Um ano depois da edição mais molhada do Primavera Sound Porto, a chuva voltou a ser presença forte. O cancelamento do concerto de Ethel Cain foi notado pelo público. As atuações de Pulp e The National, com destaque para a primeira, foram os pontos altos do terceiro e último dia.

Depois do balde de água fria provocado pela suspensão do Palco Vodafone no segundo dia, a 11.ª edição do Primavera Sound Porto encerrou este sábado com mais uma notícia amarga para uma parte dos milhares de pessoas que se deslocaram ao Parque da Cidade do Porto.

Duas horas antes da abertura dos portões, foi cancelada a estreia de Ethel Cain a norte. A artista divulgou no seu Instagram que tinha perdido a voz e precisava de tempo para recuperar. A amargura fez-se ouvir pelo recinto durante todo o dia, com vários fãs vestidos a rigor a desfilarem por outros concertos.

Em cima disso, o último dia acabou por ser o mais molhado. Desde que os portões abriram, às 16h00, até ao início da atuação dos Mannequin Pussy, pelas 18h40, o céu não deu tréguas e relembrou a tempestade que abalou a edição de 2023 do Primavera Sound.

O Palco Porto voltou a assemelhar-se a um pequeno pântano, ainda que de forma muito mais contida. A chuva voltou a cair várias vezes durante o dia e os visuais mais trabalhados foram escondidos por capas de chuva, distribuídas pelo recinto e que desapareceram num ápice. A festa fez-se, sobretudo nas horas iniciais, debaixo das tendas dos espaços de refeição e as conversas que se iam ouvindo demonstravam uma paciência que, ao contrário de tudo o resto, ia secando.

PULP levaram todos os aplausos. The National celebraram numa muito longa comunhão

Numa nota mais positiva, Pulp e The National acabaram por salvar o dia. Os dois concertos concentraram uma vasta multidão e foi durante estas atuações que se recuperou a aura do festival. E embora os The National tivessem garantido o concerto mais longo deste Primavera Sound, era pelos Pulp que o público mais ansiava (e com razão, como se veria no final do dia).

Sarah Young, de 19 anos, veio do Reino Unido e esperava há muito na frente do palco pela chegada dos Pulp. Cativada pela “teatralidade” do grupo e do seu líder, Jarvis Cocker, ansiava por poder ouvir ao vivo “Common People”, o tema de maior êxito da banda. Do Brasil e vestidos a rigor com merchandising da banda britânica, Natália e Welton, de 43 e 51 anos, já dançavam ainda antes do espetáculo começar. “É uma banda fantástica. É a quarta vez que os estou vendo em palco e eles são fantásticos. Vale sempre a pena”, contou Welton ao JPN.

Pelas 21h55, pouco espaço restava na encosta do palco Vodafone quando a banda britânica abriu o espetáculo, recebida com grandes ovações de um público que exalava carinho. A conversa para fora do palco não foi muita e a música foi a protagonista, numa setlist que envolveu novos e velhos temas da banda do sempre hipnotizante Jarvis Cocker.

A abrir, o grupo de pop-rock apostou em “I Spy” e “Disco 2000”. A fechar, a apoteose esperada com a interpretação de “Common People” como corolário do encore de três temas que encerrou o espetáculo, tudo sempre regado com muita pujança na interpretação. 

A multidão cantou em coro durante grande parte do espetáculo, marcando os ritmos com aplausos e gritos de aprovação. Dos pequenos aos mais crescidos, dos portugueses aos estrangeiros, o concerto terminou após hora e meia de rock, deixando muitos sorrisos para trás. Estava embrulhado o concerto da noite.

Do Palco Vodafone para o Palco Porto, o público aguardava agora a chegada dos The National, banda já muito conhecida e acarinhada pelos portugueses. Os cabeça de cartaz, com mais de 20 concertos dados em solo nacional, tiveram direito a uma atuação de duas horas, a mais longa de todo o festival. Tempo suficiente para enviar do palco apelos a um cessar-fogo em Gaza, à vitória de Joe Biden nas eleições americanas de novembro e à celebração do Mês do Orgulho, que se assinala em junho.

Ainda que o concerto tivesse começado com toda a força por parte dos artistas e do público, o fôlego acabou por se esvair durante o longo alinhamento. Houve pessoas a recuar ao longo do concerto, mas os resistentes ainda foram muitos e deixaram-se embalar pelas músicas cantadas por Matt Berninger, que fez lembrar Damon Albarn no contacto muito próximo com o público.

Se se esperava pelo tom mais melancólico dos últimos trabalhos, em palco esteve o espírito inicial do grupo aliado a um rock que, por vezes, soou desesperado por surpreender. Os resultados poderiam ter sido melhores se o concerto tivesse sido mais curto. “I Need My Girl”, “Alien”, “Tropic Morning News” e “Fake Empire” foram algumas das músicas escolhidas.

Tanto Pulp quanto The National não se deixaram fotografar pela imprensa. 

Ausência de Ethel Cain foi dos pontos mais criticados

Belinda Reis, Marta Mealha e Yasmin esperavam ver Ethel Cain no festival. Foto: João Jesus/JPN Foto: João Jesus/JPN

O cancelamento do concerto de Ethel Cain pela artista foi, talvez, dos assuntos mais comentados no recinto ao longo do dia. O número de fãs era elevado e muitos souberam do cancelamento já dentro do Parque da Cidade. 

O JPN questionou os festivaleiros sobre o concerto mais aguardado para o dia e a resposta quase não divergia: Ethel Cain. Belinda Reis, de 26 anos e Marta Mealha, de 29, que queriam rever a artista, confessaram a sua desilusão e apontaram críticas à organização, que neste caso foi alheia ao cancelamento: “Este ano, foi complicado, principalmente por causa dos cancelamentos. Neste caso, foi a artista [a cancelar], mas foi ridículo o cancelamento do palco secundário no segundo dia. Desde que perderam o patrocínio da NOS que, mesmo a nível do espaço e dos palcos, têm perdido qualidade”, consideraram as jovens.

Catarina Nogueira, que também esperava ver Ethel Cain, acredita que o festival tem vindo a perder alguma qualidade: “Isto agora faz parte de um franchising. Tentam fazer uma versão mais pequena que o de Barcelona, mas acho que não há muitas condições. Para nem falar do palco principal, que não tem visibilidade nenhuma, ao contrário do palco Vodafone”. 

As jovens estavam, contudo, animadas pela ideia de ver ARCA, a artista venezuelana que marca pela sua música eletrónica e visuais etéreos. A cantora subiu ao palco Vodafone nos momentos finais do dia, pela 01h30. Os remanescentes deitaram-se pelo relvado e deixaram-se embalar por uma experiência sensorial e experimental, com bastante autotune, mas não menos real. Com o público, ARCA interagiu várias vezes e pediu que se levantassem as bandeiras palestinianas seguradas por alguns fãs. Com um mix de reggaeton e techno, ouviram-se temas alternativos como “Fireprayer”, “Incendio” e “Machote”.

Um dia de estilos alternativos 

No palco Porto, no horário que seria para Ethel Cain, atuou The Legendary Tigerman – reagendado depois do cancelamento da véspera – com emoção digna de headliner. Paulo Furtado fez o que melhor sabe com a guitarra e o rock’n’roll fez-se ouvir no recinto, com uma atuação de pura energia, rebeldia e desafio. Para João Amaral, de 20 anos, o reagendamento do concerto foi bem recebido e reforçou a importância da música portuguesa no cartaz: “Em termos de bandas portuguesas, acho que melhoraram muito, em comparação ao ano passado. Este ano, temos 15 artistas portugueses, no ano passado foram dez ou nem a dez chegava”, comentou ao JPN. 

Igualmente reivindicativos e com fúria nas vozes foram os Mannequin Pussy, que atuaram antes de Legendary no Palco Porto. Falou-se de opressão religiosa, de celebração do amor e da liberdade sexual e feminina, tudo com a força e fúria do punk-rock. O quarteto surpreendeu a multidão que enfrentou a chuva e apresentou trabalhos de um percurso que já conta mais de 15 anos. “Não esperava que fossem tão boas”, ouviu-se num lugar mais afastado da fila da frente. “Patience”, “Softly” e “Loud Bark” estiveram no alinhamento.

No palco Vodafone, pelas 19h25, foi hora de uma nova experiência no festival. Num momento mais relaxado e de homenagem, os festivaleiros juntaram-se nos relvados para uma listening party dedicada aos Shellac, banda-fetiche do Primavera, presente em todas as edições, tanto no Porto como em Barcelona.

A morte inesperada de Steve Albini há um mês levou a que a banda não comparecesse este ano, no entanto, não foi esquecida pelos visitantes que se juntaram, em número reduzido, para ouvir respeitosamente os trabalhos que marcaram o percurso da banda de rock norte-americana. João Santos, de 35 anos e que tem o Primavera Sound Porto como festival de eleição, elogiou a iniciativa: “É muito bonito. Acho que é extraordinário manterem os Shellac no alinhamento com esta espécie de memorial. Fico um bocado triste de não ter aproveitado como nos outros anos, mas acho impecável”, referiu. 

No palco Plenitude, normalmente guardado para artistas em ascensão e com estilos experimentais, os mais jovens juntaram-se para a atuação de Billy Woods, rapper norte-americano. Num concerto enigmático e em que tentou mostrar a face o menos possível, cantou histórias sobre racismo, violência, escravatura e autodescoberta. Foi possível ver alguns cartazes na fila da frente e o artista interagiu com os fãs, perguntando se a música estava suficientemente alta e ajustando a atuação aos pedidos de quem aprecia o seu trabalho. 

O festival contou ainda com as atuações de artistas como Gel, Joanna Sternberg, Tiago Bettencourt, Conjunto Corona e Soluna

Uma edição azarada

José Barreiro, diretor do Primavera Sound Porto, dirigiu-se aos jornalistas durante a tarde para esclarecer algumas dúvidas e formular um balanço da 11.ª edição. Esclareceu que o cancelamento dos concertos do palco Vodafone no dia 7 se deveu à quebra de uma peça da estrutura do palco, o que comprometeu a segurança.

A edição de sábado do “Jornal de Notícias” falava também de um alegado erro de cálculo da organização no que toca ao peso equipamento de Justice. Barreiro nega que tenha sido essa a razão que levou à suspensão das atuações no palco: “Tínhamos a certeza de que tínhamos um palco que aguentava a carga”, afirmou o diretor, acrescentando que o palco Vodafone já recebera equipamentos mais pesados do que aqueles que estavam previstos para a atuação dos Justice – que rondava as 13,5 toneladas.

O diretor lamentou os cancelamentos que marcaram a edição de 2024 do Primavera Sound Porto e assumiu responsabilidade por eles. Frustrado, referiu que “este festival já merecia um bocadinho de sorte”, depois de duas edições marcadas por infortúnios.

O Primavera Sound Porto 2024 recebeu mais de 100 mil espectadores e quebrou o recorde de público num só concerto com Lana del Rey que atuou perante 40 mil pessoas. Já existem datas para a próxima edição do Primavera Sound Porto. Os palcos do Parque da Cidade voltam a ter música nos dias 12, 13 e 14 de junho de 2025

Editado por Filipa Silva