A Câmara Municipal do Porto prevê que as obras de requalificação comecem já durante o segundo semestre deste ano. Alguns moradores já começaram o processo de realojamento, outros ainda não sabem onde vão ficar. As obras deverão estar concluídas em 2026.
O silêncio no n.º 31 da Rua da Corticeira, no Porto, é já um presságio do processo de esvaziamento que se está a levar a cabo neste lugar. O acesso não é de todo fácil. Faz-se através de uma escadaria que nos leva até à entrada, assinalada por um pórtico, onde se lê “Bairro Tapada”.
Paulo Rodrigues (ou Paulinho, como é conhecido pela vizinhança), de 48 anos, é dos poucos que está no bairro na manhã em que o JPN visitou o local. Viveu toda a sua vida no Bairro da Tapada, que vai ser requalificado nos próximos dois anos. Em resultado da empreitada, os moradores vão ter de deixar o bairro, ainda que provisoriamente. Mas até agora pouco se sabe sobre para onde irão durante esse período. “Só deram uma previsão, que até ao fim do ano tínhamos que sair. Lá para outubro ou novembro, ainda não disseram ao certo quando“, avançou ao JPN.
Questionada pelo JPN, a autarquia informou que “o processo de realojamento já começou efetivamente. Mas, é um processo… ou seja, a totalidade das mudanças não vai acontecer nas próximas semanas, levando, como é natural, o seu tempo. As pessoas vão ser chamadas à Domus Social para serem entrevistadas. Cada caso será devidamente analisado para perceber onde podem ser realojadas tendo em conta as características de cada agregado (número de elementos, condições de mobilidade, etc.) e as casas que se encontram disponíveis.”
Apesar de ainda não saber quando e para onde vai, Paulo Rodrigues confirma a informação da autarquia. O morador disse saber que alguns dos seus vizinhos já iniciaram o processo de realojamento. “Já houve pessoas que foram chamadas para ver casas. Eles disseram que tínhamos três oportunidades [de escolha]”, contou.
Quando as obras estiverem concluídas, os moradores do bairro têm direito a regressar, se assim o entenderem. “A gente vai, mas depois pode voltar quando estiver pronto”, explicou Paulo. No entanto, o morador prevê que “a maioria não vai querer voltar“. “Só eu e mais quatro ou cinco pessoas. O resto acho que não quer voltar”, acrescentou.
O bairro, que fica na zona das Fontainhas, junto à Ribeira do Porto, tem vindo a perder uma parte da sua população nos últimos anos. “Aqui na rua não vivem nem 25 pessoas. Várias pessoas, que aqui viviam, faleceram há pouco tempo” e “a maioria das casas está desocupada”, disse.
Obras precisas “há muito tempo”
Paulinho está a aproveitar o dia de bom tempo para se dedicar às limpezas e convidou o JPN a entrar na sua casa. “Nesta casa, viviam seis pessoas. A minha avó e o meu avô dormiam ali no quarto, eu e o meu tio no sótão e depois mais [pessoas] aqui na sala”, contou. A sala deve ter pouco mais de cinco metros quadrados. Do lado esquerdo, fica o quarto onde dormiam os avós. Do lado direito, está a cozinha que, através de um escadote instável, dá acesso ao sótão, onde antes era um quarto. Esta pequena habitação não tem casa de banho, por isso, tem de utilizar a da casa do seu tio que, por sua vez, não tem cozinha.
“As obras já eram muito precisas e há muito tempo”, disse Paulo. “Quando chove, como as casas estão encostadas aos muros, temos muitos problemas de humidade. Veja aqui. A parede está toda estragada”, acrescentou, apontando para os danos provocados pelas infiltrações.
O projeto de requalificação prevê a diminuição do número de casas de 38 para 25, de forma a possibilitar um aumento da área de cada uma das habitações, assim como a tipologia. Num comunicado, a Domus Social disse que está prevista a construção de habitações com um piso – nove T1 e um T2 – na parte sul do bairro; e de habitações de dois pisos – cinco T1, um T2 triplex, cinco T2 duplex, um T1 duplex e três T1+1 duplex – na parte norte. Após a realização das obras, cada habitação vai incluir uma cozinha, uma sala, uma casa de banho completa, um número de quartos adequado à tipologia, zonas de arrumação e uma zona de lavandaria.
Já no que diz respeito à acessibilidade, prevê a instalação de um elevador que vai estabelecer uma ligação vertical ao Passeio das Fontainhas, com o objetivo de facilitar a mobilidade dos moradores e os acessos em situações de emergência. Neste momento, a entrada do Bairro da Tapada é apenas possível através de uma escadaria.
Metade do bairro já não existe
O bairro já foi bem maior do que é nos dias de hoje. “Antes, isto dava para entrar por um lado e para sair lá ao fundo. Esta rua era toda completa, era até ali adiante. Neste muro, moravam 200 ou 300 pessoas antes. Nem imagina, tanta gente a viver nestas casas pequeninas”, contou Paulo, com nostalgia.
No entanto, em 2000, uma derrocada fez com que metade das casas desaparecessem e levou a que cerca de 50 famílias ficassem desalojadas. “Aquilo aluiu, a terra mexeu”, disse, acrescentando que a sua tia, que tinha uma das maiores casas da vizinhança, foi uma das pessoas afetadas. “Metade do bairro aluiu e as casas começaram a cair todas para o quintal ali em baixo”, explicou.
“As pessoas tiveram de sair e de ficar ali no quartel”, disse Paulo, enquanto apontava para a outra margem do rio, onde se vê o Quartel da Serra do Pilar. “Foi de um dia para o outro. Aquilo rachou e as pessoas tiveram de sair todas. Muitas coisas de valor ficaram nas casas e não puderam ir lá buscar, porque era perigoso. As casas acabaram mesmo por cair”, afirmou.
Bairro da Tapada à venda a privados
Em 2017, o bairro esteve para ser vendido a privados. Se tal se tivesse verificado, previa-se a retirada dos moradores e o nascimento de um complexo turístico de alojamento local, segundo o “Jornal de Notícias” (JN), caso que já se verifica nas “ilhas” vizinhas. No seguimento do descontentamento dos inquilinos do Bairro da Tapada, nomeadamente de Alfredo Rodrigues, que chegou “a ir à Assembleia da República” e a falar pessoalmente com o presidente da Câmara, este decidiu intervir.
Para garantir a continuidade da função social do edificado e dos contratos de arrendamento existentes e combater a especulação imobiliária, a Câmara Municipal do Porto decidiu, em 2018, comprar o bairro, tendo a sua aquisição sido aprovada por unanimidade. A Câmara exerceu o seu direito de preferência e comprou as 38 casas por um milhão de euros.
Três anos após a compra, iniciaram-se os processos de identificação de soluções de requalificação, através de visitas frequentes ao local, quer pelos administradores da Domus Social, quer pelo vereador da Habitação, Coesão Social e Educação e pelo presidente da Câmara.
Mas só no início deste mês é que o projeto de requalificação, com assinatura do arquiteto André Tavares, foi apresentado aos moradores. Segundo a Câmara do Porto, as obras, que deverão representar um investimento de cerca de três milhões de euros, devem arrancar durante o segundo semestre deste ano, quando terminar o concurso público que está em curso. O retorno dos inquilinos está previsto para 2026.
Editado por Inês Pinto Pereira