Até 20 de julho, o Sismógrafo apresenta a obra fílmica de Jumana Manna. A artista palestiniana conta as histórias do dia a dia do seu povo e há também um clube de leitura que aprofunda os temas basilares dos seus filmes. “Foragers” é um dos trabalhos projetados.

Sabia que o povo palestiniano está proibido de colher, na Cisjordânia, ‘akkoub e o za’atar, duas das principais plantas da gastronomia árabe? E que existem multas e interrogatórios para quem é apanhado apenas com algumas folhas? O filme “Foragers”, de Jumana Manna e em exibição no Sismógrafo, conta esta e outras histórias de um povo que sente que as suas tradições e liberdade estão cada vez mais condicionadas. A lente da realizadora palestiniana denuncia uma realidade que antecede o conflito entre Israel e o Hamas, cujo capítulo mais sangrento foi espoletado em outubro de 2023.

Esta é uma programação especial, organizada pela equipa do Sismógrafo, na Rua do Heroísmo, no Porto. Até 20 de julho, “Jumana Manna: Filmes e Estudos” junta toda a filmografia da realizadora palestiniana a um clube de leitura, com obras escolhidas pela autora e que aprofundam vários conceitos. A entrada é livre e o espaço está aberto para debates, que vão de temas como a ecologia à formação de um estado passando pela prática de comportamentos colonialistas, base do trabalho da realizadora.

Em destaque, está a projeção do trabalho mais recente da artista: “Foragers”. Em pouco mais de uma hora e num estilo documental, a realizadora leva a câmara ao ombro e acompanha vários palestinianos. Às escondidas e sempre alerta, colhem folhas de ’akkoub e de za’atar, uma prática proibida por Israel, que afirma que as plantas, ingredientes centrais da gastronomia da região, estão em vias de extinção e que o povo árabe não as colhe com cautela. A alternativa é comprar a produtores israelitas ou correr o risco de ser multado e interrogado, à mínima suspeita. No entanto, a maioria prefere arriscar ao invés de se submeter a ordens que consideram abusivas e infundamentadas.

O filme, lançado em 2022, tem subjacente a ideia de que o domínio de um povo não acontece apenas em situações de guerra ou através de episódios mais violentos. A pouco e pouco, uma coisa tão simples como limitar o acesso a um elemento de tradição pode tomar proporções cada vez maiores. A realizadora não se fica apenas pelo lado palestiniano, enfrentando vários agentes de autoridade israelita e tentando perceber os motivos que levam à proibição das colheitas. No entanto, as respostas são circulares e nem os próprios agentes conseguem responder ao que é perguntado, pedindo para que a câmara seja desligada.

Juntamente com “Foragers”, o Sismógrafo projeta outros 13 filmes que esmiúçam as rivalidades entre os dois povos, com especial foco no lado palestiniano. A curadoria foi de Jumana Manna que combina a sua filmografia com outros filmes de colegas e amigos, com novos ângulos e histórias. Todos os filmes estão legendados em inglês e podem ser assistidos gratuitamente. A programação está disponível para consulta no site oficial.

Ao JPN, Sara Rodrigues e Rodrigo Camacho, membros da organização, contaram que já tinham intenções de trazer o trabalho da artista a Portugal. “Conhecemos a Jumana em 2022 numa exposição coletiva, na Eslováquia. Era uma instrução sobre sementes e conhecemos um pouco do trabalho dela. Ficamos interessados e começamos a sugerir ao Sismógrafo, pois eram temas do nosso interesse”, recorda Sara Rodrigues. Contudo, o escalar da situação em Gaza obrigou a uma maior urgência e o Sismógrafo optou por adiantar a programação.

Leitura para refletir e debater

Por sugestão da artista, o Sismógrafo e o Landra, coletivo representado também por Sara Rodrigues e Rodrigo Camacho e focado na arte e ecologia, organizaram um clube de leitura especial. A escolha dos livros coube a Jumana Manna e a leitura prévia não é obrigatória, sendo feita de forma coletiva no próprio espaço. “Os livros são todos eles sobre estudos civilizacionais, de uma forma mais ou menos específica, relacionados com o conflito palestiniano. Abordamos milhares e centenas de milhares de anos para se perceberem como as coisas se tornaram naquilo que hoje vemos e como o colonialismo e imperialismo podem ter várias formas”, explicou Rodrigo Camacho.

Ao clube de leitura, chegam pessoas de todas as idades e de diferentes áreas de conhecimento. “Temos um público bastante variado. Diria que vai dos 20 aos 70 e muitos anos, de diversas áreas. Vamos das artes às ciências e até ao jornalismo. Recentemente, contamos com a presença de uma jornalista que esteve no meio do conflito, na Palestina”, descreveu Sara Rodrigues. Após a leitura, surge sempre um espaço para debate e comentários.

Todas as semanas, às quintas-feiras, analisa-se um dos sete livros escolhidos por Jumana Manna. O Sismógrafo conta com a presença de vários convidados com ligações aos temas para guiarem as leituras e dissecarem vários conceitos. Para além disso, o coletivo Landra organizou também um workshop para o último dia da programação – 20 de julho -,  com lotação limitada e que pretende levar os mais curiosos pela cidade do Porto, em busca de diferentes formas de vida, “das pequenas ervas daninhas às grandes árvores que emergem sem avisar”. Até lá, alguns dos filmes serão projetados novamente para que “todos consigam ver o máximo de filmes possível”.

O Sismógrafo foi fundado em 2014 e fica no n.º 318 da Rua do Heroísmo. Atualmente, tem como foco central a organização de exposições de artistas e performances de música e poesia. Há também espaço para sessões de debate e conferências ligadas à filosofia. A curadoria envolve todos os membros da organização, que discutem os temas de maior interesse. O Sismógrafo já passou pelos Poveiros e também pela Rua da Alegria.

Editado por Filipa Silva