Da promoção do sucesso escolar a atividades desportivas e culturais, a Academia D’Ouro está a oferecer novas oportunidades a mais de duzentas crianças e jovens de Fânzeres e São Pedro da Cova, em Gondomar. O JPN esteve na sede para conhecer o projeto.
É nas traseiras do n.º 36 da Rua de São Vicente, em Fânzeres, que se localiza a sede da Academia D’Ouro – E9G, projeto de intervenção comunitária que ali opera desde outubro de 2023.
O pequeno espaço, dividido em áreas dedicadas a diferentes atividades e decorado com as cores vibrantes dos trabalhos manuais expostos, é um lugar familiar para os 207 inscritos que se já se juntaram ao projeto, número maioritariamente composto por jovens que habitam na freguesia e frequentam o espaço quase todos os dias.
A identificação de um vazio na oferta de atividades nesta freguesia do concelho de Gondomar explica a escolha da localização: “Não é a freguesia mais problemática de Gondomar, mas ao mesmo tempo não tinha nada”, descreve ao JPN a coordenadora do projeto, Áurea Almeida.
Projeto apoiado pelo Programa Escolhas
A análise ao território foi feita antes de o projeto se candidatar ao programa governamental que o financia, o Programa Escolhas.
Desenvolvido em 2002 pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), este programa tem como principal missão a inclusão de minorias, principalmente de crianças e jovens de contextos vulneráveis.
As metas da nona geração do programa dividem-se em dois campos: “educação, formação e emprego” e “dinamização comunitária e cidadania”, lê-se no site do IPDJ.
A Academia D’Ouro tenta alcançá-los através da sua própria meta, que as coordenadoras dizem ser “muito abrangente”: intervir no “sucesso escolar, em problemas de comportamento, na promoção da saúde mental e prevenção de situações de perigo” de crianças e jovens em exclusão social e também dos seus familiares.
“O nosso objetivo foi desenvolver uma resposta comunitária que envolvesse todos os participantes da socialização de um jovem: os professores, os familiares, os funcionários, a comunidade envolvente”, refere Áurea Almeida.
No diagnóstico que serviu de base à candidatura, ao qual o JPN teve acesso, foi destacada a “grande densidade populacional” da União de Freguesias de Fânzeres e São Pedro da Cova que, relativamente ao resto do município de Gondomar, tem a maior percentagem de residentes de idade até aos 14 anos (17,19%).
Quanto aos problemas encontrados, é referido o desemprego jovem, o segundo mais alto do município; os 76 processos que a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens instaurou no território em 2020; problemas como a violência doméstica e o absentismo escolar; e o relatório de indisciplina da escola EB23 de Santa Bárbara, que regista ocorrências frequentes no 3.º ciclo.
Áurea Almeida, coordenadora da Academia, e Sara Castro, psicóloga, estavam ambas a trabalhar na associação Gondomar Social quando, em 2019, foram destacadas para trabalhar no projeto que antecedeu a Academia D’Ouro.
Ainda membro da sétima geração, o projeto anterior durou até ao final de 2021. Em retrospetiva, a dupla identifica uma diferença saliente entre os dois projetos, sendo o mais recente fruto da evolução das metas do próprio Escolhas: a recente inclusão de mais atividades não diretamente relacionadas com o apoio ao estudo. “Sermos associados só a isso, não era o nosso objetivo nesta geração”, explicam.
Desporto e cultura atraem os jovens
O desporto e a cultura são dois focos dos projetos inseridos na nona geração do Escolhas. O primeiro, especialmente, tem feito sucesso na Academia D’Ouro: entre a criação de um clube de futsal que participa em torneios, o acesso a equipamento de ténis de mesa e a realização de treinos semanais de râguebi, Áurea e Sara consideram que os jovens “estão a aderir muito”.
“Identificamos isso como uma necessidade”, defendem, comparando a experiência que tiveram há três anos com o interesse que os jovens mostram agora pelas atividades desportivas. “Os miúdos não apareciam tanto porque achavam que só fazíamos trabalhos de casa e atividades que os pusessem a pensar. De repente, começam a aparecer e a aderir ao desporto e acabam por aderir às outras coisas”, observa Áurea Almeida.
“Desde que cheguei que tenho ido a todas as atividades no exterior”, confirma Joana Azevedo, de 14 anos, ao JPN. Acrescenta que o desporto a tem motivado a desenvolver outras competências, graças às regras que determinam as convocatórias para os jogos. “Tem sido bom, porque me ensina a melhorar as notas. Para eu continuar no futsal, tenho de melhorar as minhas notas. Então, estou a melhorar as notas.” Já Daniel Vieira, de 11 anos, é demasiado novo para participar nos torneios. No entanto, participa nos treinos e considera-os uma das melhores partes da Academia. “Pensava que isto ia ter menos coisas do que tem”, confessa ao JPN, mencionando o futsal como um dos aspetos que mais o surpreendeu.
No campo da cultura, a Academia procura desenvolver nos jovens o interesse pelas artes através dos “Ateliers d’Ouro” e do “Cinedebate“. “Tentamos que eles descubram algumas competências e até promover o gosto por estas áreas”, explica Sara. Enquanto os ateliês estão mais voltados para o incentivo à expressão artística através da realização de trabalhos manuais, o “Cinedebate” usa a sétima arte como base a partir da qual se aprende a debater e a expressar opiniões.
“Começamos com miúdos que entravam e nem nos dirigiam a palavra, e agora temos miúdos numa atividade como o Cinedebate que veem um filme e dizem: ‘Eu acho isto’.” Além disso, serve como um teste à capacidade de concentração. “Já conseguem ver o filme até ao fim. Era completamente impossível”, assegura Áurea.
No entanto, as ofertas da Academia procuram ir para além da sua sede, principalmente ao nível cultural. Leonardo Machado, de 13 anos, recorda com gosto a visita que fez com a Academia ao Auditório Municipal de Gondomar. “A [atividade] que eu mais gostei foi quando fomos ao Auditório de Gondomar festejar o mês contra os maus-tratos infantis. Recebemos um pin que eu tenho aqui na carteira, para me lembrar sempre. Fomos lá dançar e vimos um teatro”, conta ao JPN.
O objetivo é “que eles usufruam de coisas que, de outra forma, não usufruíram”, afirma Sara, mencionando as idas ao circo como outro exemplo disto.
Mais recentemente, com a interrupção letiva do verão, estas saídas tornam-se mais frequentes: “Já fomos ao parque aquático de Amarante, já iniciamos as idas à praia, estamos também a participar no Festival da Juventude organizado pela Câmara Municipal de Gondomar”, entre outros exemplos. Estão também agendadas visitas ao Jardim Zoológico, ao Parque Aventura da Lipor e a Serralves, conta Áurea.
EB Santa Bárbara é parceira
Apesar da variedade de ofertas da Academia, a intervenção no sucesso escolar e na parte comportamental destes jovens permanece como uma prioridade. “Primeiro, conquistá-los e depois trabalhar à volta disso” é a receita seguida.
“A escola é parceira”, afirma Áurea sobre a Escola Básica de Santa Bárbara, sede do agrupamento com o mesmo nome. “Quando se apresenta uma candidatura, é preciso fazer um consórcio. No nosso caso, é composto por cinco entidades, e uma delas é a escola. Achamos que faria sentido, no desenho do projeto, incluir a intervenção escolar”, explica.
Deram início a esta parceria em dezembro de 2023, quando tiveram contacto, pela primeira vez, com as turmas com as quais trabalharam no ano letivo que agora terminou.
“Fizemos uma reunião com o Gabinete do Aluno que nos sinalizou três turmas que beneficiaram da nossa intervenção. Começámos a ir em dezembro, semanalmente, na hora de Cidadania”. As atividades realizadas, contam, são propostas de forma a complementarem as características de cada uma das turmas, duas do sétimo ano e uma do oitavo. “Temos turmas em que a maior necessidade é criar o sentimento de empatia, outras em que é corrigir problemas de comportamento”, afirma. “Miúdos que na escola nunca tiveram 5 percebem que se se portarem bem e tiverem uma postura correta conseguem ter um 5”, conclui Áurea ao JPN.
Inscrições são gratuitas
“Há meninos que estão lá e vêm para cá”, diz Sara ao contar que é frequente a inscrição de jovens que conhecem a Academia através da escola. Joana representa um desses casos. “Eles iam lá à escola, e eu apareci aqui um dia.” Além disso, é comum que uns jovens apresentem outros ao projeto, como aconteceu com Sérgio, que inicialmente descreveu a Academia a Leonardo como uma “atividade no bairro para a juventude” e o convenceu a experimentar.
Leonardo sublinha que a gratuitidade da inscrição a tornou ainda mais atrativa: “Perguntei: “Paga-se alguma coisa?”. A Áurea disse que não. Foi por isso que me inscrevi”.
“Qualquer pessoa que tenha interesse em frequentar é só aparecer e consentir a partilha dos dados. Frequenta quando quer, nas atividades que fizerem sentido”, diz a coordenadora ao explicar o “regime muito aberto” das inscrições. “A única imposição é que têm de ter mais de seis anos”, remata.
Favorecer o sucesso escolar e o bom comportamento
A intervenção no sucesso escolar passa também pelas atividades desenvolvidas fora da escola. “Mentes D’Ouro” é o nome dado aos momentos na Academia exclusivamente dedicados ao estudo, desde a realização dos trabalhos de casa ao apoio à preparação para testes e exames.
A psicóloga Sara Castro fala numa necessidade de incluir atividades “mais dinâmicas para conseguir cativá-los”. Um exemplo disto é a “Hora do conto”, que se foca na leitura.“ Também treinamos aqui a interpretação”, conta Sara, acrescentando que “muitas vezes são eles que escolhem os contos.”
O plano para a inclusão digital é outra oferta que também tenta impulsionar o desempenho dos jovens na escola de forma apelativa, garantindo o acesso à internet e a recursos como a Escola Virtual.
Já o desenvolvimento da parte comportamental é assegurado pelas sessões semanais a que chamam “Assembleia D’Ouro”. À semelhança do que aconteceu este ano letivo na escola, as coordenadoras reúnem-se com os jovens para, através de notas de 0 a 5, discutirem o “comportamento da semana”. No entanto, não são eles os únicos avaliadores: “eles têm uma caderneta onde fazem esta autoavaliação, onde também é dada uma nota por nós e também é trazida uma nota de casa.” Esta última é dada “conforme as atitudes deles em casa: se ajudam os pais, como respondem aos pais”. Todas juntas, as notas dão uma média que vai para uma grelha que lhes é apresentada. Na escola, o formato era o mesmo, mas em vez de serem os pais a darem uma das notas, o professor ocupava esse lugar.
“É muito raro os miúdos serem confrontados com essas situações de pensarem no impacto dos comportamentos que têm”, afirma Áurea sobre as dificuldades iniciais, admitindo que agora é “completamente diferente”.
Escritos na primeira página das cadernetas, estão os critérios de cada nota. Quanto a agressões físicas, a regra é clara: “eles já sabem que na assembleia é um 0”. Desta forma, as coordenadoras consideram que já se construiu “consciência”: “Enquanto que no início tínhamos miúdos que se insultavam uns aos outros e chegavam à hora da autoavaliação e diziam que mereciam um 4, porque sabiam que era uma nota que lhes dava acesso a outras coisas, isso agora não acontece”.
Uma outra ferramenta para este fim são os Emblemas d’Ouro, uma coleção de dez pulseiras de cores distintas que representam, cada uma, uma competência que deve ser alcançada antes de se poder atar a fita correspondente ao pulso. Pretendem, tal como as restantes estratégias, estimular a melhoria de comportamentos, recompensando-a.
Oferecer um “espaço seguro”
“Já vemos evoluções muito grandes em alguns jovens”, avalia a psicóloga Sara Castro. Áurea Almeida partilha da opinião, explicando que sente que ver resultados “é o semear a semente e vê-la crescer”.
Ambas destacam a importância de assegurar que os jovens vejam o projeto como “um espaço seguro” onde é possível “desconstruir aquilo que eles sentem”, apesar de admitirem que gerir as emoções de várias faixas etárias ao mesmo tempo é a maior dificuldade. No entanto, consideram que “felizmente” o têm conseguido fazer. “É por isso que nos veem como figuras de referência. É por se sentirem ouvidos”, afirma Áurea.
Enquanto conta ao JPN que o novo foco da academia será “levá-los a conhecer o que há para além de Fânzeres”, pois “alguns nem sequer conheciam o centro de Gondomar” antes de lá chegarem, Áurea Almeida é cumprimentada com abraços pelos jovens que vão chegando à Academia no final de tarde de sexta-feira em que o JPN visitou as instalações. “É isto que me dá mais prazer”, afirma, referindo o “afeto” como um elemento importante do trabalho realizado.
Nos planos para o futuro deste projeto, que durará até setembro de 2026, está sobretudo a continuação da tentativa de incutir nos jovens a crença no valor da escola e dos estudos: “A educação é uma arma, acreditamos mesmo nisso”, concluem.
Editado por Filipa Silva