Ao JPN, Abílio Pereira Pacheco, também investigador na CoLAB Forestwise, explica que os incêndios em Portugal assumem enormes proporções por conta da grande "carga combustível" presente na floresta. Para o especialista são precisas novas políticas públicas para ocupar o território e promover uma melhor limpeza dos terrenos.

Governo promete adotar medidas que defendam a floresta.

Este ano já ardeu quatro vezes mais área do que em 2023. Foto: Oscar Anton/Flickr

Abílio Pereira Pacheco, professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e investigador CoLAB Forestwise, acredita que os fogos descontrolados que o país enfrenta podem ser combatidos através da “valorização do território”, que passa por “criar condições para que se desenvolvam atividades que por si só reduzam a carga de combustível [na floresta] de forma indireta”.

Trata-se de “pensar em atividades que sejam economicamente rentáveis e que possam existir no interior que, naturalmente, vão conduzir à redução de combustíveis. Há coisas muito diretas como, por exemplo, o pastoreio – o próprio animal está ali a comer a vegetação -, e há coisas mais indiretas, como o parque fotovoltaico. Atividades ligadas ao turismo, resinagem, etc., que para existirem temos de assegurar matos baixos. Temos de os cortar, não porque queremos baixar a carga de combustível, mas porque queremos assegurar atividades que são rentáveis por si”, explica em declarações ao JPN a propósito dos grandes incêndios que lavraram há uma semana em Portugal.

Ao longo da sua investigação, o especialista constatou que um dos grandes problemas do país centra-se na existência de uma elevada “carga combustível”, que pode ser traduzida em “mato”.

O investigador explica que este problema nem sempre provém da negligência, mas do fim de certas dinâmicas económicas: “Até aos anos 60, as populações rurais tinham necessidade de ir buscar mato ao monte. Ao ponto de até se vender mato, porque este não existia em quantidade suficiente. O mato resultava em estrume que era usado como fertilizante dos campos, ou seja, não podíamos fazer agricultura sem estrume. Isto era perfeito”, observa.

Havia os mesmos incêndios que há hoje, só que como não havia condições para se transformarem em grandes incêndios, eram fáceis de apagar ou apagavam-se a si próprios”, conclui Abílio Pereira Pacheco.

O docente universitário justifica o fim desse “ciclo económico” através do “aparecimento da tecnologia, por exemplo, os fertilizantes e os tratores” e “do êxodo das populações das áreas rurais para as cidades”.

Quando questionado sobre as possíveis soluções para a redução desta “carga combustível”, Abílio Pereira Pacheco prioriza “políticas públicas que favoreçam a valorização do território” contrárias às aplicadas atualmente que passam por “passar multas às pessoas que não fazem determinadas coisas”.

O académico salienta que nem todos os cidadãos conseguem aplicar as medidas impostas: “As pessoas idosas, por exemplo, com reformas baixas não vão conseguir fazer as limpezas [dos terrenos] constantemente. Até para isso deveriam existir políticas públicas”, reforça.

Desta forma, sugere possíveis medidas a serem realizadas: “Aquilo que está se está a fazer para os jovens na compra de casa, podia ser feito para a instalação de certo tipo de empresas em determinadas zonas, ou apoiar a natalidade em zonas mais interiores do que em zonas litorais”, exemplifica.

“Estamos muito longe da situação de 2017”

Segundo o Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS), em 2024 já arderam 145.763 hectares, o que posiciona este ano como o quarto pior da década em termos de área ardida.

Contudo, Abílio Pereira Pacheco recorda os incêndios florestais de 2017 para notar que o país está ainda “longe” desse ano fatídico: “A área média que arde em Portugal é na ordem dos 100.000/120.000 mil hectares. Em 2017, só no espaço de 24 horas, do dia 15 de outubro para o dia 16, arderam dois anos, 240.000 hectares num dia. Ainda não chegamos ao fim deste período, mas neste momento devemos estar na ordem dos 150.000 hectares em cerca de quatro dias, ou seja, estamos muito longe da situação de 2017.”

As causas dos incêndios são uma discussão comum, sempre que o fenómeno assume proporções como as da semana passada, quando, além da extensa área ardida, se perderam cinco vidas humanas – de quatro bombeiros e um civil -, múltiplas casas e projetos de vida. Na declaração que fez ao país na quarta-feira (18), o primeiro-ministro Luís Montenegro virou as atenções sobre o fogo posto, deixando a promessa de “ir atrás” de quem ateia fogos e dos interesses particulares que “sobrevoam” os incêndios.

Ora, sabe-se ainda pouco sobre o que esteve na origem das ignições da semana passada – na altura da declaração do primeiro-ministro sabia-se ainda menos – mas a mão criminosa não é, de acordo com as estatísticas conhecidas, a principal causa dos incêndios em Portugal. Por outro lado, como aponta Abílio Pereira Pacheco “o número de ignições [no país] diminuiu para um terço” no espaço dos últimos 10 ou 15 anos, pelo que o foco, na visão do especialistas, deve estar sobre aquilo que potencia que uma ignição se transforme num grande incêndio, e isso é, na sua opinião, a quantidade de mato que se acumula nas florestas e terrenos em Portugal.

Para além disso, o especialista salienta que nem sempre a percentagem da área ardida é proporcional à percentagem da causa que deu origem à ignição, ou seja, “olhando para os dados de há uns dias atrás – certamente que estes dados vão mudar – tínhamos 1% de causas naturais que deram origem a um terço da área ardida”, como é possível confirmar na seguinte imagem.

Área ardida por tipo de causa e nível severidade metrológica Foto: SGIF

De modo mais detalhado, Abílio Pereira Pacheco explica ainda ao JPN as principais causas que levam aos incêndios. Não há dúvida de que a intervenção humana é a grande responsável pelo deflagrar de incêndios, mas é muito mais significativo o fator negligência do que o intencional, além de que, no intencional, há um peso muito grande de comportamentos associados a dependências e distúrbios.

“Um a 2% [dos incêndios] advêm de causas naturais, sendo que 98% são de origem humana. Dentro destes 98% mais de 50% são negligentes e 30% são intencionais”. Considerando que nas causas intencionais podem ser diferenciados os atos irracionais, isto é, a pessoa tem “uma perturbação mental”, e os atos racionais, onde “a pessoa decide racionalmente fazer aquilo para prejudicar alguém”, explica.

Apesar dos dados confirmarem que Portugal tem feito um caminho na prevenção dos incêndios, Abílio Pereira Pacheco admite que “há muitas coisas que poderiam ser feitas” para alterar o cenário que se repete ano após ano no país.

Editado por Filipa Silva