Na semana em que foi lançada a funcionalidade que permite aos estudantes do Ensino Superior requererem cheques-psicólogo ou cheques-nutricionista, o JPN entrevistou o diretor dos Serviços de Ação Social da Universidade do Porto, por onde vai passar a medida do Governo. A medida é bem-vinda, mas José Miranda Coelho ressalva que a UP tem capacidade de resposta instalada. Nesta entrevista, falou-se também de bolsas e de alojamento estudantil. Futura residência da Asprela já não será financiada pelo PRR.
JPN – Uma vez que os Serviços de Ação Social já prestam apoio médico e psicológico, o que é que lhe pareceu esta medida do Governo, de atribuir cheques-psicólogo e cheques-nutricionista aos estudantes do ensino superior?
José Miranda Coelho (JMC) – Esta medida é generalista e, por isso, aplica-se a todo o país, mas haverá instituições de ensino superior onde já havia atividade nestas áreas e a Universidade de Porto era uma delas. Temos uma atividade intensa em anos anteriores, até esta data, e continuamos a ter, quer na área da Psicologia, quer na área da Nutrição, quer noutras áreas. Mas esta existia e era de grande intensidade. Dou-lhe um número apenas para ter uma referência. No ano passado, teremos feito cerca de 8.500 consultas na área da saúde e cerca de metade foi na área da psicologia e da psiquiatria.
Também temos um acordo com o Centro Hospitalar do Porto, o Hospital de Santo António e o Magalhães Lemos, para situações em que é necessário recorrer à psiquiatria. Portanto, mais de metade das consultas, foram dadas nestas áreas. Realidade que vem vindo a crescer ao longo dos anos. Por isso, digamos que, no nosso caso, tínhamos já uma capacidade instalada muito significativa para dar resposta àquilo que são as necessidades da universidade. Mas aderimos naturalmente ao programa, porque nos permite alargar mais esta capacidade de resposta e, por isso, cá estamos para o implementar também.
JPN – E quanto é que vai permitir alargar essa capacidade? Quantos cheques-psicólogo e quantos cheques-nutricionista vão ser atribuídos aos estudantes da Universidade do Porto?
JMC – A atribuição dos cheques, seja na área da Psicologia, seja na área da Nutrição, foi feita a partir de uma distribuição em função do número de alunos inscritos no ano de 2023/2024. Tiveram que utilizar um referencial, usaram esse.
Genericamente, se cumprirmos, no que respeita à Psicologia, os dois cheques de análise e depois os dez cheques de tratamento, ou metade disto no que respeita à Nutrição, com um cheque e mais cinco, nós podemos atingir até um global de 800 estudantes – 800 para psicologia, 800 para nutrição [a Direção-Geral do Ensino Superior reservou à volta de 9.500 cheques-psicólogo e 4.750 cheques-nutricionista à UP].
É muito ou pouco? Francamente, não lhe consigo dizer neste momento, porque temos instalada capacidade de resposta para o número de consultas que há bocadinho lhe transmiti. Não sei qual vai ser a adesão e por isso vamos ver, mas cá estaremos para dar a melhor continuidade ao programa.
JPN – E, nesta altura, um estudante que se dirige aos Serviços de Ação Social com o intuito de ter apoio psicológico ou nutricional, é encaminhado para essa via?
JMC – Não. É assim: se o estudante se desloca aos SASUP, nós faremos o encaminhamento através da nossa oferta, que é gratuita. Se vier por via da plataforma que foi colocada hoje mesmo no ar, então, daremos o encaminhamento. Sendo certo, que perguntaremos sempre ao estudante se tem interesse em continuar o processo por essa via ou – pode não conhecer – se prefere seguir pela oferta que temos aqui nos SASUP. Estamos abertos a qualquer das soluções. Porque há uma coisa: um processo, nomeadamente na área da psicologia, muitas das vezes não são dez consultas que resolvem o problema, seja ele qual for, ou pelo menos muitos deles. E, por isso, é um acompanhamento de maior dimensão. E, por isso, não temos ainda resposta sobre o que vai acontecer no final das dez consultas, se entretanto terminarem, certo? Do nosso lado, continuaremos a acompanhar todos os estudantes que se nos dirijam para ter a resposta adequada nestas áreas.
JPN – E sentiram alguma diferença ao nível da procura de informação?
JMC – De procura de informação, sim. Têm-nos contactado para saber se já há informação, como é que vai ser. Agora, em termos de procura daquilo que é a nossa oferta que temos aqui internamente, não sentimos nenhuma alteração.
JPN – A plataforma está, então, online desde hoje [terça-feira, 1 de outubro].
JMC – Desde hoje, exatamente. Era o que estava previsto. A plataforma foi foi produzida pela AMA, e lançada pela DGES.
JPN – Já me deu alguns números, mas uma das críticas que já registei de alguns estudantes acompanhados por psicólogos dos Serviços da Ação Social tem a ver com o espaçamento entre consultas e a ideia que têm é que o espaçamento não pode ser mais curto justamente porque o número de profissionais que existe é insuficiente para a procura. Esta nova medida pode ajudar de algum modo?
JMC – O plano de consultas é definido pelo técnico e nós não interferimos, naturalmente, e não me tem chegado nenhuma questão relativamente a essa questão. Por isso, as consultas são marcadas de acordo com o planeamento [do técnico]. Agora, é evidente que sempre que a oferta for maior, maior é a possibilidade de tornar as consultas mais frequentes. Agora, não é a frequência exclusiva das consultas que resolve a questão. É preciso também perceber o trabalho que tem que ser feito com o estudante para ajudar a resolver as questões.
JPN – E quantos psicólogos têm os SASUP?
JMC – Cinco, neste momento. São cinco.
JPN – E as faculdades também têm?
JMC – Também têm. Estou a falar só no que diz respeito aos Serviços de Ação Social. A universidade, no seu todo, através das faculdades, tem mais técnicos da área de psicologia que trabalham, quer, por exemplo, nas necessidades que têm a ver com Psicologia Clínica, mas também com outras áreas da Psicologia, como as opções que os jovens possam querer analisar em termos do seu futuro e outro tipo de ofertas que as faculdades em particular dão.
JPN – Para fechar o tema, a saúde mental tem sido um tópico cada vez mais falado. Do lado dos Serviços, isso sente-se na comunidade académica, um aumento das necessidades, da procura ou da gravidade dos casos?
JMC – Nós temos sentido uma procura contínua e não decrescente, de todo, em particular após a pandemia. Mesmo no ano da pandemia, em que muitos serviços estiveram encerrados ou quando se fez exclusivamente à distância, as consultas da área da psicologia continuaram a crescer. Nessa altura, faziam-se as consultas quase exclusivamente por via digital, mas continuaram a crescer. Esta é uma realidade que com a pandemia ganhou nova visibilidade.
Eu tenho para mim que, provavelmente, [o problema] antes vivia um bocadinho encapotado. Agora, deixou de ser assim e tornou-se muito mais visível. Por isso, a procura é consistente. Quanto à questão da gravidade, não creio que a situação seja tão divergente assim. O que era grave agora, também já era grave na altura. A questão tem a ver com o acompanhamento, se o acompanhamento existia ou não existia. E agora existe mais.
JPN – Sobre as bolsas de estudo. Segundo os números que a Direção-Geral do Ensino Superior disponibiliza, na Universidade do Porto já há 6.200 pedidos de bolsa. Mas sobretudo chamou-me a atenção que os números do ano letivo passado nos digam que a Universidade do Porto é aquela que mais bolsas de estudo atribui, não sendo a maior universidade do país. O que é que isto nos diz sobre a base social da Universidade do Porto?
JMC – A base social da Universidade do Porto é bastante mais heterogénea que noutras universidades. Nós temos, como sabe, das notas mais altas de entrada. E, por isso, quem nos procura é porque quer aqui estar. E isso atravessa os níveis sociais todos. E, por isso, temos, de facto, um número de bolseiros significativo. Mais de 5 mil bolseiros no ano passado [5.763]. O número, não sendo, em termos percentuais, o mais alto, é, em termos absolutos, o número mais alto.
JPN – E tem havido um crescimento também?
JMC – Não. Num ano, mais 100, no outro ano, menos 100… não tem variado muito na ordem de grandeza.
JPN – Relativamente ao alojamento, pegando também numa notícia recente, um acordo assinado entre a UP e a Livensa Living, na Asprela, vai permitir um aumento de 100 camas.
JMC – Já está. Já estão ocupadas.
JPN – Porque foram encaminhados para estes 100 lugares, os que estavam em espera e não tinham lugar nas residências, é isso?
JMC – Claro, exatamente. Tratou-se de um programa também do Governo, que é o programa “Alojamento Estudantil Já” e que tem duas vertentes. Uma delas, é este Eixo 2, que responde a parcerias com entidades privadas, públicas, instituições de solidariedade, seja quem for. Nós tentamos, aqui no Porto, encontrar entidades que nos pudessem fornecer um número de camas significativo. E, de facto, quem encontramos foi com a Livensa, com quem firmamos este acordo, para 100 camas e estas já estão em execução.
Devo dizer, que continuamos ainda à procura de mais algumas. Já vemos como difícil encontrar uma [parceria] com a dimensão desta, mas vamos procurar no mercado aqui do Porto.
JPN – Com estas camas, as das residências e das outras parcerias [130 camas], nesta altura, quantas camas têm ocupadas por estudantes e qual é a lista de espera, por assim dizer?
JMC – É difícil quantificar a lista de espera, por uma razão muito simples: o que era a lista em maio é evidentemente diferente de agora. Os estudantes foram encontrando alternativas. A nossa prioridade é conseguir alojar os bolseiros que estão deslocados e que se candidatam às nossas instalações. O número anda normalmente à volta de 900 bolseiros, que nos pedem alojamento para as nossas residências. O número tem sido mais ou menos estável ao longo dos últimos anos. Esses, neste momento, estão alojados, mas esses não são os únicos que temos que alojar. Temos que alojar alguns internacionais, por protocolos que temos, e podemos alojar e devemos alojar, tanto quanto possível, não-bolseiros que também se candidatam às nossas residências.
Nesse conjunto todo, neste momento, nós temos ocupadas sensivelmente 1.200 camas, já considerando essas cem de que estávamos a falar. E é, digamos, a oferta que temos neste momento.
JPN – E se tivesse o dobro das camas, estavam todas ocupadas?
JMC – Não, isso também não é verdade. Ou melhor, não sei se é verdade. Nós colocamos aqueles que, obviamente, têm maior dificuldade, e esses que precisam de um apoio mais direto, são os que têm origem na questão da bolsa. Mas a bolsa vai ter um determinado valor de capitação. A partir daí, não tendo bolsa, para muitos deles continua a ser uma necessidade enorme a questão do alojamento. Só que, não termina aí, há outras ofertas aqui no Porto que não sejam só as nossas, naturalmente. A situação não se revê numa mera multiplicação. Agora, era importante, e se calhar era interessante, que nós tivéssemos a capacidade de ir ao mercado com mais camas do que aqueles que temos no dia de hoje, até para encontrar este segmento de pessoas que têm necessidades objetivas e gostariam de ter, com um preço mais adequado, a instalação aqui na cidade.
JPN – Há alguns projetos também em curso, nomeadamente a beneficiar do PRR. Pode fazer um ponto de situação relativamente a esses?
JMC – Nós temos dois tipos de situações. Temos as novas residências, uma delas já foi concluída, foi a primeira, a da Ventura Terra. Temos agora a Boa Hora, que está quase em fase de poder avançar. E temos remodelações das outras residências. Temos uma a executar-se já, que é a do Campo Alegre, que está a decorrer, e brevemente imaginamos poder entrar nas outras três que vão ser remodeladas: uma que é a Jayme Rios de Sousa, lá em cima no Covelo, e depois a Alberto Amaral e a Novais Barbosa.
JPN – Mas a da Boa Hora fica concluída quando?
JMC – A perspetiva da Boa Hora é que possa estar concluída no princípio de 2026.
JPN – E não havia uma nova na Asprela?
JMC – Exatamente, mas essa da Asprela é impossível o timing para a sua concretização dentro do PRR. Nós não vamos abandonar a residência, mas não vai ser feita com este financiamento, porque não há condições objetivas [para a terminar dentro dos prazos impostos pelo PRR]. O projeto continua a ser elaborado, mas vamos encontrar outros fundos de financiamento. Não abandonamos a residência. Vamos encontrar outros fundos de financiamento. Porque o PRR, entretanto, em 2026 terminará.
JPN – Uma última questão que decorre da última entrevista que tivemos a oportunidade de fazer ao diretor do SASUP, neste caso ao o Dr. João Carvalho que o precedeu, e que na altura, em 2020, em plena pandemia, nos confessava que a situação financeira dos Serviços de Ação Social era “dramática”. Como estão agora as coisas em termos financeiros?
JMC – Vou utilizar uma expressão que não é minha, é do reitor da Universidade de Porto: a Ação Social nunca deixará de ter dinheiro para cumprir a sua função. E é rigorosamente este enquadramento com que nós trabalhamos aqui. Temos que fazer o melhor possível no quadro dos meios financeiros que há, naturalmente, mas sempre com uma certeza: a Universidade do Porto não regateará nenhuma verba para cumprir aquilo que é o objeto da ação social, porque é absolutamente determinante, desde logo, pelos números que há um bocadinho se enunciou, quando disse o número de bolseiros que a Universidade do Porto tem. E por isso, por tudo isso, é absolutamente decisivo que a ação social tenha um papel ativo, relevante, no âmbito do quadro da nossa Universidade.