Sandra Pereira concorre para a reeleição pela CDU nas Eleições Europeias. Em entrevista ao JPN, a número dois da lista garante que o partido não defende a saída nem da União nem do Euro, mas critica o projeto europeu. Salários, trabalho, guerra e migrações dominaram a conversa.
Eleita pela primeira vez para o Parlamento Europeu em 2019, Sandra Pereira, de 47 anos, volta a ser aposta da CDU e é a segunda na lista da coligação que junta o PCP e Os Verdes para as Eleições Europeias do próximo dia 9.
Nesta entrevista ao JPN, reiterou a visão crítica que a CDU tem do projeto europeu: “O projeto de integração é um projeto desigual, onde os países não têm todos o mesmo peso, e, por isso, as desigualdades acentuaram-se ainda mais”. Quanto à moeda única, também insiste: o melhor é planear a saída.
Em matéria laboral, a coligação critica a legislação europeia que, segundo a eurodeputada, “nivela por baixo as condições de vida dos trabalhadores”, justificando o voto da CDU contra a diretiva do salário mínimo.
Em relação à guerra na Ucrânia, a candidata diz que “é preciso sentar à mesa todas as partes e chegar numa solução política para o conflito”.
Quanto à forma como a Europa está a lidar com as migrações, a eurodeputada condenou as políticas europeias que criminalizam migrantes e refugiados, clamando pelo respeito pelos direitos humanos dessas pessoas.
Depois de ter obtido 6,88% nas últimas Europeias, que lhe valeu a eleição de dois eurodeputados, Sandra Pereira considera que um bom resultado seria “um reforço dos votos na CDU”.
JPN – Foi eleita em 2019 como eurodeputada. Que balanço faz dos últimos cinco anos? Como foi essa experiência?
Sandra Pereira (SP) – Assumi responsabilidades nas comissões do Emprego e dos Assuntos Sociais, onde fui vice-presidente durante a primeira parte do mandato. Também participei nas comissões dos Direitos das Mulheres e da Igualdade de Género e fiquei como suplente nas comissões da Indústria, Investigação e Energia e da Agricultura. Outro deputado do PCP, João Pimenta Lopes, ficou nas comissões das Pescas, do Ambiente e dos Transportes e Turismo, que são prioritárias para nós.
A escolha destas comissões reflete as nossas prioridades de intervenção. No entanto, também atuamos em outras comissões quando necessário. Tivemos vários relatórios importantes, destacando dois da minha área: um sobre os direitos dos pais e das crianças, afirmando que os direitos das crianças estão ligados aos dos pais e que é importante valorizar os salários, regular os horários e reforçar os serviços públicos para um desenvolvimento integral das crianças. O outro relatório foi sobre a igualdade entre homens e mulheres na União Europeia, destacando a emancipação da mulher através do trabalho, melhores salários, combate à precariedade e a importância de serviços públicos como a escola e o Serviço Nacional de Saúde na promoção da igualdade de género.
JPN – Considera então o balanço positivo?
SP – Sim. Se tivermos dois deputados e trabalharmos sempre com esta ligação à realidade nacional, dando voz àquilo que são os problemas da juventude, das mulheres, dos reformados e das crianças no Parlamento Europeu, creio que o balanço do nosso trabalho é altamente positivo.
Muitas vezes há duas mensagens que querem passar: que nós queremos sair do euro e que nós queremos sair da União Europeia. Não dizemos isso em lado nenhum.
JPN – No preâmbulo do vosso programa eleitoral deixam claro que a entrada de Portugal na CEE (atual União Europeia) constituiu um passo negativo para o país. Por que razão essa é a visão da CDU?
SP – A União Europeia não é o projeto de integração em que todos os países são iguais. É um projeto onde há grandes potências, como a Alemanha e a França, que têm um poder que países como Portugal não têm. O projeto de integração é um projeto desigual, onde os países não têm todos o mesmo peso, e, por isso, as desigualdades acentuaram-se ainda mais.
Vou dar três exemplos. A nossa indústria. Antes da integração na União Europeia, tínhamos a capacidade de produzir comboios e barcos. Tínhamos um sistema produtivo que, de facto, criava empregos, e isso perdeu-se. Portanto, aquilo que deixamos de produzir, passámos a comprar em outros países, tornando-nos mais dependentes.
Na agricultura é a mesma coisa. Nós tínhamos capacidade de produzir uma série de alimentos, como, por exemplo, cereais e batatas, que deixamos de produzir e, portanto, isso tornou-nos mais dependentes. Passamos de um modelo de agricultura familiar, um modelo de pequena e média agricultura, para uma agricultura super e mega intensiva, que torna os alimentos em mercadorias. A verdade é que deveríamos estar mais a pensar naquilo que é a nossa alimentação, a nossa soberania alimentar, em vez de estarmos preocupados com este sistema produtivo hiper intensivo, que de facto produz muito, mas que não dá resposta àquilo que são as necessidades do nosso país.
A mesma questão relativamente às pescas. A nossa frota pesqueira também foi reduzida. Temos todo o mar que temos e, na verdade, muitas vezes compramos peixe de países da União Europeia que, se calhar, até vêm pescar esse peixe no nosso mar.
Este tipo de integração deixou o nosso país muito mais dependente de outros países e com o setor produtivo a definhar, o que nos leva a dizer que, de facto, este projeto de integração não vai ao encontro daquilo que são as necessidades do desenvolvimento do nosso país.
JPN – A CDU deixa claro também que o país precisa de se libertar do condicionamento do euro. Porquê?
SP – Muitas vezes há duas mensagens que querem passar: que nós queremos sair do euro e que nós queremos sair da União Europeia. Nós não dizemos isso em lado nenhum. O que nós dizemos é que devemos estar preparados para a saída do euro.
O que é que isso significa? Significa que, por exemplo, durante o período da troika, há dez anos, houve ministros que disseram que se calhar Portugal e a Grécia teriam de sair do euro. Ora, nós temos de estar preparados para esta eventualidade de nos empurrarem para a saída do euro, ou do euro deixar de existir, ou do próprio país se querer libertar do euro.
E aquilo que nós dizemos é que essa preparação se faz pondo o país a produzir. Porque se nós tivermos um aparelho produtivo forte, se nos ameaçarem com a saída do euro, a questão já tem outro impacto.
Não dizemos que, neste momento, devemos sair do euro. Aquilo que nós dizemos é que devemos estar preparados, porque, seja por ameaça ou chantagem, como já aconteceu no passado, seja porque o euro pode acabar, seja porque o próprio país pode sentir essa necessidade, temos de estar preparados para isso.
JPN – Em termos práticos, como isso seria possível? Em quanto tempo?
SP – Não tenho essa noção. Aquilo que nós achamos é que, de facto, tem de haver uma preparação e essa preparação tem de ser pensada. Até porque nós não nos podemos esquecer de que existem países na União Europeia que não estão no euro e nunca quiseram estar.
JPN – Trabalhou nas temáticas dos direitos sociais e laborais, o documento de compromisso da CDU tem vários pontos sobre essas questões. Na visão da CDU, a União Europeia tem colaborado positivamente para o avanço desses direitos sociais e laborais?
SP – A nossa posição é que, de facto, aquilo que vem das instituições europeias muitas vezes é um nivelamento por baixo das condições de vida dos trabalhadores e dos seus salários.
Posso dar-lhe um exemplo que foi uma diretiva que foi aprovada durante este mandato, que é a diretiva do salário mínimo. O PCP foi o único partido português a votar contra. A propaganda que passa é que vai haver um sentido de convergência [dos salários] dos países onde estes são mais baixos para salários mais altos, e não é isso que a diretiva faz.
A diretiva não vai aproximar o salário mínimo português do salário mínimo do Luxemburgo. A diretiva elencou alguns critérios, entre eles, o de 60% da mediana do salário bruto e 50% do salário médio. Outro critério é o limiar da pobreza. Significa que o salário mínimo seria estabelecido com o critério do limiar da pobreza, com o qual nós não podemos concordar. O salário mínimo em Portugal já está acima destes dois critérios. Ora, quando as negociações acabaram, o ministro do Trabalho esfregou as mãos dizendo que nós já estávamos acima destes indicadores, portanto, esta diretiva não iria afetar o salário mínimo em Portugal. E a própria confederação do grande patronato também esfregou as mãos.
Isto significa que esta diretiva, no nosso país, pode ser um instrumento muito perigoso para conter a subida dos salários. E significa aceitar que em Portugal se vive bem com o atual salário mínimo nacional. Os trabalhadores que ganham o salário mínimo em Portugal sabem que, apesar do salário mínimo no país estar acima desses critérios, não se vive bem com o que se ganha. Portanto, aqueles critérios, aquela diretiva não serve o salário mínimo em Portugal.
Nós nunca poderíamos aceitar isso, até porque a proposta do PCP é que o salário mínimo suba para mil euros, porque achamos que é o mínimo com que se pode viver com dignidade.
JPN – Então, o balanço sobre o contributo da União Europeia para avanços neste campo não é positivo, certo?
SP – Certo. Podemos também falar da própria questão do aumento da idade da reforma. Portugal é o décimo país do mundo onde a idade da reforma é mais alta. E vemos, por exemplo, as lutas que se fizeram em França, onde a idade da reforma era 62 anos e em vez de a nossa idade da reforma se aproximar da francesa, aquilo que se tenta impor é que seja a França a aumentar a sua idade de reforma. Nós estamos no século XXI. A ciência e a técnica já avançaram tanto que não faz sentido estes ritmos frenéticos de trabalho… Em Portugal, há pessoas que têm dois empregos porque os salários são muito baixos.
Tem que haver uma justiça fiscal que taxe os lucros dos grandes grupos económicos e que eles sejam depois revertidos a favor dos trabalhadores.
JPN – Então, em concreto, para melhorar as condições sociais e laborais, o que pode ser feito pelo Parlamento Europeu?
SP – Nós consideramos que, de facto, há políticas que são dos Estados. E a questão do trabalho é, em grande parte, uma questão de cada país. Mas a verdade é que depois elas são condicionadas pelas questões orçamentais. Aquilo que nós defendemos é um pacto social pelo progresso dos trabalhadores, e que haja um verdadeiro combate à precariedade, por exemplo, que cada posto de trabalho permanente corresponda a um vínculo de trabalho permanente.
Outro ponto é a valorização dos salários. Vemos que cada vez mais a riqueza está mais mal distribuída e, portanto, os grandes grupos económicos a ter lucros astronómicos, enquanto os trabalhadores vivem cada vez com mais dificuldades. Portanto, também aqui tem que haver uma justiça fiscal que taxe os lucros dos grandes grupos económicos e que eles sejam depois revertidos a favor dos trabalhadores.
E também é preciso um reforço dos serviços públicos que também têm impacto na vida dos trabalhadores, mas que muitas vezes têm condicionantes orçamentais da própria União Europeia. Mas foram agora revistas as regras da governação económica e aquilo que já vinha de trás da ditadura do défice e da dívida, agora acresce também a ditadura da despesa pública, o que pode condicionar os Estados no tipo de investimentos que podem fazer nos serviços públicos. São alguns aspetos.
JPN – Ainda no plano do trabalho, o que é o Pacto de Progresso Social e pelo Emprego na União Europeia, e como pretendem implementar isso, considerando a diversidade de interesses e políticas dos diferentes países membros?
SP – Tocou num aspeto que é importante: os interesses. Há interesses antagónicos na União Europeia, e se nós formos ver de que lado é que as políticas estão, estão sempre do lado das empresas, das multinacionais e não tanto do lado dos trabalhadores. É por isso que nós insistimos que aquilo que é preciso é a elaboração deste Pacto de Progresso Social e Pelo Emprego, porque é este pacto que valoriza os trabalhadores e permite a elevação das suas condições de vida e não as políticas que aquilo que fazem é beneficiar os grandes grupos económicos.
Esse pacto dá direitos laborais aos trabalhadores, isso é fundamental no combate à precariedade, visando a sua erradicação. Também defende a contratação coletiva, ou seja, que haja cada vez mais trabalhadores abrangidos pela contratação coletiva, porque só isso os pode defender e torná-los mais fortes.
A própria questão do pleno emprego, se nós pensarmos que no mandato anterior houve o plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que já não fala em pleno emprego, fala apenas de uma taxa de emprego na ordem dos 70 e tal por cento. Portanto, não se fala mais do pleno emprego quando há condições para isso.
Se nós reduzirmos, por exemplo, o horário laboral semanal, estamos a criar emprego. Isto é uma forma também de distribuir mais justamente a riqueza criada.
JPN – Sobre a redução do horário laboral semanal, essa redução aconteceria sem perda de salário? Como é que seria feito?
SP – Isto já foi feito ao contrário. Vou dar um exemplo, na altura da troika havia muitos trabalhadores, nomeadamente os trabalhadores da administração pública, que trabalhavam 35 horas, depois, quando nós estávamos a ser intervencionados pela troika, passaram a trabalhar 40 horas sem mais salário. Depois, em 2015, quando o PCP teve mais força aqui na Assembleia da República, conseguimos que os trabalhadores da administração pública voltassem para as 35 horas semanais, mas os trabalhadores do privado ainda mantêm as 40 horas semanais.
Aquilo que nós consideramos é que se deve reduzir o horário laboral para todos para 35 horas semanais sem perda salarial, porque de facto, os lucros das grandes empresas mostram que é possível reduzir o horário dos trabalhadores sem lhes retirar salário.
JPN – Ainda sobre a questão laboral, quais são as estratégias propostas pelo CDU para lidar com os avanços tecnológicos e sua influência nas condições de trabalho na Europa?
SP – Felizmente as máquinas fazem trabalho que antigamente era preciso muita mão de obra para fazer, e isto também, de certa maneira, aumenta a produtividade. E depois isso também não se reflete tanto nos salários dos trabalhadores.
Mas um caso muito concreto é a questão dos trabalhadores das plataformas digitais. A verdade é que as condições de trabalho deles são bastante degradantes. São muitas horas de trabalho, muitos deles andam com uma mochila às costas um dia inteiro. Tudo aquilo que eles precisam para o exercício da sua profissão, seja a mota, seja o combustível, seja a mochila, tudo isso têm de ser eles a pagar. Na verdade, é muito trabalho para pouco salário e deveriam ser mais valorizados.
Defendemos é que deviam ter um contrato de trabalho e ter condições dignas de trabalho em que não tivessem que trabalhar 16 ou 18 horas por semana para ter um salário que faça face às despesas no final do mês.
Outro exemplo é a questão do teletrabalho que funciona por conta da tecnologia, mas essa tecnologia não deve ser usada para a vigilância dos trabalhadores. Sabemos que muitas vezes há câmaras por todo o lado, e que controlam até a velocidade com que as pessoas teclam. Tudo isso impõe uma pressão aos trabalhadores que não é justa.
JPN – Deu aqui exemplos de como os avanços tecnológicos podem prejudicar as condições de trabalho, mas no documento de compromisso do PCP dizem que pretendem orientar esses avanços tecnológicos para a melhoria das condições de vida e do emprego. Como isso seria feito na prática?
SP – No sentido em que a tecnologia deve estar ao serviço das pessoas, do bem-estar, da melhoria das suas condições de vida e não ao serviço dos lucros das grandes empresas. Porque é isso que nós assistimos. Ninguém contesta que os avanços tecnológicos têm um efeito muito bom na questão da saúde das pessoas. Tem havido avanços tecnológicos na área da saúde, que depois têm um impacto direto na vida das pessoas. Isso é incontestável e ainda bem que esses avanços existem.
Mas relativamente a estas condições de trabalho, esses avanços são usados mais no sentido da vigilância, no sentido de criar pressão sobre os trabalhadores, em vez de contribuírem para a redução progressiva da jornada de trabalho, para a eliminação de tarefas que são mais duras. Era preciso pôr estes avanços tecnológicos ao serviço da melhoria das condições de vida das pessoas e dos trabalhadores e não tanto ao serviço dos lucros que engordam os bolsos de alguns.
Aquilo que nós dizemos em relação à Ucrânia também dizemos em relação à Palestina, nós não defendemos o envio de armas para a Palestina. Aquilo que os conflitos precisam é de soluções políticas
JPN – Sobre a Guerra da Ucrânia, qual o posicionamento da CDU?
SP – A nossa posição sobre a guerra da Ucrânia é que é preciso paz. Já dissemos isto na altura da invasão, dissemos que era preciso sentar à mesa os envolvidos, e os envolvidos não são apenas a Rússia e a Ucrânia, mas também os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia.
É preciso sentar à mesa para negociar uma solução pacífica do conflito. Passaram dois anos, portanto, por via militar, eu julgo que nenhum dos países vai ganhar. E prolongar esta guerra significa prolongar o sofrimento do povo ucraniano, mas também do povo russo e de todos os povos envolvidos, e ao mesmo tempo a destruição desses países. Isto tem de ser travado, é preciso sentar à mesa todas as partes e chegar numa solução política para o conflito.
JPN – Mas quem está à frente da Rússia é Vladimir Putin, que não parece interessado em dialogar. Acredita que mesmo assim é razoável pensar em negociações de paz?
SP – A única saída possível para esta guerra é, de facto, ouvir vozes como as do Papa, ouvir vozes como as do presidente do Brasil e da África do Sul, vozes que têm dito que o que é preciso é sentar à mesa para se negociar uma solução política para aquele conflito.
As armas não vão trazer paz para aquele território. E nós não somos hipócritas, porque aquilo que nós dizemos em relação à Ucrânia também dizemos em relação à Palestina, nós não defendemos o envio de armas para a Palestina. Aquilo que os conflitos precisam é de soluções políticas, porque não é por via das armas que a paz chega a esses territórios.
E aquilo que nós vemos é que há alguém interessado em manter estas guerras, nomeadamente a grande indústria do armamento e do militarismo que que está a ter lucros colossais à custa do sofrimento destes povos que estão a ser destruídos e dizimados na Palestina e na Faixa de Gaza. Há um genocídio a decorrer e o que é importante é de facto um cessar-fogo imediato para os territórios.
JPN – De alguma forma teme que o posicionamento da CDU face ao conflito na Ucrânia possa custar votos ao partido?
SP – Aquilo que é importante é haver quem defenda a paz, porque pessoas a defender a guerra, de facto, há muitas.
Na altura condenamos a invasão, mas não só a invasão, condenamos o caminho que estava a ser trilhado e que dois anos depois se mostrou. As sanções, por exemplo, o que trouxeram de paz para a Ucrânia? Pelo contrário, aquilo que fizeram foi agravar mais as condições de vida dos outros povos, nomeadamente de quem vive em Portugal, porque as sanções fizeram ricochete e nós todos estamos a pagar as sanções.
Depois estão a ser desviadas verbas que deviam ir para a solução dos problemas das pessoas, de melhorar os seus salários, de melhorar os serviços públicos que poderiam ir para a coesão também e que estão a ser desviados para para o armamento, para o militarismo.
Esta é a nossa posição que defendemos com coragem e determinação, porque achamos que, de facto, fazem falta vozes que defendam a paz. Nós fazemo-lo no Parlamento Europeu, e fazemo-lo cá. Fizemo-lo sempre. Durante o fascismo, quando havia a guerra nas ex-colónias também defendemos sempre a paz, sozinhos e isolados. E a vida deu-nos razão.
Acordos com países terceiros para que os migrantes nem sequer possam aceder às fronteiras dos países da União Europeia são, de certa maneira, uma criminalização de quem procura nos países da União Europeia uma vida melhor.
JPN – Já sobre as questões de migração, que avaliação fazem sobre as políticas europeias neste tópico?
SP – Para nós, não fazem sentido as posições assumidas pela União Europeia, como por exemplo, acordos com países terceiros para que os migrantes nem sequer possam aceder às fronteiras dos países da União Europeia. É, de certa maneira, uma criminalização de quem procura nos países da União Europeia uma vida melhor.
Este pacto [Pacto da UE em matéria de Migração e Asilo] tem algumas coisas que são incompatíveis com aquilo que é o direito internacional em matéria de asilo e de migração, nomeadamente as pessoas ficarem retidas na entrada dos países. Parece-nos que há aqui uma desumanização de quem procura uma vida melhor e, portanto, não podemos ser a favor.
Há também aquilo que se chama de solidariedade, e ponho aqui solidariedade entre aspas, visto que consiste num país que não queira receber imigrantes poder pagar para não os receber, portanto, países ricos poderão pagar. Mas essa “solidariedade” pode também ser expressa através de arame farpado e em materiais de construção para muros. Portanto, parece-nos que é uma política muito desumana, que não tem nada a ver com aquilo que deveriam ser os valores humanistas de um projeto de solidariedade e de cooperação entre os povos.
Além disso, esse pacto não vai sequer à causa dos problemas que fazem com que as pessoas saiam do seu país em procura de uma vida melhor, seja pela fome, miséria, guerra… Muitas vezes conflitos nos quais a União Europeia tem responsabilidades. Portanto, é um pacto que eu julgo que não serve os migrantes e não poderíamos estar de acordo com ele. Precisamos dos migrantes no nosso país e precisamos que eles tenham os mesmos direitos que quem cá mora.
JPN – Quais são as propostas do PCP para garantir os direitos dos migrantes e dos refugiados na Europa?
SP – Existe legislação internacional que fala do acolhimento. Portugal deveria estar vinculado a esses acordos e acolher dignamente. Tem que haver a garantia dos direitos de inclusão dos migrantes e dos refugiados, promovendo, ao mesmo tempo, políticas de desenvolvimento que combatam as causas de fundo das migrações.
Nesse sentido, é preciso haver um respeito pela soberania de cada Estado quanto à sua definição da política de imigração e de asilo. Se considerarmos que deve haver respeito por todos os direitos, incluindo laborais e sociais dos trabalhadores migrantes, rejeitando que sejam discriminados ou instrumentalizados e explorados por parte dos grandes interesses económicos.
Sei que há forças políticas que se alimentam destas desigualdades de pôr uns contra os outros, mas nós não damos para esse peditório. Achamos que os direitos têm de ser respeitados para todos e que a elevação das condições laborais e sociais de todos os trabalhadores é possível e deve ser feita, desde logo, através do aumento dos salários, da defesa e da promoção dos serviços públicos de qualidade, gratuitos e universais, na saúde, na educação, na segurança social e no direito à habitação.
JPN – Sobre as próximas eleições europeias, o que seria um bom resultado para o PCP?
SP – Um bom resultado enquanto candidata, mas também enquanto portuguesa, é um reforço de votos na CDU.
O trabalho que fizemos nestes últimos cinco anos mostra a importância de ter lá deputados que defendem Portugal na União Europeia. Somos os deputados que combatem este projeto de exploração, empobrecimento e de subordinação à União Europeia, que defendem a nossa produção nacional, mas também o aumento dos salários e das reformas, e os serviços públicos.
O que queremos é um reforço dos votos na CDU e continuar a dar voz no Parlamento Europeu ao que são os desejos, as aspirações, mas também os problemas dos portugueses e de quem vive em Portugal.
JPN – No espectro dos grupos parlamentares estão com o “The Left”, o grupo que tem menor representatividade dentro do Parlamento Europeu. E as sondagens apontam para um possível aumento da direita na Europa. O que significará isso para o próximo mandato?
SP – No cenário anterior, eu creio que também já havia uma clara maioria de direita. É óbvio que a extrema-direita carrega consigo visões completamente reacionárias e conservadoras da sociedade que nós não podemos aceitar.
Quanto mais deputados da CDU houver no Parlamento Europeu, mais vamos ter condições de combater essas forças. Em Portugal, combatemos o colonialismo, combatemos o fascismo e havemos de combater também o racismo e a xenofobia.
Editado por Filipa Silva