Em entrevista ao JPN, Leo Middea conta um pouco da sua trajetória em dez anos de carreira. Após uma série de apresentações pela Europa, o autor entra em modo de celebração dessa trajetória com um concerto na Casa da Música, o primeiro concerto com banda e em nome próprio na cidade.
O cantor e compositor brasileiro Leo Middea, que celebra uma década de carreira, está prestes a realizar um concerto especial na Casa da Música, no Porto. O espetáculo, marcado para esta quinta-feira (21h30, Sala 2), promete ser “completamente diferente” dos 26 que o artista leva na digressão. Nesta conversa com o JPN, o músico compartilhou um pouco da suas expectativas e reflexões sobre esta fase importante da sua carreira.
Natural do Rio de Janeiro, Leo viveu durante sete anos em Lisboa, e ao longo deste tempo já fez parcerias com artistas como Janeiro, Malu Magalhães e Leo Bianchini, além de ter tido a “honra” de cantar na celebração do Bicentenário da Independência do Brasil. Hoje, tem como seu mais recente endereço Barcelona, mas leva o amor por Portugal na mala.
JPN – Vem de uma turné de cerca de 30 concertos em quatro meses, e chega ao Porto para celebrar esses dez anos de carreira. O que é que os fãs podem esperar do seu show no Porto?
Leo Middea (LM) – Desses 30 shows que eu fiz nesses tantos lugares, nesses quatro meses, não foram para celebrar os dez anos de carreira. Esse show no Porto já começa comigo revisitando todo o repertório no formato geral, os cinco discos, o que está sendo uma delícia para mim também, reescutar essas músicas. Então, pra mim, esse concerto no Porto é uma celebração total dos dez anos. Um concerto completamente diferente desses outros que eu estava fazendo. Podem esperar, sei lá, uma celebração total.
JPN – Vai ser o primeiro concerto com a banda no Porto, na Casa da Música, isso tem significado especial?
LM – Sempre que venho aqui para o Porto, vim sempre a solo. Desde que me mudei para Portugal todo mundo fala: “Cara, você tem que tocar na Casa da Música, tem que ir lá para o Porto”. Há sete anos já [que venho ouvindo] essa história. Para mim, a conexão que eu tenho com a cidade é essa coisa de sempre ser muito bem recebido, e todo o mundo sempre me perguntava: “Pô, quando é que tu vem aqui tocar com banda?” e tal, e finalmente esse momento chegou. Então, essa conexão toda que tem com a cidade, espero que agora seja ainda mais intensa, num concerto maior, numa casa tão importante, tão bonita quanto a Casa da Música.
JPN – Você ficou em segundo lugar no último Festival da Canção. Como foi essa experiência de chegar à final em um dos festivais mais famosos de Portugal? O que é que essa experiência representa para você?
LM – Isso aí foi muito louco, porque eu conheci o Festival da Canção quando me mudei para cá em 2017. Não fazia ideia do que era o Festival da Canção. E para mim foi muito especial ter sido convidado depois de sete anos. Nunca imaginei que ia poder participar. Ter sido convidado e ter chegado na final, para mim, já era algo muito bonito. Não importava o que acontecesse, estar na final foi algo muito grandioso e tava só querendo aproveitar e celebrar aquele momento.
JPN – Você nasceu no Rio de Janeiro, mas começou sua carreira com um show na Argentina. Como é que essa experiência moldou a sua trajetória musical?
LM – Não sei se posso dizer que mudou tudo, mas guiou o caminho, talvez. Quando toquei na Argentina me deu essa vontade extrema de querer navegar por culturas diferentes. Apostar mais nesse lugar da multiculturalidade. Porque quando cheguei em Buenos Aires e vi a minha música a ter essa troca de culturas com um público que talvez não tivesse aquelas referências que eu tinha foi muito importante. Naquele momento, pensei: “Cara, acho que vou querer seguir esse caminho de tentar apostar em fazer som onde der para fazer, não só no Brasil, mas onde dá”. E é isso que está acontecendo hoje em dia. Para mim, esse desejo, esse sonho que surgiu naquele momento na Argentina começou a virar realidade há um ano e meio atrás.
JPN – Na música “Hello Goodbye” você conta um pouco como é ser um músico que muda de seu país para seguir seus sonhos. O que motivou a sua mudança para Portugal e qual é hoje a sua relação com o país?
LM – O que motivou foi essa minha vontade de tentar trazer a minha música para diversos países. Achei que Portugal poderia ser uma boa porta de entrada naquele momento. Embora não conhecesse ninguém, nem fizesse ideia do mercado da música, pensei que poderia ser uma boa porta de entrada. Cheguei aqui totalmente aberto a qualquer tipo de experiência e isso acabou refletindo na música do “Hello Goodbye”, essa experiência toda de “tô aqui, passando frio”, mas ‘tá legal também, vamos pra cima, espero que dê tudo certo e influenciou totalmente esse caminho.
JPN – A grande maioria dos músicos quando chegam na Europa têm as ruas como primeiro palco, mas sinto que você teve sempre muita fé que aquilo era só uma fase e logo teria o seu trabalho autoral reconhecido pelo mundo. Esse primeiro momento gerou alguma ansiedade ou medo?
LM – Pô, é aquela escadinha, né? Sempre senti muito na cabeça que eu queria o que eu quero, existe isso muito nítido. Independente do lugar onde estava tocando há dez anos, sete anos, cinco anos, sempre tinha muito nítido o lugar onde eu queria chegar. Sempre batalhei muito para isso. E talvez com o excesso de teimosia, que eu acho que é prejudicial para mim, para algumas áreas, para a música foi uma coisa muito positiva.
Para mim não fazia sentido tocar a música dos outros, se eu queria fazer música autoral. Eu sabia o que queria, aquela coisa de teimoso do taurino, sabia que queria ser um cantautor. A pessoa pode me ver tocando na rua, no bar, mas vai ver eu tocando as minhas músicas. A música é muito difícil em todos os aspetos, mas é mais difícil quando você é visto como um cantor que toca músicas de outras pessoas e depois quer converter-se num artista que toca música autoral. Isso é muito mais complicado.
A ansiedade me veio porque acabei perdendo muitas oportunidades de trabalho por não tocar música de outras pessoas. Às vezes. viajava cinco horas de autocarro para o norte do país, ia para o sul para ganhar muito pouco, mas era para centros culturais que queriam escutar música autoral. Viajava o país inteiro – enviando e-mail, mandando mensagem -, tocava num lugar para 15 pessoas, dez pessoas, ganhava quase nada, mas tocava as minhas músicas e estavam ali pessoas que queriam escutar um cenário autoral.
JPN – E quais são os seus planos para o futuro em relação à música?
LM – Hoje eu já realizo o sonho de poder viver de música, de poder rodar por diversos países, diversas cidades só com o que faço musicalmente, isso pra mim já é um sonho. O meu plano de futuro é conseguir fazer com que o processo todo se amplie cada vez mais, chegue a cada vez mais gente. Hoje, a gente está tendo essa conversa por causa do concerto da Casa da Música, mas se fosse no ano passado ia ser por causa dos Maus Hábitos quem sabe daqui a quatro anos a gente tem uma outra conversa falando do Coliseu. O meu objetivo é esse, ir crescendo cada vez mais. Para onde der para chegar. E a gente vai devagarzinho.
JPN – Há novos projetos ou colaborações em vista?
LM – Não tem exatamente uma pessoa em específico, mas na minha lista mental tem várias possibilidades de pessoas que eu gostaria de contactar. Mas é isso, vou deixar no ar.
JPN – Nenhum nome?
LM – Uma pessoa que gostaria muito de fazer alguma colaboração é a Mayra Andrade, que é uma pessoa de quem sou extremamente fã, acho que tem alguma coisa a ver ali com a energia. Com o Dino d’Santiago, pessoa que eu gosto muito, o Ivandro gosto bastante também. Da galera do Brasil, infinitas pessoas. Meu amigo JP poderia ser uma opção interessante, Rodrigo Alarcon. Sei lá, e vai indo pessoas aí pelo ar.
JPN – Você sendo um expoente dessa nova MPB, foi difícil colocar-se no mercado? Tem um nome que te inspira?
LM – Na MPB, tive poucas referências. Porque quando comecei a fazer música, comecei principalmente por causa de um disco chamado “Canções de Apartamento” do Cícero, que é um disco de 2011 que a minha irmã me apresentou e me apaixonei por esse disco. Aquele disco me deu uma sensação tão bonita e tão genuína, que eu o recebi assim: “Cara, eu quero tentar dar para as pessoas o que esse disco tá me proporcionando”. E aí me deu vontade de compor.
Mas, quando eu pensei em traçar esse lugar na minha carreira, a Mayra Andrade teve muita influência, porque via a Mayra Andrade tocando em festivais no Brasil, via tocando em festivais na Inglaterra, na França, na Alemanha, eu falei: “olha que coisa interessante essa pessoa que está conseguindo transformar a carreira dela nessa multiculturalidade toda.” Ela foi a primeira pessoa que apareceu assim para mim.
JPN – Quando é que você decidiu se dedicar à música?
LM – Eu fazia muita coisa quando era adolescente, fazia teatro, cinema e circo. E o circo se prolongou um pouco mais, porque quando acabei a escola, passei numa escola de circo. E a música, ela sempre foi uma coisa natural minha, mas que nunca tinha entrado profundamente. Quando estava nesse processo todo de gravar o meu primeiro disco, super caseiro, de uma forma muito orgânica, tive muito apoio dos amigos na época.
Chegou um momento em que estava vendo uma entrevista, não lembro de quem agora exatamente, e a pessoa começou a falar várias coisas na entrevista e soltou uma frase que me influenciou bastante, que era tipo isso: “forno aberto não faz pão” e continuou falando “não sei o quê, porque a vida é isso, porque a vida é não sei o quê, porque forno aberto não faz pão” e continuou falando várias coisas, e essa frase do forno aberto não faz pão, achei engraçadíssima, porque me fez pensar. Eu tava fazendo quatro coisas e queria que essas quatro coisas funcionassem. O cinema, o teatro, a música e o circo. Naquele momento, pensei, realmente, preciso escolher uma coisa dessas, botar no forno e deixar rolar. E aí foi quando eu escolhi a música. E quando decidi que era a música, aí veio aquela teimosia do taurino que a gente falou e já era.