A ex-líder do Bloco de Esquerda voltou à política para ser, pela primeira vez, candidata do Bloco de Esquerda ao Parlamento Europeu. Em entrevista ao JPN, falou sobre clima, emprego, habitação, imigração e defesa.
Natural do Porto, onde nasceu em 1973, Catarina Martins foi líder do Bloco de Esquerda (BE) entre 2012 e 2023. Agora, a ex-coordenadora do Bloco é a cabeça de lista às eleições europeias pelo partido que, em 2019, ficou em terceiro lugar, com 9,82% dos votos, e elegeu dois eurodeputados.
Em entrevista ao JPN, Catarina Martins diz que aceitou o convite para colocar a sua “experiência” ao serviço da Europa, num momento “bastante difícil”. “Há uma onda ultraconservadora na Europa. O crescimento da extrema-direita é um dos sintomas, mas não é o único”, referiu.
O Bloco assume o clima como uma prioridade. Catarina Martins defende que essa área seja aproveitada para criar postos de trabalho, emprego esse que, por sua vez, concorra para mudar a forma de produção de energia, a mobilidade ou a adaptação do território.
Já sobre a habitação, Catarina Martins considera que a União Europeia (UE) precisa de mudar as regras fiscais “para que o investimento seja feito mais em setores produtivos e menos em especulação imobiliária.”
A ex-líder bloquista referiu, ainda, que a União Europeia tem que ter melhores políticas de integração e que deve pensar a sua defesa “com autonomia estratégica face aos Estados Unidos”.
JPN – Foi coordenadora do Bloco de Esquerda durante 14 anos. O que é que a levou a aceitar o convite para ser cabeça de lista do BE às Europeias?
Catarina Martins (CM) – Estamos a viver um momento na Europa bastante difícil e reconheço que, por um lado, o meu conhecimento da realidade portuguesa e dos debates que estão a ser tidos e, por outro lado, a minha experiência também europeia e nacional de criação de alianças, que são necessárias neste momento na Europa, nomeadamente para combater a extrema-direita, mas não só, pode ajudar neste mandato europeu.
Estamos a viver um momento na Europa bastante difícil.
JPN – No vosso manifesto, o Clima é a prioridade. Neste campo, referem que querem criar dez milhões de empregos até 2030. Que empregos são esses e como é que eles se criam, num número tão elevado como este?
CM – Dez milhões de empregos para o clima não só em Portugal, mas num espaço europeu. Isto baseia-se em estudos que foram feitos por organizações climáticas sobre o que precisamos para mudar a forma de produção de energia, mudar a mobilidade, fazer transformações na produção industrial, na produção agrícola e adaptação do território. Porque a questão climática existe. Temos de diminuir a quantidade de energia que consumimos e precisamos de muita adaptação para o território ficar mais seguro, para evitar incêndios, para as cidades estarem mais preparadas para as cheias.
A Europa, se investir nestas áreas, pode criar dez milhões de empregos qualificados até ao final do próximo mandato, porque, na verdade, vão absorver algum do emprego que hoje há em áreas que não têm tanto interesse. Isto é particularmente importante em Portugal que é um país que tem gerações jovens muito mais qualificadas, mas que tem uma economia baseada em baixos salários e pouco qualificada, como o turismo, por exemplo.
JPN – Mas falamos de quais empregos, em concreto?
CM – Existem imensos projetos, que são pontuais e que podiam ser projectos globais do território. Por exemplo, as pessoas que temos agora ligadas à biologia, mas não só, que estão a investir em projetos de biodiversidade, na agricultura, na floresta. Precisamos que este tipo de conhecimento seja alargado para proteger o território.
Pensar, por exemplo, neste projeto que é fundamental, que é tornar os edifícios públicos eficientes, com produção solar descentralizada nos edifícios. Isto gera muito emprego, tanto do ponto de vista da produção de energia como do ponto de vista até das obras públicas. Ou criar eficiência energética nas casas para que consumam menos energia e também para que as pessoas, que não têm dinheiro para consumir energia, não tenham casas tão quentes no verão e tão frias no inverno. Tudo isto cria empregos em áreas muito diferentes.
Ou, também, a aposta na mobilidade. Não podemos achar que a mobilidade do futuro é termos todos carros elétricos individuais. Precisamos de transportes coletivos e há zonas do território que, pura e simplesmente, nem sequer têm oferta de transporte coletivo.
São imensas as competências diferentes que Portugal tem e que, neste momento, não está a ser capaz de mobilizar, das engenharias à arquitetura. Há aqui tanto conhecimento para mobilizar e que, infelizmente, Portugal tem desperdiçado.
As regras fiscais da União Europeia, que permitem aos países uma corrida para baixo dos impostos, em questões financeiras, em questões de imobiliário, devem mudar para que o investimento seja feito mais em setores produtivos e menos em especulação imobiliária.
JPN – No manifesto referem que querem que a habitação seja um direito fundamental e não um ativo financeiro. Como é que isto se concretiza? O que é que a Europa não está a fazer?
CM – Depois da crise financeira internacional, muitos dos investimentos em ativos passaram a ser no imobiliário. O imobiliário passou a ser mais atraente do que, por exemplo, o investimento em setores produtivos da economia. Portanto, há todo um sistema fiscal da própria União Europeia que permite que seja mais vantajoso investir em imóveis – mesmo que eles fiquem vazios, sem ninguém lá dentro – do que investir, por exemplo, em energias renováveis, construir habitação ou investir numa floresta mais resiliente.
O que nós dizemos é que as regras fiscais da União Europeia, que permitem aos países uma corrida para baixo dos impostos, em questões financeiras, em questões de imobiliário, devem mudar para que o investimento seja feito mais em setores produtivos e menos em especulação imobiliária.
Depois, também há regras de mercado que os países devem poder fazer para proteger a sua habitação. Portugal devia negociar, em termos europeus, não permitir a compra de casa a pessoas que não residem em Portugal. Ou seja, as pessoas que residem em Portugal, seja qual for a sua nacionalidade, devem ter todo o direito a comprar uma casa em Portugal. As pessoas que saíram de Portugal para emigrar, mas que mantêm um sonho de vida em Portugal e que querem construir um futuro em Portugal, também devem poder comprar. Agora, quem não vive em Portugal, não quer viver em Portugal, não tem nenhuma ligação ao país, não pode comprar quarteirões inteiros, porque é um ativo financeiro, quando nem sequer lá vai viver. Isto não tem nenhum sentido e está a pôr os preços da habitação estratosféricos.
Há outra parte de medidas que propomos que tem a ver com a política de juros do Banco Central Europeu (BCE). As pessoas compraram casas muito mais caras do que deviam por causa da especulação imobiliária e puderam fazê-lo usando as taxas variáveis, na altura em que os juros estavam baixos. O BCE decidiu subir as taxas de juro, os bancos vão atrás e as famílias vêem a sua prestação da casa a duplicar. Há imensa gente com muita dificuldade. Achamos que o BCE deve ser responsabilizado democraticamente pelas decisões que toma, que são tão penalizadoras para boa parte da população europeia, até porque elas não criam qualquer outro benefício. Pura e simplesmente, retiram rendimento das famílias e entregam-nas ao nosso sistema financeiro.
JPN – Como é que se faz com que as habitações cumpram o seu propósito e não se tornem apenas esse investimento?
CM – Há regras nacionais que têm de ser usadas. Ou seja, temos que pôr limites ao Alojamento Local, à quantidade de hotéis. Em Portugal, há muita construção, só que não é para a habitação.
Temos um mercado de vistos gold, que agora foram proibidos e é bom que se mantenham assim. Temos regimes fiscais que beneficiam não residentes, que têm salários mais altos, pagam menos impostos, vêm comprar casas mais caras. Portanto, temos um setor de construção de luxo para vistos gold e para não residentes.
Temos depois muita construção para o turismo, muito imobiliário a ser hotel, hostel ou Alojamento Local e isso está a fazer uma pressão que tira muitas casas do mercado da habitação. Portugal pode e deve ter turismo; agora, tudo tem que ter a sua conta e medida.
Portugal devia negociar, em termos europeus, não permitir a compra de casa a pessoas que não residem em Portugal.
JPN – Em todo o manifesto do BE, a palavra “jovens” aparece apenas uma vez. Os jovens não foram esquecidos? Que medidas concretas têm para eles?
CM – Quando falamos, por exemplo, da habitação, ela é uma preocupação central, quando as gerações mais jovens são as mais prejudicadas. As gerações mais jovens são aquelas que não conseguem sair de casa dos pais ou não conseguem ter uma casa própria, têm que partilhar apartamentos como se fossem eternamente estudantes, nunca podem começar uma vida autónoma com uma família sua. Ou vêem-se mesmo obrigados a emigrar, porque têm um baixo salário com preços de habitação exorbitantes. Portanto, tanto as medidas que têm a ver com o emprego qualificado, como as medidas que têm a ver com o acesso à habitação, são sobretudo medidas com enorme impacto nos mais jovens.
Mas, para nós, é muito importante o campo dos direitos e da luta contra o conservadorismo. Há uma onda ultraconservadora na Europa. O crescimento da extrema-direita é um dos sintomas, mas não é o único. Temos os partidos do chamado centro e os partidos da direita tradicional, cada vez com agendas mais chegadas à extrema-direita, que fazem um ataque brutal aos direitos, nomeadamente aos direitos das mulheres, das pessoas LGBTQIA+, das pessoas racializadas. As jovens gerações são as que crescem e gostam de uma Europa que é diversa e que querem viver as conquistas de direitos que foram feitas ao longo destes anos. Não acredito que alguma mulher jovem aceite voltar para trás.
Quando vemos, por exemplo, partidos, como o PSD e o CDS, que votaram contra a integração do direito à interrupção voluntária da gravidez na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que sinal é que estão a dar às mulheres no futuro sobre os seus direitos? Quando vemos, por exemplo, o Governo alemão, que tem partidos da família dos socialistas, dos verdes, dos liberais, a aprovar regras de deportação de imigrantes ou a vender armas a Netanyahu, que está a assassinar crianças em Gaza, que sinal é que dá às jovens gerações sobre o valor que damos à vida? Portanto, acho que é a luta das nossas vidas. É uma luta que é importante para todas as gerações, mas sei que é particularmente importante para as gerações mais jovens, porque são aquelas que sabem que a Europa é feita dessa diversidade.
É preciso perceber que a União Europeia está a pagar a ditadores como Erdogan na Turquia, ou à guarda costeira Líbia para agarrar os migrantes que tentam chegar à Europa e os levarem para autênticos campos de concentração.
JPN – Nas propostas do BE para as eleições europeias, dizem querer uma política de migrações diferente daquela que existe agora na União Europeia. Por onde é que começa essa mudança?
CM – É preciso perceber que a União Europeia está a pagar a ditadores como Erdogan na Turquia, ou à guarda costeira Líbia para agarrar os migrantes que tentam chegar à Europa e os levarem para autênticos campos de concentração, onde muitas vezes são utilizados pelas máfias de trabalho escravo que operam em todo o lado, incluindo na Europa.
A União Europeia tem de parar de fazer isto. A União Europeia tem de levar a sério os direitos humanos e o direito internacional. O Mediterrâneo já é a fronteira mais mortífera do mundo. Em vez de usar este dinheiro para alimentar os senhores da guerra, usar para a Europa criar canais de entrada seguros para quem a procura. As pessoas têm direito a políticas de integração, que têm a ver com o acesso à aprendizagem da língua – o português, no caso de Portugal -, as questões da habitação, as questões do emprego.
Se as pessoas ficam nas mãos das máfias internacionais e não têm direitos, depois ficam sujeitas a todo o tipo de exploração, desde a exploração da empresa que as emprega, que lhes paga ao dia, que não lhes dá direitos, à exploração dos senhorios que é capaz de cobrar um balúrdio por uma cama num beliche, numa casa lotada. Isto é um atentado não só às pessoas que chegam a Portugal, como é um atentado aos direitos de quem já cá está, porque baixa os direitos de toda a gente. E, portanto, a Europa tem de parar de gastar milhares de milhões de euros onde não deve e, pelo contrário, investir em políticas de integração, porque isso é que é o fundamental.
JPN – Em janeiro de 2023, tinham entrado na Europa mais 3,5 milhões de imigrantes do que no ano anterior. Isto não significa que a Europa está, efetivamente, a acolher mais pessoas?
CM – Muitas das pessoas que entraram na União Europeia entraram também por causa da guerra da Ucrânia. A União Europeia recebeu oito milhões de pessoas, que fugiram da guerra da Ucrânia. Agora, receber mais pessoas não é um problema na Europa. A Europa precisa de pessoas. Nós não temos pessoas suficientes para trabalhar nos mais variados setores da nossa economia.
Imagine o que seriam os nossos lares, se não houvesse trabalhadores imigrantes, ou as nossas fábricas. Não é possível. E não há nenhum drama nisso. O drama ocorre, porque, quando não se recebe como deve ser, criam-se tensões e problemas.
JPN – A União Europeia não tem integrado bem as pessoas?
CM – Ninguém achou que fosse um problema receber oito milhões de pessoas da Ucrânia. Porquê? Porque a Europa se mobilizou para integrar. Portanto, a questão nunca está nas pessoas chegarem, está em quanto é que nos mobilizamos para integrar. Atualmente, isso não é bem feito. As pessoas não têm acesso à língua. As pessoas entram legalmente, mas depois ficam meses à espera de um papel que regularize a sua situação e, como não têm papel que regularize a sua situação, ficam à mercê de senhorios que não lhes passam o contrato de arrendamento e que amontoam as pessoas; ficam à mercê de máfias que põem trabalhadores aqui ou acolá e ficam com parte do salário.
Estive no outro dia no Fundão, eles têm um projeto de acolhimento extraordinário. Uma das coisas que a técnica me contava era o seguinte: há pessoas que imigram para cá de países onde não há contratos de trabalho, nem há Estado social. Nunca tiveram um contrato de trabalho na vida e, portanto, as pessoas nem sequer sabem que há salário mínimo em Portugal, que há um número máximo de horas que podem trabalhar. Houve uma pessoa que partiu um braço e não sabia que podia ir ao hospital tratar-se. Ou seja, a integração não está a ser feita e é fundamental que o seja para que corra bem.
JPN – O facto de o BE defender uma política de portas abertas pode afastar algum eleitorado?
CM – Só há um tipo de portas abertas na Europa, são os vistos gold. Não importa o que as pessoas fizeram, de onde é que vem o seu dinheiro, como têm muito dinheiro, podem entrar de qualquer forma. A única porta aberta que existe é esta; de resto, as pessoas que entram têm obrigações de registo criminal, de cadastro, de terem a possibilidade de terem trabalho, meios de subsistência, têm de descontar para a Segurança Social para conseguirem ter uma autorização de residência.
Portas abertas não existem. Não podemos ter debates sobre a imigração com base nas mentiras que a extrema-direita inventa para dividir as pessoas entre nós e os outros e para criar medo.
Vou dar um exemplo: nos anos 70, certo, saiu muita gente de Portugal, não é? E entrou nos outros países da Europa – não só da Europa, mas sobretudo da Europa -, e as fronteiras estavam fechadas. Qual é a diferença entre as chamadas fronteiras fechadas ou as fronteiras que acolhem? É que as fronteiras que acolhem fazem com que as pessoas que se movimentem entre um país e o outro, saibam os seus direitos e não tenham medo de ir ao serviço público regularizar a sua situação. Quando as fronteiras estão fechadas, as pessoas estão numa situação de ilegalidade no país. Quando as pessoas estão numa situação irregular no país, ficam à mercê de todas as máfias.
Donald Trump quis construir um muro com o México, mas a ideia de que as fronteiras fechadas param a imigração é uma mentira absoluta. A única coisa que as fronteiras fechadas fazem é tirar direitos às pessoas imigrantes.
Radical é acharmos normal termos em Portugal pessoas a trabalharem 15 horas por dia por 400 euros. Moderado é dizer que se precisamos de trabalhadores de outros países, eles são muito bem-vindos, mas devem trabalhar tantas horas como trabalha qualquer pessoa nascida cá e com os mesmos salários. Porque é assim que nós os respeitamos. Como é que pode ser radical a defender isto?
Portas abertas não existem. Não podemos ter debates sobre a imigração com base nas mentiras que a extrema-direita inventa para dividir as pessoas entre nós e os outros e para criar medo.
JPN – No manifesto defendem um desarmamento global e um controlo de armas nucleares. Sem reforçar o orçamento da Defesa e sem o contributo da NATO, como é que se assegura a defesa da Europa?
CM – A Europa gasta cinco vezes mais do que a Rússia em defesa, em percentagem do PIB gasta mais do que a China. A União Europeia é um dos espaços mais ricos do mundo e, portanto, gasta bastante. Há duas potências nucleares na Europa: uma, o Reino Unido, que está fora da União Europeia; a outra, França, que está dentro da União Europeia.
A ideia de que a União Europeia não trata da sua defesa é uma ideia que vem de dois sítios. Vem de Donald Trump, que, aliás, é um aliado de Vladimir Putin e faz tudo para tentar humilhar e condicionar a Europa. Não devemos achar que a mentira de Donald Trump deve condicionar as nossas escolhas.
Já existe há muitos anos uma pressão da indústria de armamento, nomeadamente da indústria de armamento francesa e alemã, que sempre quiseram desviar dinheiro que a União Europeia usa para a coesão, que tem a ver com a educação, com a ciência, com o território, com uma série de coisas. Desviar para financiar a indústria de armamento é errado, sempre foi combatido e agora estão a usar a desculpa da Ucrânia para dizerem o mesmo que sempre disseram. Ainda por cima é particularmente perigoso, porque lembro que, por exemplo, a indústria de armamento alemã está a mandar armas para Netanyahu estar a fazer um genocídio em Gaza. Portanto, acho que não queremos tirar dinheiro à nossa ciência ou educação para colocar mais armas na mão de Netanyahu, não é?
O que é devemos pensar, então? Devemos pensar em qual é a estratégia que a União Europeia quer ter para a sua defesa e para a paz. Aqui, é muito importante que a União Europeia possa ganhar credibilidade internacional.
Os dois pesos e duas medidas que se vê na União Europeia são, por um lado, o bem que faz quando apoia a Ucrânia, e o mau que faz quando deixa acontecer um genocídio em Gaza. Isso tira-nos credibilidade internacional como parceiros internacionais e mediadores de conflitos. Portanto, a União Europeia tem de acabar com este cinismo e reganhar alguma credibilidade internacional para poder ser um agente de paz no mundo.
Tem também de pensar na sua defesa, o que é que precisa no atual período, com autonomia estratégica face aos Estados Unidos, porque os EUA não têm os mesmos interesses que a União Europeia. Até estão em conflito muitas vezes, e se Donald Trump ganhar as eleições, o cenário só piora.
Precisa, também, de repensar, tendo em conta as alterações óbvias que vamos ter nas nossas políticas de segurança, porque os efeitos das alterações climáticas estão aqui. Nós em Portugal já precisamos das Forças Armadas, por exemplo, nos incêndios e, na verdade, temos que repensar o seu papel, porque a defesa e a segurança das populações é hoje uma coisa muito vasta, que abrange também os fenómenos climáticos extremos.
JPN – Qual é a vossa opinião sobre o papel da NATO na defesa?
CM – Não dá nenhum contributo. A NATO são vários países. Quer dizer, a NATO não tem um orçamento próprio, são os vários países que fazem o orçamento da NATO. A NATO não tem um exército próprio. São os vários países que contribuem, todos europeus.
A Europa tem toda bastante capacidade. Acho é que não tem muito sentido a Europa também se fechar unicamente sobre si própria. A União Europeia deve ser capaz de fazer alianças mais vastas. Ninguém acha que seja normal pensar-se numa estratégia para a Europa que exclui, por exemplo, o Reino Unido. Não tem nenhum sentido.
Agora existe uma organização que é muito importante, que é a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, que podia ser um mecanismo alterado. A Rússia foi suspensa dessa organização. Os Estados Unidos também poderiam ser suspensos dessa organização e, a partir daí, julgo que a Europa poderia criar autonomia estratégica para tentar a paz no seu próprio território. Isso era muito importante.
JPN – No manifesto fazem referência à neutralidade ativa. O que é isso?
CM – A Constituição Portuguesa diz que Portugal deve empenhar-se no fim de todos os blocos político-militares. O que resta no mundo do bloco político-militar, neste momento, é a NATO, e a nossa Constituição diz que Portugal deve pensar numa alternativa.
Ninguém acha que há uma alternativa de hoje para amanhã. Mas é preciso fazer o percurso, não é? E a política de neutralidade ativa é aquela que se opõe a todas as tentativas imperialistas e respeita todos os povos.
É aquela que diz que não podemos aceitar a invasão da Rússia à Ucrânia. Mas também não podemos aceitar que os Estados Unidos achem que devem mandar nas opções estratégicas da União Europeia. É preciso neutralidade em relação a esse tipo de disputas imperiais para garantir que todos os povos sejam respeitados com o seu espaço.
Era muito importante que, em Portugal, uma política claramente feminista, ecologista, defensora da paz e do progresso, ficasse à frente de uma força de extrema-direita.
JPN – Qual é o objetivo eleitoral que o Bloco de Esquerda tem para estas eleições?
CM – O Bloco de Esquerda luta pelo melhor resultado que puder e as pessoas que vão votar é que escolhem. Era muito importante que, em Portugal, uma política claramente feminista, ecologista, defensora da paz e do progresso, ficasse à frente de uma força de extrema-direita. Essa força, que é pela paz, pelo clima, feminista, que quer direitos largos, é o Bloco de Esquerda.
JPN – Nas últimas sondagens do Parlamento, o grupo parlamentar The Left, onde o BE se insere, era o que tinha menor representatividade. O que é que isto pode significar sobre o resultados das eleições?
CM – Já houve sondagens que dizem que o grupo da esquerda pode crescer e se fazer importante. O Bloco de Esquerda quer fazer parte desse crescimento. Como sabe, há grupos que estão a crescer, como a extrema-direita, e nós queremos um mundo em que as pessoas sejam respeitadas. Achamos que a conquista da igualdade para as pessoas LGBTQIA + foi tão importante para o Bloco de Esquerda que não abrimos mão disso, somos antirracistas. Isso, para nós, é mesmo muito importante, é a luta das nossas vidas. Veremos. O grupo dos Verdes, em princípio, as sondagens dizem que vai descer bastante. A esquerda está a despertar, há algum crescimento. Queremos fazer parte desse crescimento precisamente porque a política do ódio não pode valer. Queremos uma política de futuro, de esperança na Europa.
Editado por Inês Pinto Pereira e Filipa Silva