Ana Lua Caiano é uma compositora portuguesa que junta sonoridades que vão desde a música tradicional à música eletrónica. A artista, que inaugurou o palco Vodafone no primeiro dia do festival Primavera Sound Porto 2024, esteve à conversa com o JPN. Ana Lua Caiano falou sobre a sensação de ter atuado num grande festival, das suas inspirações e dos planos para o futuro.

Foi pouco antes das 17h00 de quinta-feira (6) que Ana Lua Caiano subiu ao Palco Super Bock do Primavera Sound Porto. Para a artista, atuar no festival foi uma experiência “muito incrível”. “Gosto muito deste festival e estes dias todos têm artistas também incríveis. Portanto, para mim, poder estar aqui neste palco foi mesmo muito especial”, disse.

Apesar de ter sido um dos primeiros do dia, o concerto contou com muito público. Ao JPN, a artista confessou que não estava à espera de ver uma plateia tão cheia e enérgica. “Estava com um bocadinho de medo, porque as cabeças de cartaz vêm um bocadinho mais tarde. Não estava à espera de tanta gente, mas foi uma bela experiência, porque o público estava muito carinhoso, com muita energia. Isso também me dá muita energia a mim de volta”, contou.

O concerto de Ana Lua Caiano foi tudo menos monótono. A artistas não só canta as suas músicas, como cria outras ao vivo, a partir de várias sonoridades que capta diretamente do palco. Apesar de gostar dessa dinâmica, admite que é “um desafio” e a parte mais stressante dos concertos.

Tenho uma Loop Station e, no início de cada canção, crio a base que pode ser rítmica, normalmente começa com o ritmo. Depois, acrescento o sintetizador e vou criando as camadas. Tenho que criar o mais rápido possível, portanto, é um desafio”, contou ao JPN. Mesmo assim, confessa que criar música ao vivo nos concertos também a ajuda a descontrair, já que “tem muita adrenalina envolvida”.

“Como tenho tantas coisas para fazer, sinto que fico mais descontraída. Quando só cantava, era mais difícil estar descontraída, porque não sabia bem o que fazer. Aqui, tenho tantas coisas para fazer que não tenho tempo para me preocupar com isso”, explicou.

Em palco, no Primavera Sound Porto 2024, Ana Lua Caiano tinha um sintetizador e vários instrumentos, como um bombo e uma pandeireta. Além destes, a artista toca piano e adufe. Em alguns casos, teve aulas para aprender a tocar, mas noutros, não, sendo o seu espírito autodidata o principal agente formador. “Sempre que tinha oportunidade, comprava um instrumento pequenino. Ou se fosse a alguma zona específica do país, comprava um instrumento de lá”, disse.

A música da artista lisboeta baseia-se num jogo de sons, que junta a música tradicional portuguesa, “que desde muito pequenina ouvia”, e a música eletrónica, que apareceu na sua vida mais tarde.

“Gostava muito do Zeca Afonso, Sérgio Godinho, José Mário Branco, Fausto. Desde muito cedo, familiarizei-me com este tipo de música e depois, mais tarde, quando tinha uns 16 anos, comecei a perceber o que é que havia para além disso. E percebi que existiam sintetizadores e fui a workshops de música concreta, que é uma música um bocadinho mais experimental, no sentido em que todos os elementos podem ser encarados como música e, portanto, a música pode ser algo completamente abstrato. Tinha estas ideias de exploração e ouvi muito Portishead, Laurie Anderson. Essas grandes influências da música tradicional e depois da música eletrónica acabaram por se juntar“, afirmou.

Percurso da artista

Ana Lua Caiano apresenta-se sozinha em palco, mas nem sempre foi assim. No início da carreira, tinha uma banda que se desfez, segundo a própria, em grande parte, devido à pandemia. “Houve uma altura em que tinha banda e, portanto, fazia as canções, as letras, definia uma linha de piano ou de baixo, levava para as bandas e tocava. Com a Covid-19, deixamos de poder comunicar. Foi quase um ano e meio em que era difícil ensaiar com uma banda, porque para isso precisamos de espaço, precisamos de estar todos juntos”, contou. 

No entanto, durante a pandemia, a vontade da artista de criar música não acabou. “Comecei a fazer mudanças sozinha, a perceber o que era a produção. Tenho um programa em que posso gravar coisas e, pronto, foi assim que comecei a explorar e comecei a gostar”, explicou.

Ao JPN, a artista reconhece que o período da Covid foi “essencial” para a sua carreira, já que, “antes disso, nunca tinha pensado em fazer um projeto” a solo. “Como não havia ninguém e queria continuar a fazer canções, foi quase uma obrigação. Gostei mesmo muito de trabalhar sozinha e de explorar como é que posso tocar depois, para além de produzir, em palco, com a Loop Station. Diria que a Covid foi bastante essencial, apesar de ter sido muito difícil. A música acaba por ser uma maneira de lidar com a solidão e de lidar com o afastamento das pessoas”, disse. 

Temas como “Cansada”, uma das músicas que Ana Lua Caiano incluiu no seu reportório para o Primavera Sound Porto 2024, têm letras com as quais grande parte do público se identifica. Frases como “cansada de estar sempre no mesmo quarto” são o espelho de como, segundo a artista, “o quotidiano acaba por ser uma fonte de inspiração”. Ao JPN, disse gostar muito de observar tudo o que a rodeia e que nas letras vai “contando histórias que não são necessariamente” suas, mas de coisas que vai ouvindo, “de expressões que se calhar as pessoas usam muito”.

Algumas músicas da artista parecem ter também um cárater interventivo. Segundo Ana Lua Caiano, sonoridades como “Se Dançar É Só Depois” ou “Casa Abandonada” são temas “muito específicos sobre a habitação e sobre o excesso de trabalho. ‘De Cabeça Colada Ao Chão‘ é também uma canção sobre o excesso de trabalho. Uma pessoa que nem consegue tirar a cabeça do chão por estar muito cansada”. Neste sentido, a artista espera que as suas músicas “tenham algum impacto” na sociedade. 

Para além da carreira musical, Ana Lua Caiano tem experiência em design, sendo essa a sua área de formação, e por isso, não só participa na produção musical dos seus discos, como também em todos os processos criativos. Faço o design dos meus discos. Eu gosto, o merchandising também sou eu que faço. Apesar de não estar agora nesta área, já fiz revistas e continuo a gostar imenso. Portanto, continuo a fazer as coisas para mim, porque é algo que também me dá prazer”, disse.

A 15 de março deste ano, Ana Lua Caiano lançou o seu primeiro disco de longa duração – “Vou Ficar Neste Quadrado”. Ao JPN, a artista disse que logo após ter lançado o álbum, começou novamente a compor. No futuro, quer “fazer mais colaborações” para “juntar vários estilos diferentes e pessoas que têm uma visão da música diferente”. 

Editado por Inês Pinto Pereira