Depois de uma conferência de imprensa com o Grupo de Trabalho para Acompanhamento de Investimentos de Transporte Público, que se realizou esta segunda-feira (17), Rui Moreira respondeu às alegações da Metro do Porto de que a autarquia é corresponsável pelos atrasos que se verificam nas várias empreitadas. A CMP criticou o modelo de gestão dos trabalhos, a falta de transparência e o incumprimento do prazos acordados.

O Grupo de Trabalho para Acompanhamento de Investimentos de Transporte Público foi criado em fevereiro por deliberação da Assembleia Municipal. Foto: João Jesus/JPN

A Câmara Municipal do Porto (CMP) e a Metro do Porto voltaram a discordar em relação às obras do metro, nomeadamente sobre as razões que justificam os atrasos que se têm verificado nas empreitadas, em especial na do metrobus, na Avenida da Boavista. A discórdia surgiu em resultado das respostas da Metro do Porto aos levantamentos realizados pelo Grupo de Trabalho para Acompanhamento de Investimentos de Transporte Público (GT-AITP), que apresentou esta segunda-feira (17) os seus estudos. A Câmara do Porto critica o modelo de gestão dos trabalhos, a falta de transparência e o incumprimento dos prazos acordados, enquanto a Metro do Porto corresponsabiliza a autarquia.

O GT-AITP, criado em fevereiro pela Assembleia Municipal do Porto, já realizou três relatórios que incluem questões e sugestões à Metro do Porto sobre as várias frentes de obra. A empresa respondeu aos dois primeiros, que falam sobre as empreitadas do canal de BRT (Bus Rapid Transit) Boavista-Império, horas antes da conferência começar.

De uma forma geral, a Metro do Porto considera que as principais razões para o incumprimento dos prazos são a “alteração do faseamento construtivo considerado no projeto, magnitude dos trabalhos de infraestruturas hidráulicas realizados” e as “condições atmosféricas adversas durante um período alargado de tempo”. A empresa disse ainda que toda a informação foi divulgada com “tempo, rigor e detalhe”. Para recuperar dos atrasos, a Metro do Porto explica que reformulou o plano de trabalhos, que contempla atividade em regime noturno.

Quanto aos atrasos e à ocupação da zona central da Avenida da Boavista, a Metro do Porto disse que se devem à decisão do município de “assegurar 2×2 vias em cada sentido de circulação rodoviária” durante o período de obras. Inicialmente, estava assegurada apenas a circulação numa única via de trânsito em cada sentido, diz a Metro. 

Ainda de acordo com a Metro do Porto, a decisão da Câmara teve como consequência “a impossibilidade de ocupação da zona central da avenida durante a execução das vias ascendentes, diminuindo a área de estaleiro e dificultando a execução dos trabalhos de várias infraestruturas afetadas e a realizar”. A mudança levou também a uma redução do espaço disponível para a circulação dos peões e foram realizados trabalhos entre a Rua de João Grave e a Rua do Pinheiro Manso para reparos de infraestruturas da Águas e Energia do Porto, que estavam em “elevado estado de deterioração”.

Em reação, o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, disse que a resposta da empresa tece “considerações que não correspondem à verdade”. Numa carta, o autarca refere que, em relação à construção do BRT, a Metro do Porto tinha sugerido ocupar toda a via pública da Avenida da Boavista, desde a Avenida Marechal Gomes da Costa à Rotunda da Boavista, algo que vê como sendo “uma sentença de morte à cidade“. Além disso, disse ainda que a Metro do Porto pretendia cortar a saída da Via de Cintura Interna (VCI) para a Avenida da Boavista (Nascente). Desta forma, o autarca considera válida a recusa do município e a adoção do plano de duas vias de trânsito por sentido, para diminuir os impactos nesta artéria da cidade.

Quanto às intervenções a infraestruturas hidráulicas, Rui Moreira considera que a empreitada tentou ser o menos invasiva possível, tornando-se menos complexa do que esperado. O autarca referiu também que a falta de mão de obra, visível “para qualquer pessoa que circulasse pela Avenida da Boavista”, é causadora de vários dos atrasos. Desta forma, discorda das alegações da Metro do Porto, que vê o município “como condicionante para o atraso das obras”.

De acordo com as respostas da empresa ao GT-AITP, o número médio de trabalhadores previstos para cumprir o prazo inicial era de 175, sendo que o número total até ao momento é de 101. A Metro alega, contudo, que com as limitações de espaço no estaleiro “impostas pelo município”, “não existiam condições para alocar mais meios à empreitada.”

O presidente da Câmara do Porto critica também o “planeamento inadequado da Metro do Porto”, que ainda não formalizou a versão final dos projetos para a sinalização de trânsito e os sistemas de semaforização necessários para a circulação do metrobus. Adianta ainda que desconhece o “prazo para entrega de todos os veículos afetos à operação do BRT”.

Uma “cidade muito cansada” com obras e atrasos

Foram elaborados três relatórios com questões e recomendações à Metro do Porto. Foto: João Jesus/JPN

Na reunião de segunda-feira (17), na qual o GT-AITP apresentou o trabalho que tem vindo a desenvolver desde fevereiro, estiveram presentes os representantes de todos as forças políticas – com exceção de Rui Afonso, do Chega. Ao todo, o Grupo de Trabalho elaborou três levantamentos que podem ser consultados no site da autarquia. Os dois primeiros dizem respeito ao canal de BRT e o último às obras da Linha Rosa e no Rio de Vila, enviado à Metro do Porto no dia 13 de junho e ainda sem resposta.

Aos jornalistas, falaram de uma “cidade muito cansada” em resultado das várias frentes de obra. “Tem havido um crescente e manifesto desconforto dos que habitam na cidade, dos que fazem dela o seu modo de vida diário e dos que têm atividades económicas, relativamente às obras”, sublinhou Sebastião Feyo de Azevedo, ex-reitor da Universidade do Porto e presidente da Assembleia Municipal do Porto (AMP).

No que diz respeito às obras do corredor Boavista-Império, os dados levantados apontam para mais de 700 dias de atraso. Já nas obras da Linha Rosa, há etapas com atrasos de mais de 400 dias. Os representantes lamentam os incómodos causados e a falta de respostas e cooperação da Metro do Porto com a Câmara Municipal: “Isto não é uma obra num condomínio fechado”, criticou o presidente da AMP.

Raúl Almeida, líder do grupo municipal Aqui Há Porto, garante que o descontentamento dos cidadãos também se deve à falta de conhecimento daquilo que tem sido feito. O deputado municipal reforçou que não confia nos prazos que a Metro do Porto vai apresentando e nos ultimatos dirigidos à Câmara do Porto, como o anúncio do corte da linha do elétrico na Rua do Ouro, em março, para as obras da Linha Rubi.

Na altura, a Metro do Porto tinha apresentado o pedido como única alternativa, no entanto, ao ser negado por Rui Moreira, encontraram “outra solução”. “Há, repetidamente, atitudes que depois levam a falta de credibilidade dos interlocutores do processo e da população perante todo este processo de obra”, acrescentou Raúl Almeida.

Do Partido Social Democrata (PSD), Miguel Corte Real disse que a Metro do Porto “não ouve os eleitores” e exigiu maior seriedade no futuro, tendo em conta os erros do passado. Paulo Vieira de Castro, do Partido Animais Natureza (PAN), concordou com todos os pontos levantados pelo grupo e referiu como mau exemplo os trabalhos realizados na Avenida da Boavista, com o desaparecimento, “sem explicações”, da ciclovia existente no local e o “mau uso que foi feito da consolidação do terreno”,  levando ao abate de várias árvores e “atropelos” de espaços verdes.

Do lado esquerdo da mesa, havia também unanimidade. O líder do grupo municipal do Partido Socialista (PS), Agostinho de Sousa Pinto, admitiu que já se esperavam “algumas dores de cabeça” durante as obras, que se iniciaram num período que considera “difícil”, devido à pandemia, guerra e inflação. No entanto, criticou novamente a falta de transparência da Metro do Porto e acredita que as obras da Avenida da Boavista não estejam concluídas até ao final do ano, estando disponível para pedir desculpas caso se verifique o inverso.

Já Rui Sá, representante da CDU e um dos impulsionadores da criação do grupo, sublinhou que “os prazos que estão a ser avançados são mentiras”. Para além disso, afirma que algumas decisões foram tomadas “à revelia do próprio município”, como a localização da ponte da Linha Rubi e o metrobus na Rotunda da Boavista. Referiu também que, dados os atrasos, as obras certamente vão ser realizadas sem o apoio do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), cujo prazo termina a 31 de dezembro de 2026. Do Bloco de Esquerda (BE), Rui Nóvoa reforçou a importância do grupo de trabalho para conseguir informar os cidadãos. “Até aqui, não havia qualquer tipo de informação”, declarou.

Entretanto, a Metro do Porto já desmentiu as acusações de falta de informação aos munícipes. Na resposta enviada ao grupo, garante que têm distribuído várias brochuras informativas, folhetos, feito visitas guiadas a meios de comunicação social, imagens virtuais e também um documentário de quatro episódios sobre o sistema BRT, transmitida pelo Porto Canal. Quanto a indemnizações a empresários afetados pelas obras, a empresa admite que, “até à data, não foram realizadas compensações a comerciantes, visto que não existiram constrangimentos que o justificasse”.

Editado por Inês Pinto Pereira