quando houver linhas do metro a funcionar, as pessoas vão esquecer os problemas causados. Mas, evidentemente, causam alguns prejuízos às pessoas e também a quem tem lojas nessas zonas. Espero que a Metro do Porto seja responsável e indemnize as pessoas pelos danos causados. Mas isso é outro tema. É necessário fazerem-se obras e novas linhas de metro porque a cidade tem crescido e temos de dar resposta a toda a gente. E, para além disso, o Centro Histórico do Porto é dos poucos centros históricos da Europa onde ainda se entra de carro. Temos de pensar na possibilidade de deixarmos de vir de carro e priorizar os transportes públicos.

JPN – Em março, foi divulgado um relatório do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência no qual o Porto aparece como uma das cidades em que o consumo de cocaína mais cresceu. O centro histórico será uma das zonas em que isso também acontece, por vezes na rua e principalmente na zona da Sé. Como se pode lidar com esta realidade e o que se tem feito para combater este problema?

NC – O tema da droga é um tema complicado e que abordo várias vezes no meu canal de Youtube e na Assembleia Municipal. Ainda há pouco tempo disse que a nova lei da descriminalização da droga permite que não haja limites para as pessoas transportarem droga [a Lei n.º 55/2023 define uma quantidade de referência para distinguir o que pode ser considerado para  consumo, mas não impõe um limite fixo]. O que é que isso provoca? Imagine que sou traficante, sento-me no sofá e depois tenho os toxicodependentes a empregados. Eles são casados com a droga. E se digo à polícia que é para consumo próprio, eles não têm como provar o contrário. Isto tem que ser combatido ao nível europeu. Se em Portugal é fácil comprar e transportar droga, eles vêm todos para cá. E nós já vemos a toxicodependência a aumentar. E depois, uma coisa que eu me pergunto: existe alguma informação nas escolas sobre as drogas e o que provocam? Não existe. Não sabem as diferenças entre a dependência de heroína e cocaína, por exemplo. É preciso levar às escolas a informação, porque é nas escolas que se combate a toxicodependência. Claro que também tem de se combater o próprio tráfico, mas se a gente conseguir reduzir os consumidores, reduz-se o tráfico. Mas, sim, nota-se um aumento do consumo de substâncias. Penso que a Europa devia definir diretrizes. Por exemplo, dentro da Área Metropolitana do Porto, o Porto é a única cidade que tem uma sala de consumo assistido. Porque é que outras cidades não o fizeram? Isto faz com que as pessoas migrem para a cidade do Porto, porque é mais fácil, sentem-se mais seguros a consumir. Esta resposta social por vezes não é a melhor. Na minha opinião, o melhor era nem ter criado a sala. Mas ninguém nos acompanhou. Estão a esfregar as mãos e a sacudir para o Porto.

Se em Portugal é fácil comprar e transportar droga, eles vêm todos para cá. E nós já vemos a toxicodependência a aumentar.

JPN – Uma das críticas que também se tem feito ultimamente é a falta de agentes de segurança nas ruas e uma diminuição da perceção de segurança no Porto. Sente que há policiamento suficiente no centro da cidade? Acha que há um clima de insegurança?

NC – Vou ser sincero. Ultimamente, tenho gostado muito da posição das forças policiais. Existe na mesma a falta de recursos e o problema do centralismo. Abre-se um concurso para 1.500 agentes e só concorrem 800. Algo está errado. Talvez seja porque têm de ir para Lisboa viver durante dez anos a ganhar 800 euros ou 900. As pessoas têm que se colocar no lugar dos novos agentes. Porque é que têm que ir para Lisboa? Porque é que alguém que é do Porto e ainda vive com os pais tem de ir para Lisboa? É o centralismo e temos que acabar com isso. Faltam recursos, temos polícias descontentes e esquadras onde os polícias fazem folgas em cima de folgas. Esse é o principal problema. No entanto, neste momento, temos uma polícia que está mais alerta. Penso que houve aqui mudanças. No meu ponto de vista, o Estado desinvestiu na segurança e tudo o que era funcionários do Estado, desde a saúde, à educação e à segurança. Isto vai demorar a repor.

JPN – Mesmo assim acha que o Porto precisa de mais polícias?

NC – Acho que o Porto precisa de mais polícias. Porque acho que a visibilidade da polícia é um fator de dissuasão. Há muita coisa que acontece que, com a presença da polícia, não aconteceria. Por exemplo, as abordagens para venda de droga nas Galerias de Paris, quando se sai à noite. Se estiver lá a polícia, isso não acontece. A Câmara investiu e bem num sistema de vídeovigilância e podemos ver tudo numa sala de controlo. Mas vamos esperar que a cidade continue a ser fantástica e vamos aguardar para ver se o Governo consegue tornar os agentes mais motivados.

JPN – Já que falou na vida noturna, a Câmara Municipal do Porto tem um gabinete dedicado às questões da Movida. A União de Freguesias tem recebido algum tipo de queixas por parte dos residentes?  A resolução destes problemas passa também pela União de Freguesias do Centro Histórico do Porto?

NC – Muitas vezes a proximidade faz com que recebamos algumas queixas, que acabamos por encaminhar para o gabinete da Movida. E as situações têm sido resolvidas e está tudo a funcionar bem. A Polícia Municipal também faz um trabalho bom e está tudo a correr bem.

JPN – Nestas últimas semanas, assistimos à ocorrência de episódios de violência no Porto contra imigrantes, na zona do Bonfim. Como é que olha para estes acontecimentos?

NC – Fiquei admirado que ninguém tenha perguntado às vítimas o que faziam em Portugal e se trabalhavam. Porque se trabalhar é imigrante, se não trabalhar… de onde vem o dinheiro? E eu tenho muitos relatos de pessoas que são abordadas na rua para serem assaltadas. A minha mulher é imigrante e tudo o que vem para trabalhar é muito bem-vindo. Sou muito a favor da imigração, uma vez que somos também um país de emigrantes. Mas temos de ter a noção de que há pessoas que fazem maldades. Eu deixo isso para as autoridades, mas acredito que não tenha sido um ato de racismo, de ódio. Penso que foi um ajuste de contas de alguém que foi roubado.

O combate à droga, ao isolamento de idosos e ao sedentarismo são alguns dos principais objetivos do seu mandato.  Foto: João Jesus/JPN

JPN – Então foi um caso isolado?

NC – Eu acho que sim, acho que foi um caso isolado. Foi alguém que foi assaltado e que soube que eles moravam ali. Agora, nós temos que ver isto como um aviso e temos falado com as autoridades, que têm estado alerta. Temos de encontrar o meio-termo e defender estas pessoas. Mas eu não acredito em racismo, não acredito mesmo. Os portuenses são recetivos a estas pessoas. Não há ninguém que não tenha um emigrante na família. E todos gostam que os seus familiares sejam recebidos de braços abertos nos países onde vivem. Então, é a mesma situação, também gostamos de receber bem. Mas temos que tentar perceber, por parte das autoridades, o que é que se passou ali. As pessoas que foram vítimas trabalham? Eu tenho relatos de outras situações, mas deixo essa parte para as autoridades.

JPN – Existem dados sobre quantos imigrantes residem nesta zona no Centro Histórico do Porto?

NC – Não, não tenho números ao certo.

JPN – Depois dos episódios de violência, falou-se muito de imigração, de violência, de insegurança. Mas as estatísticas oficiais mostram que não há uma relação entre o aumento da imigração e o da criminalidade. Porque é que as pessoas fazem esta associação?

NC – As pessoas esquecem-se que temos muitos portugueses que também andam a roubar. E, quanto maior for a quantidade de gente na cidade, independentemente da sua nacionalidade, a percentagem de crime tem tendência para subir. E, também, antes havia muita falta de mão de obra e começou a entrar muita gente na cidade. Agora, os empregos começam a escassear e as pessoas precisam de comer. Tem que haver um maior controlo e mais regras, isso está a falhar. Nós mudamos as regras para obter atestados de residência [necessários para pedido de visto e de autorização de residência]. Agora, uma das testemunhas tem que ser o proprietário ou arrendatário da casa. Muitas vezes, o que acontecia era que vinham duas pessoas, às vezes um sem-abrigo, que a troco de 20 euros diziam que alguém morava ali. Depois íamos a confirmar e era mentira. Tivemos de impor essa regra. E quando vemos casas onde moram dez ou vinte pessoas, encaminhamos para a Autoridade Tributária e para o Ministério Público.

JPN – O que é que ainda lhe falta fazer até ao final do mandato?

NC – Falta fazer muita coisa. Quero recuperar os dois prédios que me propus recuperar, continuar com a Gala do Desporto, os passeios com os idosos, continuar a promover o desporto na União de Freguesias, apoiar os ATL. Tínhamos 48 meninos nos ATL e agora, que abrimos mais dois, já temos cem. Queremos continuar a apoiar as famílias e a promover a boa vivência. Algo que às vezes passa despercebido às pessoas é a atitude política que um presidente de junta tem e a importância do que diz à comunicação social, sem medo de ferir suscetibilidades. É como defende a sua população. Essa é a parte mais importante, as mensagens políticas que um presidente de junta pode transmitir.

Editado por Filipa Silva