O movimento Porta a Porta organizou, no passado sábado (28), uma manifestação em 22 cidades do país. No Porto, milhares de pessoas saíram à rua para exigirem uma diminuição das rendas, mais alojamento estudantil e o fim dos despejos.
A frase “Casa é para morar, não para especular” foi uma das que mais se ouviu no sábado (28), no centro do Porto, no âmbito de uma manifestação nacional organizada pelo movimento Porta a Porta em 22 cidades do país. Milhares de pessoas saíram para as ruas com o objetivo de reivindicarem o direito à habitação.
No Porto, uma multidão percorreu o trajeto da Praça da Batalha até à Avenida dos Aliados com faixas e cartazes erguidos em protesto contra a especulação imobiliária, o fim dos despejos e a exigirem um maior parque público de habitação.
Ao JPN, Raquel Ferreira, 30 anos, porta-voz do movimento, reclama mais ação do poder executivo: “Saímos à rua para que, de uma vez por todas, os responsáveis políticos nos ouçam e tomem medidas.”
A poucos dias da entrega do Orçamento do Estado para 2025, marcada para 10 de outubro, Raquel Ferreira admite que a “data [da manifestação] não foi escolhida ao acaso” e que pretendem “trazer o tema da habitação para cima da mesa” de forma a que o Governo, “de forma séria e comprometida”, consiga encontrar uma “solução para todos”.
Quando questionada pelo JPN sobre a promessa da construção de “58.993 casas até 2030”, a porta-voz do movimento Porta a Porta afirma que são necessárias “soluções no imediato porque as pessoas que estão na rua não vão poder esperar até 2028 ou 2030 para ter uma casa”.
Precariedade habitacional, discriminação e sentimento de insegurança
João Carlos, 56 anos, esteve presente na manifestação. Ao JPN, relatou a sua situação de precariedade habitacional, assumindo que vive há dois meses no Aeroporto Francisco Sá Carneiro devido à falta de apoio. “A gente pede apoios e não há apoios, não há onde dormir”, explicou, mencionando as dificuldades financeiras que o impedem de arrendar uma casa: “Como é que eu tenho possibilidade de dar 800 euros? Porque são 400 euros de entrada e 400 euros de caução.”
O manifestante criticou as associações que, segundo ele, lucram com a pobreza, sem realmente ajudar: “Há associações aqui no Porto que estão a viver à custa da pobreza e dos sem abrigo”, acusou.
Também, Ludmila Maia, de 66 anos, partilhou as dificuldades que enfrenta como imigrante na procura por habitação, afirmando que, apesar de estar no país “há mais de nove anos”, não tem “um histórico financeiro em Portugal” e que, por isso, enfrenta mais “desconfiança” por parte dos senhorios. Ludmila admitiu que sente discriminação por ser brasileira: “O primeiro apartamento que eu vim alugar, foi a minha nora que é portuguesa que ligou e disse que era para a sogra que é brasileira e o proprietário disse: ‘para brasileiros não alugo'”, conta ao JPN.
Além das dificuldades enfrentadas por Ludmila, também há um sentimento de insegurança entre aqueles que, mesmo conseguindo pagar a renda, vivem com o receio de perderem a casa. João Serra, 30 anos, destacou que, apesar de ele e a sua companheira conseguirem “pagar [renda] e fazer uma vida confortável, no mínimo dos possíveis”, o maior problema é a incerteza de manter a habitação: “Não sabemos se o valor da renda se vai manter daqui a meio ano ou para o ano seguinte, se nos vão despejar de casa.” A constante renovação anual dos contratos traz um sentimento de instabilidade que afeta não apenas o presente, mas também o planeamento a longo prazo.
Não sabemos se o valor da renda se vai manter daqui a meio ano ou para o ano seguinte, se nos vão despejar de casa.
Exigido mais alojamento estudantil
O testemunho de João Santos, 21 anos, e Bárbara Rodrigues, 22 anos, ambos estudantes deslocados ilustra como a crise na habitação pode ser “entrave para estudar no ensino superior”.
João Santos é natural de Lamego e está, neste momento, a estudar psicologia no Porto. O universitário contou ao JPN uma experiência “complicada” que viveu durante o verão, quando o seu senhorio quis aumentar a sua renda: “Tinha casa desde 2021 e estava a pagar 300 euros, mas vi-me numa situação preocupante e tive de procurar casa, e tudo o que encontrava com a mínima decência era de 350 euros para cima.”
Bárbara Rodrigues veio de Almada, Lisboa, para estudar arquitetura, no Porto, e reflete sobre o facto de os jovens se verem obrigados a conciliar a faculdade com um trabalho que os ajude a suportar as despesas: “A maior parte dos estudantes têm de trabalhar enquanto estudam, o que acaba por fazer com que eles não tenham melhor aproveitamento escolar. Por isso, demoram mais tempo a acabar o curso e a conseguir entrar no mundo profissional.”
Proposta do aumento da Taxa Municipal Turística
No que diz respeito ao turismo e, após ser questionada sobre a proposta do aumento da Taxa Municipal Turística pela Câmara Municipal do Porto, Raquel Ferreira salienta que “problema essencial não é o turismo”, mesmo considerando que este “agrava um pouco a situação”.
A porta-voz do Porta a Porta afirma que “os principais fatores são a falta de investimento que se tem vindo a observar ao longo dos anos, também os benefícios fiscais para os residentes não habituais, os nómadas digitais, os vistos gold que são um dos grandes impulsionadores dos preços das casas” e reconhece que “ao contrário do que muita gente pensa não é o turismo em si [o problema] porque o país também precisa do turismo para se desenvolver economicamente”.
Até ao momento, esta é a quarta manifestação organizada pelo movimento Porta a Porta, que nasceu em 2023, e que lançou a petição Casa para Todos para “levar o tema da habitação a discussão na Assembleia da Républica”. “É necessário que as pessoas mesmo que não estejam a passar por dificuldades no acesso à habitação que estejam solidárias com quem realmente precisa e que na verdade é grande parte da população”, conclui Raquel Ferreira.
A manifestação que terminou por volta das 18h00, na Avenida dos Aliados, com a música de Zeca Afonso, “Grândola, Vila Morena”, deixou eco dos gritos de protesto pela cidade do Porto, relembrando o país que a “habitação é um direito, sem ela nada feito”.
Editado por Filipa Silva