Em agosto, recuperamos alguns dos melhores trabalhos realizados no último ano. Durante a campanha para as Legislativas de março, o JPN conversou com os jornalistas José Manuel Mestre (SIC), António Pedro Santos (Lusa), Rita Tavares (Observador), Maria Lopes (Público) e Tomás Anjinho Chagas (Renascença) para saber sobre como se faz a cobertura de uma campanha.
Nem só de políticos se faz uma campanha eleitoral. É através da comunicação social – dos jornais, das rádios, das televisões, dos telemóveis – que as ações de campanha chegam à maioria da população.
Mas como é que é feito o acompanhamento da campanha? Ele difere de acordo com a natureza dos meios? À conversa com jornalistas de vários meios de comunicação, o JPN tentou responder a estas e outras questões que abrangem o jornalismo.
“Mudou tudo e não mudou quase nada”
José Manuel Mestre, jornalista da SIC, faz o acompanhamento de campanhas eleitorais para a televisão desde as eleições legislativas de 1995, altura em que acompanhou Jorge Sampaio. Desde então, “mudou tudo e não mudou quase nada”, confessou ao JPN. “Os partidos montavam as estratégias de campanha tentando tirar partido da força da imagem e do que a imagem valia. Se conseguissem pôr bandeiras à frente das câmaras para que poucos parecessem muitos, a coisa estava resolvida. O que mudou hoje é que os partidos continuam preocupados com isso, mas há uma maior preocupação com a mensagem política”, explicou o jornalista.
Para António Pedro Santos, fotojornalista da Lusa que já acompanhou todos os partidos em diferentes campanhas eleitorais, tem-se verificado uma diminuição no número de fotojornalistas que estão no terreno. “O que mudou foi o facto de sermos muito menos a fazer a cobertura da campanha. É muito raro encontrar colegas”. “Antigamente, éramos, pelo menos, uns dez. Hoje em dia, na maior parte dos trabalhos que faço para a Lusa, estou sempre sozinho”, confessou o jornalista.
Um meio que ganhou força ao longo dos anos foi a cobertura online. Rita Tavares, jornalista do “Observador” que faz campanhas desde 2004, momento em que acompanhou o candidato socialista António de Sousa Franco às eleições europeias, afirmou que “mudou absolutamente tudo” desde então. “A velocidade é muito maior. Na altura, trabalhávamos num jornal diário. Era intenso, tinha que escrever um texto todos os dias, mas não era hora a hora, minuto a minuto. Agora é completamente diferente”, contou a jornalista.
Em entrevista ao JPN, Rita Tavares contou como era fazer a cobertura de uma campanha eleitoral quando começou: “Na primeira campanha que fiz, lembro-me que, por exemplo, tinha um computador e um acesso à Internet em que ligava uma vez por dia para escrever o texto. Fazia uma ligação à Internet, sempre muito difícil, para enviar o texto à hora para que saísse na edição do dia seguinte”, explicou.
Maria Lopes, jornalista do “Público”, referiu que a primeira campanha que acompanhou foi a das eleições Europeias de 2009. Apesar de o online ainda não ter o peso que tem atualmente, já se iam “mandando alguns textos, mas não era uma cobertura como hoje”. Olhando em perspetiva para a evolução dos próprios recursos, a jornalista relembrou que “os telemóveis ainda não eram os mini-computadores com que hoje andamos no bolso”.
A cobertura jornalística não envolve só veteranos. Também se faz por jornalistas que estão a “começar”. É o caso de Tomás Anjinho Chagas, jornalista da Renascença que começou a cobrir campanhas eleitorais nas eleições legislativas de 2022. Apesar de ainda ter pouca experiência nesta cobertura, o jovem jornalista confessou que a pressão que se sente para lançar tudo mais rapidamente faz com que tenha de existir um rigor maior na hora de publicar a informação. “Queremos estar primeiro, mas estar primeiro significa priorizar o rigor acima da velocidade”, disse o jornalista ao JPN.
E dentro das ações de campanha, o que é mais desafiante?
Cobrir uma campanha para a televisão, a rádio, a imprensa ou em fotografia tem diferenças. Não só na forma como cada meio opera, mas sobretudo pelas particularidades que caracterizam diferentes ações de campanha, como uma arruada, um comício ou até mesmo a noite eleitoral.
Para a jornalista Maria Lopes, do “Público”, as arruadas são especiais uma vez que se “consegue às vezes apanhar uma ou outra história de pessoas que se dirigem aos líderes partidários ou pessoas com quem os líderes partidários falam”. Ao JPN, confessou também gostar “muito de andar na rua”, embora reconheça que o imediatismo de uma história que se encontra desse modo torna difícil a verificação da sua veracidade.
Opinião diferente tem o fotojornalista António Pedro Santos, que, quando questionado sobre o ambiente de uma arruada, respondeu no mesmo segundo e entre risos: “É terrível”. “Com todo o povo a querer chegar perto do líder, é uma confusão tremenda. Andamos ali aos encontrões uns aos outros, com respeito pela profissão, pelo lugar do outro. Mas, no fundo, queremos ter sempre o melhor ângulo”, revelou ao JPN o fotojornalista da Lusa. “Há outra coisa que afeta muito o nosso trabalho enquanto fotojornalistas. Há muitos jornalistas de televisões, das rádios, que estão sempre com os microfones em cima do candidato eleitoral. Então, é muito difícil conseguir uma foto limpa de microfones”, explicou.
António Pedro Santos admitiu que o mais desafiante no trabalho de um fotojornalista é conseguir “todos os dias descobrir um ângulo diferente tendo sempre a mesma personagem principal para fotografar”. O jornalista da Lusa explicou ainda que é preciso estar sempre atento aos momentos, uma vez que “há momentos que não se repetem e não se pode pedir ao Pedro Nuno Santos, por exemplo, para fazer exatamente a mesma expressão que fez no segundo anterior. Há momentos que ou captamos ou não captamos”.
Ainda sobre as arruadas, José Manuel Mestre diz que é preciso “ter os olhos bem abertos“. “Não perder nada. Perceber porque é que os candidatos estão a fazer determinadas coisas. Perceber se as pessoas que estavam lá apareceram naturalmente ou se foram plantadas. Portanto, fazer em permanência, ter um radar, fazer 360 graus à volta e não dar valor à bolha, que é criada, porque o que se passa na bolha não é relevante”, explicou. Para o jornalista da SIC, também a cobertura de um comício é “muito desafiante” pelo próprio descodificar de ideias.
Mas existe ainda um outro ângulo importante a ter em conta: “Se tiverem 200 pessoas e o partido escolher uma sala de 100, faz um comício a abarrotar em que saiu gente para fora. Mas com as mesmas 200 pessoas, escolher uma sala de 500 é um fracasso. Portanto, eles podem controlar perfeitamente a realidade”. Segundo José Manuel Mestre, a preocupação é que o jornalista “não se transforme num megafone, que é utilizado pelo protagonista para passar a sua mensagem sem descodificação, sem mediação, sem trabalho jornalístico”.
Diferentes meios, diferentes formas de trabalho
De um modo geral, cada uma das equipas dos diferentes meios de comunicação social é constituída por, pelo menos, duas pessoas. É o caso da televisão, onde a equipa é formada pelo repórter de imagem e pelo jornalista, e da imprensa (“Público” e “Observador”), em que existe um fotojornalista e um jornalista para cobrir a campanha eleitoral de cada um dos partidos. A rádio é, contudo, um meio diferente, contando apenas com um repórter por partido, como é o caso da Renascença e da Rádio Observador.
E a entreajuda entre meios? Existe? De acordo com Tomás Anjinho Chagas, jornalista da Renascença, entre os repórteres da rádio existe um espírito de cooperação, mesmo até em casos em que o trabalho não corre como esperado. “Já aconteceu várias vezes de ter um problema no gravador e, ou o colega da TSF passa-me o som, ou eu passo o som à TSF. Isso é completamente normal. Ninguém aqui está a distorcer a concorrência”, explicou ao JPN.
Mas não é só na rádio que se sente esta união. Dentro do fotojornalismo, existe também este espírito de equipa. António Pedro Santos reconhece que a competição dentro da profissão não encaixa com os seus valores. “Nunca assumi a minha profissão assim, querer fazer mais que os outros. Eu quero me destacar sim, mas pelo meu trabalho, não em prol de ou contra os trabalhos dos meus colegas”, afirmou. “Acho que somos menos competitivos, porque somos cada vez menos”, concluiu.
Histórias que ficam
Os anos vão passando e as experiências vão mudando, mas há sempre campanhas e histórias que ficam na mente dos jornalistas que, durante duas ou mais semanas, cobrem as campanhas eleitorais dos partidos.
António Pedro Santos recordou a campanha de Isaltino Morais para a Câmara Municipal de Oeiras, dizendo que foi uma das que o marcou particularmente. “Nessa campanha, havia uma coisa que nunca tinha visto. Ele andava pelas ruas, mas não era ele que ia ter com o povo, não era ele que ia ter com as pessoas, ele não andava a distribuir panfletos, eram as pessoas que iam ter com ele, sempre. Tal como se fosse uma figura muito conhecida. As pessoas iam pedir autógrafos, iam pedir para tirar uma selfie, ele é que era a estrela”, recordou o fotojornalista.
Já José Manuel Mestre, jornalista da SIC, recordou a campanha de Jorge Sampaio em 1995, a primeira da qual fez cobertura. “Era uma campanha muito empatada, aparentemente. E onde o candidato foi, se calhar, o mais genuíno dos candidatos. Ou seja, ele próprio tentou sair da sua bolha”, revelou o jornalista ao JPN.
Rita Tavares, jornalista do “Observador”, destacou a campanha de Mário Soares para as eleições presidenciais de 2006, relatando que “ninguém estava à espera naquela altura que se candidatasse”. “Acabei por ter ali uma oportunidade de ver o animal político, era como ele era conhecido, em ação no terreno. Foi uma oportunidade incrível para perceber como é que ele era, como é que discursava, como é que se movia”.
Editado por Inês Pinto Pereira