“Hoje a informação deve buscar o leitor”, diz Manuel Molinos. A distribuição é fundamental e por isso é importante que os media se mantenham atualizados.

Esta reportagem faz parte de uma edição especial de carácter internacional promovida pelo JPN com a ajuda de três estudantes de Jornalismo do FEJS, que visitaram o Porto na primeira semana de maio.

Wersja polska

English version

Com o sétimo lugar no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa, Portugal tem um panorama mediático forte e diversificado, com ampla consciência social, de acordo com o Repórteres sem Fronteiras. Isto soa quase como uma “terra prometida” do jornalismo, especialmente para os países europeus que lutam com a democracia ou com os meios de comunicação identitários. Infelizmente, agora, o jornalismo enfrenta ainda mais ameaças e desafios, como as vastas mudanças tecnológicas às quais os repórteres têm de se adaptar. Assim sendo, será que em Portugal a “galinha” é realmente “melhor que a da vizinha”?

Nos últimos anos, os media tiveram de passar por muitas mudanças devido ao desenvolvimento tecnológico e à mudança da distribuição noticiosa para a internet. Em Portugal, essa mudança começou no início do século XXI. Com sede no Porto, o “Jornal de Notícias”, que é também um dos jornais mais antigos de Portugal, foi o primeiro jornal nacional a aparecer online neste país. Manuel Molinos, diretor de conteúdos digitais, que tenta segurar no online este legado de 136 anos, sublinha a mudança fundamental que as nossas vidas sofreram e como isso afeta as notícias.

“Hoje as pessoas apaixonam-se no Tinder, veem filmes na Netflix, pedem comida na Uber, ouvem música no Spotify. Portanto, há uma lógica de serviço no conteúdo e não apenas na informação. Netflix é conteúdo, Spotify é conteúdo… qual o segredo deles? É a forma como eles distribuem, e a informação tem que dar esse passo, é como ela é distribuída também”, explicou.

Molinos foi contratado para aumentar o tráfego online. O jornal começou a “olhar seriamente para o digital em 2008”, lembra. A sua principal preocupação é a qualidade do conteúdo que produzem e como isso afeta o tráfego do site. O jornalista supervisionou a aplicação do novo design e o objetivo era torná-lo o mais conveniente possível, com uma interface possivelmente mais intuitiva, que tornasse o conteúdo fácil de ler e fidelizasse os utilizadores.

“Eu preocupo-me com as pessoas fazerem scroll mais na vertical ou na horizontal, são detalhes quase físicos que afetam o consumo. Para mim é mais fácil fazer scroll verticalmente e isso influencia no consumo. O telefone hoje é um apêndice do braço”, explica ao JPN.

Apesar de ter uma pontuação muito elevada no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa, Portugal também enfrenta questões difíceis relativamente ao estado do jornalismo. O grupo económico ao qual o JN pertence, a Global Media, tem enfrentado uma grande crise nos últimos meses, o que provou que mesmo os meios de comunicação em grande desenvolvimento, mais populares e lidos com entusiasmo, podem enfrentar problemas financeiros e de emprego para jornalistas.

No JN, a poeira assentou por enquanto, e o jornal voltou-se a focar em trazer novidades frescas, e o mais importante – na versão digital.

O “Jornal de Notícias” tem 136 anos de história. Foto: JPN

Obviamente, o jornalismo online significa ajustar o tradicional como o conhecemos e extrair o máximo de cada tópico abordado. De acordo com Molinos, no “Jornal de Notícias” os repórteres tiveram mais facilidade em mudar, porque a mudança foi feita gradualmente. O jornal adaptou-se a uma situação em que determinado assunto não é apenas impresso, mas também gravado, fotografado ou mesmo transformado em TikTok. Para Manuel Molinos é também muito importante manter uma abordagem multidisciplinar e estar atualizado relativamente a todas as tendências e tecnologias que podem ser utilizadas no jornalismo. O JN vê o conteúdo como um todo e durante o processo verifica os meios que melhor se adaptam a determinado tema.

“Tivemos, por exemplo, o desfile da Queima das Fitas. Há vinte anos, sabíamos que seriam reportagens e fotografias para o jornal. Hoje não: quero transmitir esse cortejo, quero tê-lo nas redes sociais… o que muda é a forma como se distribui o conteúdo. Quando estamos a planear já sabemos que um determinado artigo tem várias versões, existe a possibilidade de ter áudio, infografia, vídeo…”, conta Molinos ao JPN.

Agora, têm a regra do “digital first”, diz, o que significa que se sabe desde o início que cada assunto será abordado online; a versão impressa pode vir mais tarde, mas geralmente é mais curta. Não há nada que seja apresentado exclusivamente em papel. Mesmo a versão para computador está a receber menos atenção agora: a interface do site do JN está a ser a ser projetada com mais cuidado, à medida que a maioria dos utilizadores faz scroll das notícias nos telemóveis com mais frequência. Para Molinos, o computador morreu.

“Hoje a informação deve procurar o leitor. Antigamente procurávamos informações, esperávamos que chegassem as 20h00 para ver o noticiário, esperávamos pelo telejornal para ouvir uma entrevista, íamos à banca comprar o jornal… isso acabou há muito tempo. E a informação, quando é relevante, tem que se impor ao leitor.”

Isto geralmente significa trabalhar em algoritmos. No entanto, o objetivo de Molinos não é tornar a informação muito disruptiva, o que constitui outra regra em destaque no JN. E parece valer a pena, como mencionam neste artigo: segundo o netAudience Ranking, o site do JN era, em fevereiro, o site de notícias mais lido com o alcance de 2.369.469 leitores, o que representa 27,6% do total. Acima deles, estão apenas dois canais de TV, que incluem também conteúdo de entretenimento.

Outra luta comum em todo o mundo, não apenas no campo jornalístico, é o rápido desenvolvimento da inteligência artificial (IA). Muitos temem que isso possa eliminar empregos e, no campo jornalístico, representar uma ameaça à literacia mediática. Como diretor de conteúdo digital, Manuel Molinos precisa de ter uma estratégia em torno da IA, bem como do TikTok, das histórias do Instagram ou das novas tendências que surgem todos os dias. Durante a conversa com o JPN, o jornalista citou Marshall McLuhan com as palavras “o meio é a mensagem” – embora a mensagem permaneça a mesma, o resultado da rádio é diferente do da televisão.

“Esta é uma opinião totalmente pessoal e não do jornal, mas acho que há algo que pode ser feito com Inteligência Artificial na informação. Quando se faz uma pesquisa no Google não é um nível de Inteligência Artificial, mas os resultados são apresentados dependendo do histórico de consumo. E, portanto, [nos media] a Inteligência Artificial nunca pode ser produtora de conteúdo nativo, mas pode ajudar a distribuí-lo melhor e selecioná-lo melhor.”

Todas as formas de adaptar a IA ao trabalho jornalístico que não prejudiquem a literacia mediática estão a ser procurados nos dias de hoje. Molinos vê isso como uma ferramenta e explica a abordagem que pode ser adotada numa direção não prejudicial: “Produzir conteúdo e criar notícias, nunca. Que [a IA] ajude a distribuir, selecione, que seja uma ferramenta que possa ajudar… Não vejo mal nenhum”, concluiu.

Apesar dos problemas económicos enfrentados por Portugal, que segundo o Reuters Digital News Report de 2023 também têm influência no campo jornalístico, a situação ainda é muito melhor do que noutros países europeus.

De acordo com o mesmo relatório, a confiança nas notícias em Portugal alcança os 58% e na Polónia, por exemplo, é de 42%. Este e outros indicadores colocam a Polónia 40 posições abaixo no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa.

Por mais que as questões financeiras não devam ser desvalorizadas, os portugueses mantêm uma elevada consciência social e os jornalistas não são restringidos pelo governo, o que aconteceu na Polónia nos últimos anos, de acordo com entidades como a Repórteres Sem Fronteiras. As pessoas utilizam os meios de comunicação social com muito mais frequência e parecem confiar no que lá veem, ao contrário do público polaco, de acordo com o relatório da Reuters.

No entanto, analisando com mais profundidade, os portugueses não estão muito dispostos a pagar pelas notícias, o que, por sua vez, não ajuda a resolver os problemas financeiros do mercado.

Editado por Filipa Silva