Conferência comemorativa dos 20 anos do JPN juntou Carlos Daniel (RTP), Abel Coentrão (freelancer), Estela Machado (Porto Canal), Inês Cardoso (JN/Notícias Ilimitadas) e Maria João Cunha (Renascença) na Faculdade de Letras da Universidade do Porto para debater o presente e o futuro do jornalismo, com foco sobre o valor da proximidade na informação.

A mais-valia de fazer um jornalismo próximo das pessoas, tanto na geografia como nos temas abordados, e a oportunidade que o local dá para fazer histórias diferentes das que marcam as agendas dos media nacionais foram alguns dos aspetos sublinhados pelos convidados da conferência “Jornalismo local para consumidores globais: um olhar a partir do Porto” que lotou, esta segunda-feira (7), o Auditório Nobre da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Foi o segundo debate organizado no âmbito dos 20 anos do JPN, e foram as mudanças a que o jornalismo assistiu neste espaço de tempo que marcaram o arranque da sessão, moderada pelo jornalista da RTP, Carlos Daniel.

À jornalista Maria João Cunha, que fez parte da primeira equipa redatorial do JPN, quando o projeto foi criado, em 2004, coube a primeira intervenção. Sobre essa “revolução extraordinária”, como a classificou Carlos Daniel, a que o jornalismo assistiu nos últimos 20 anos, a atual chefe de redação da Rádio Renascença referiu que “o JPN foi uma escola que permitiu ganhar o gosto e ver que havia, nesse espaço que misturava formatos e plataformas, que havia caminho para produzir de forma diferente”.

Inês Cardoso, ex-diretora do “Jornal de Notícias” – deixou o cargo no início deste mês para assumir a direção-geral editorial da Notícias Ilimitadas, que detém, entre outros títulos, o “JN” – recordou que o diário que tem sede no Porto “foi o primeiro jornal do país a ter um site”. E concordou com Maria João Cunha numa coisa: a “mudança tem sido muito rápida”, mas o “bom jornalismo” continua a fazer falta.

“Acredito muito que há futuro, que há caminho e uma das chaves para esse caminho é a proximidade, seja a proximidade territorial, seja na proximidade em relação àquilo que interessa às pessoas”, afirmou.

(Da esq. para a dta.) Carlos Daniel, Estela Machado, Inês Cardoso, Maria João Cunha e Abel Coentrão. Foto: Raquel Sousa/JPN

Abel Coentrão, que deixou recentemente o jornal “Público”, onde foi sub-editor da secção Local Porto, para se tornar freelancer, criticou o “problema de haver demasiados a dizer a mesma coisa ao mesmo tempo” na comunicação social. E acrescentou que o jornalismo pode ter “um papel revolucionário”: “o que vai ser importante é que usemos as competências que não são ainda assimiladas por máquinas – as de conseguir fazer escolhas, as de conseguir ser honesto e dizer ‘não quero saber daquilo, porque aquilo já está sobre representado no espaço público’, ou ir lá confirmar se estão a dizer verdade ou mentira -, isso é um papel e é relevantíssimo. Pensar: ‘tenho que escavar, porque aqui por baixo há pessoas que estão a ser afetadas pelo que eles dizem, pelo que eles fazem, por aquilo que eles decidem. E é preciso, no fundo, trabalhar quase no submundo”, observou.

Estela Machado, diretora de Informação do Porto Canal, também falou do valor da proximidade, “fundamental” num canal de vocação regional, que tem a particularidade de ser detido por um clube de futebol, o FC Porto.

“Há alguns anos, houve uma aposta na diversificação de correspondentes, que neste momento não existe porque não existe capacidade financeira”, começou por explicar, acrescentando que o que têm nesta altura são duas equipas móveis, uma a cobrir o Noroeste – Vila Real, Bragança – e outra no Minho. “A nossa principal aposta acaba por ser o centro urbano, a área metropolitana, e não é igual, eu não vos posso mentir”, assumiu a jornalista. Resta saber que planos terá a nova direção do FC Porto relativamente ao modelo que o canal tem implementado, sendo certo que o Porto Canal beneficiaria, na visão da sua diretora de Informação, de “jornalistas especializados”.

“Arrisco-me a dizer, se não for mais elevada a percentagem, que 95% dos nossos jornais têm aberturas locais/regionais. É a nossa opção, uma escolha de proximidade, mas não temos capacidade para ter jornalistas mais especializados exatamente por isso, por constrangimentos orçamentais”, completou.

Sobre o valor dos correspondentes falou também Maria João Cunha, que fez um retrato do que é hoje a equipa de Informação da Renascença e a sua dispersão pelo território. “Neste momento, a Renascença tem cerca de 60 jornalistas. Portanto, não estamos a falar de uma redação tão grande como foi no passado. No Porto, trabalham cerca de 20 jornalistas, portanto, temos um terço da nossa força da informação no Porto”, referiu.

“Nós mantemos na Renascença pessoas localmente, que fazem toda a diferença na produção. O acesso às fontes é completamente diferente quando temos jornalistas de fora que vêm para os sítios tentar fazer uma história, ou quando são jornalistas que trabalham as suas fontes ali. Os meios beneficiam disto. É evidente que estão num conflito muito grande entre otimização de recursos e esta capacidade e necessidade de conseguirem chegar melhor às histórias, à informação. É muito difícil. Nós vamos mantendo em Braga, em Viseu, Guarda, Chaves, Castelo Branco, às vezes em funções diferentes. Temos um jornalista na área digital que está em Castelo Branco”, exemplificou.

Auditório Nobre encheu-se de estudantes para assistirem à conferência.

A marca “mais territorial” do JN foi também fundamental, na opinião de Inês Cardoso, para o diário suportar a onda de choque que sofreu há cerca de um ano, quando foi confrontado com a ameaça de um despedimento coletivo. “Isso aconteceu quando o JN tinha resultados francamente positivos. Estamos a falar na casa dos três milhões de euros positivos por ano. E essa é uma singularidade que torna o caso do JN mais difícil de entender. Houve claramente uma opção por parte de uma administração que não entendeu o que era o JN”, disse ao presentes, para concluir que “foi essa identidade muito própria e a vinculação a uma região e a um modo de fazer jornalismo de proximidade que permitiu ao JN receber o apoio público, o apoio dos leitores e devo dizer-vos, foi algo que me vai marcar para a vida, a quantidade de emails e de mensagens de leitores que recebemos nos momentos agudos da crise do JN”, recorda a à altura diretora do JN.

Indiscutível também é que a rede de representação do JN no território, como a de outros órgãos de comunicação social, emagreceu muito com o tempo e isso tem um preço na representatividade das populações: “Era, de facto, uma rede gigantesca, muito capilar e que com o tempo foi sofrendo estreitamentos. As pequenas redações foram fechando. Quando havia dificuldades, onde se cortava era nessa rede. Até que chegámos a um momento em que percebemos que estávamos a ficar cegos em relação ao que estava a acontecer no território. Portanto, o movimento recente, precisamente este desde que estou na direção, foi de recuperação com a colocação de correspondentes nesses locais que tínhamos estado a fechar. E é um movimento  que foi essencial precisamente para a sobrevivência do JN”, rematou.

O financiamento é, continua a ser, uma das grandes questões por resolver no jornalismo, e um grande obstáculo para os que, como Abel Coentrão, se ‘aventuram’ no trabalho a solo. Para o jornalista natural das Caxinas, é preciso fazer melhor: “Temos o privilégio de sermos os intermediários entre boa parte das pessoas que querem dizer alguma coisa e a maioria das pessoas que querem ouvir alguma coisa. Apareceram imensos atores no meio a querer fazer esse papel com atribuições diferentes, com estatutos diferentes, não obedecendo a códigos editoriais  ou deontológicos, porque vêm de outras áreas, não são jornalistas. E isso torna-nos menos relevantes por um lado, mas mais relevantes por outro. Menos relevantes, porque somos uns entre muitos. Mais relevantes, porque temos que ser melhores.”

Perante uma plateia cheia de estudantes de Ciências da Comunicação, os profissionais do painel foram sublinhando as características que entendem ser fundamentais para se ser bom jornalista: “gosto pelo trabalho”, “formação contínua” e “multidisciplinar”, “paixão”, “qualidade”, “humanidade”, “conhecimento”, “curiosidade”, “rigor” e, palavra muito repetida na sessão, “honestidade”.

Da plateia, no final, vieram questões sobre jornalistas-comentadores, integração de pessoas com deficiência nas redações, falta de hábitos de consumo de notícias e sobre se o jornalismo local é feito a pensar nas gerações mais novas. Para tudo houve resposta, num debate que terminou ao fim de duas horas.

Depois de ter discutido Jornalismo na perspetiva dos jovens jornalistas em março, e de ter dedicado esta segunda sessão ao jornalismo feito no Porto, o JPN fechará o ciclo de conferências comemorativas dos 20 anos em novembro, no VIII Congresso Internacional de Ciberjornalismo, a falar sobre “Net“, completando deste modo os três conceitos que estão na génese do projeto. “Jornalismo Online para os Jovens de Hoje – Notícias no Instagram e TikTok” é o tema que dá nome à sessão marcada para 20 de novembro e que tem como convidada Anna Jandrisevits, jornalista e editora do projeto “Die Chefredaktion”.