O Governo apresentou na semana passada um plano estratégico para os media com medidas como a eliminação gradual da publicidade na RTP e incentivos à contratação de jornalistas. Setor reage com críticas.
Luís Montenegro na apresentação do plano do Governo para os media. Foto: Diana Quintela/Portal do Governo
O Plano de Ação para a Comunicação Social, apresentado pelo Governo português a 8 de outubro, assenta em quatro eixos: legislação, serviço público de informação, incentivos ao setor e literacia mediática. Do conjunto de 30 medidas apresentadas, a eliminação gradual da publicidade na RTP foi a que gerou mais discussão, mas há várias novidades na lista.
Governo quer mexer na regulação
O Governo pretende rever, atualizar, simplificar e unificar a legislação referente à comunicação social. Entre outras coisas, o executivo refere a necessidade de integrar as normas europeias para o digital e estabelece o objetivo de elaborar o Código da Comunicação Social – um documento que integre toda a regulação do setor e facilite o conhecimento, cumprimento e fiscalização da legislação.
Em causa estão diplomas como a Lei de Imprensa e Estatuto de Imprensa Regional, a Lei da Rádio, a Lei da Televisão e Serviços Audiovisuais e a Lei da Transparência dos Media.
RTP sem publicidade e Lusa 100% estatal
De acordo com o plano, a RTP verá toda a sua publicidade eliminada até 2027. Atualmente, a televisão pública disponibiliza seis minutos de publicidade por hora, período que será gradualmente reduzido dois minutos por hora em 2025 e outros dois minutos em 2026. Esta medida, terá um impacto de 6 milhões de euros a menos por ano, nas receitas da RTP, e um custo total de 18 milhões.
Mas não só a publicidade da estação pública que vai emagrecer. Também, já a partir deste mês, o plano prevê chegar a acordo de indeminização com até 250 trabalhadores para saídas voluntárias. Novos trabalhadores com “perfil diferente – digital” serão contratados, com uma contratação por cada duas saídas. Esta medida terá o custo de 19.9 milhões de euros, com uma poupança estimada de 7.3 milhões por ano, segundo as contas do Governo.
Quanto à Lusa, atualmente o estado detém 95,86% do capital da agência. O Governo quer adquirir no próximo ano o restante capital por 0.2 milhões de euros, somado ao custo de 2.49 milhões já executados.
Outro objetivo, a partir de 2025, é criar um Conselho de Supervisão para acompanhar a atividade da agência, sem ferir, na visão do executivo, a liberdade editorial e qualidade do trabalho jornalístico da agência.
Com um investimento de 4 milhões de euros, o Governo estabeleceu um plano para modernizar a agência de notícias, através da integração de recursos humanos e tecnológicos, incluindo a inteligência artificial, e a formação dos profissionais sobre a transformação digital.
A partir de janeiro de 2025, é também a intenção do Governo que a agência Lusa disponibilize os seus serviços a um preço reduzido, através de descontos diretos e adaptados aos diferentes órgãos de comunicação social. Assim sendo, os media nacionais terão um desconto de 30% a 50% nos serviços da Lusa, enquanto os órgãos de comunicação regional e local terão entre 50% a 75% de desconto. Esta medida terá um impacto financeiro de menos 2 milhões de euros para a agência.
Governo vai apoiar a contratação de jornalistas
Para combater a precariedade laboral e promover o crescimento do setor, o Governo criou medidas de incentivo às empresas para contratarem novos jornalistas. Os contratos devem ser por termo indeterminado e com uma remuneração base igual ou superior a 1.120 euros, com o Estado a comparticipar esse salário. A contribuição vai variar entre 5,5 IAS, no caso da contratação de um jornalista, e 11 IAS, caso sejam contratados 3 ou mais jornalistas. A medida será executada a partir de 2025, através do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), e tem o custo estimado de 6.5 milhões de euros.
Quanto aos órgãos de comunicação regionais e locais, àqueles que não têm nenhum jornalista certificado na sua redação, a contratação do primeiro jornalista – também por tempo indeterminado e com um salário igual ou superior a 1.120 euros – terá, inicialmente, a comparticipação de 100% do salário no primeiro semestre, decrescendo 25 pontos percentuais a cada semestre seguinte. A aplicação desta medida vai ser também concretizada através do IEFP, com início em 2025. O custo será de 2.8 milhões de euros.
Ainda ao nível da imprensa regional e local, o Governo anuncia iniciativas para captar novos leitores e ouvintes. Com a duplicação da comparticipação do Porte Pago (custos de envio), de 40% para 80%, a formação empresarial – a título de exemplo, o Governo sugere implementar um programa de formação na área da gestão, que inclua “soluções inovadoras, como o micropayment associado a clicks de leitura” -, a obrigatoriedade da publicitação das decisões autárquicas “com eficácia externa”, bem como do modelo de governação dos fundos europeus com impacto municipal e o alargamento da transmissão do “Direito de Antena” às rádios locais em todas as eleições, o executivo pretende investir um total de 6.15 milhões de euros nos órgãos de comunicação social locais e regionais.
Com financiamento europeu, o Governo garante que quer também apoiar a modernização tecnológica dos media através da disponibilização de ferramentas de trabalho e formação para jornalistas. Será também redigido um Livro Branco sobre Inteligência Artificial aplicado ao jornalismo, que esclarece a aplicação e as melhores práticas do uso da inteligência artificial para jornalistas. Este livro estará pronto no final de 2025 e terá o custo de 35.000 euros ao estado.
Em colaboração com as forças de segurança, está a ser trabalhada uma estratégia de promoção da segurança dos profissionais da comunicação social, para que possam trabalhar sem ameaças e perturbações e preservar o bem-estar físico e psicológico.
O Governo pretende ainda fazer uma análise do mercado jornalístico nacional e regional e avaliar as políticas públicas do setor, para posteriormente as adaptar, se assim for necessário. Este estudo será realizado no 1º semestre de 2025 e terá um custo de 50.000 euros.
Assinaturas grátis para estudantes
Para incentivar e educação para o consumo crítico da informação, o Governo propõem-se a comparticipar em 50% o valor das assinaturas de jornais digitais. No caso dos estudantes do ensino secundário, as assinaturas serão gratuitas.
Declarações de Montenegro causam polémica
A apresentação do plano do Governo começou com a intervenção do primeiro-ministro, Luís Montenegro, que teceu considerações sobre a atividade jornalística que geraram polémica.
Numa dissertação inicial que o próprio classificou como uma “pequena provocação”, Montenegro criticou os jornalistas que “pegam no telefone e fazem a pergunta que já estava previamente feita” ou ainda os que fazem perguntas que lhes são “sopradas ao ouvido”, através dos auriculares. Conclui o primeiro-ministro que “os senhores jornalistas não estão a valorizar a sua própria profissão”.
O primeiro-ministro falou da necessidade de “uma comunicação social mais tranquila”, menos “ofegante”, sem a pressão de ser a primeira a dar a notícia. Ainda assim, realçou a importância do jornalismo para o bem da democracia e que “para o Governo, ter uma comunicação social forte é estratégico e estrutural”, garantiu.
As grandes novidades que Luís Montenegro deu foram a “acabar com a publicidade na RTP” e o financiamento indireto dos media privados, isto porque, disse, “não é apenas a RTP que presta serviço público. Todos os órgãos de comunicação social prestam um serviço público de garantir a liberdade de informar e de ser informado”.
O plano apresentado vai ser avaliado dentro de um ano e pode sofrer adaptações ao nível das medidas e do financiamento previsto para cada uma delas.
Reações do setor
O Sindicato dos Jornalistas (SJ), num comunicado publicado no site, “considera infelizes e desinformadas as críticas do primeiro-ministro ao jornalismo e ao trabalho dos jornalistas”.
Quanto ao plano do Governo, o sindicato encara o fim da publicidade na RTP como uma oportunidade de dar mais “tempo de antena” ao jornalismo. Porém, receia as consequências que a perda de 18 milhões de euros pode ter na estação – como pode a RTP “fazer melhor com menos gente e menos dinheiro”, questiona o SJ.
O Sindicato reconhece que algumas das suas preocupações foram acomodadas pelo Governo, relativamente à contratação de jornalistas, à procura de uma garantia de distribuição “de publicações periódicas por todos os concelhos do país” e a oferta de assinaturas para os estudantes. No entanto, mostra preocupação com o que está previsto, por exemplo, ao nível da formação empresarial para os órgãos de comunicação regionais e locais, com a proposta de micropayment associado a clicks de leitura. “Não tem muito de inovador e poderá contribuir mais para a precarização dos jornalistas, além de ser perigoso para a qualidade da informação”, refere no comunicado.
Para as medidas de incentivo à contratação de jornalistas, o sindicato teme que o vencimento proposto – de 1.120 euros para um jovem jornalista contratado – não tem em atenção o vencimento já pago a muitos jornalistas que, na sua maioria, “não aufere sequer mil euros de salário bruto”. Acrescenta ainda que os jornalistas “freelancer” foram esquecidos na elaboração do plano e são aqueles “que todos os anos sentem os rendimentos a encolher”.
Por sua parte, também em comunicado, o Conselho de Redação da RTP também manifestou preocupação com a eliminação da publicidade no canal, por representar um corte financeiro significativo para a estação pública. Sem alternativas de financiamento, os membros do conselho acreditam que este corte “desafia a sustentabilidade do serviço público e a produção jornalística”, gerando um clima de incerteza e dificuldade em “garantir um jornalismo livre (…), financeiramente sustentável e capaz de cumprir o seu papel essencial numa sociedade democrática”, refere a entidade.
Já esta quarta-feira (16), foram ouvidos o presidente do Conselho de Administração da RTP, Nicolau Santos, e a presidente do Conselho de Opinião da estação, Deolinda Machado, na Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto.
Nicolau Santos explicou que o corte da publicidade na estação põe a empresa em risco de apresentar maus resultados: “Há 14 anos que a RTP tem resultados positivos e (…) com um corte de sete milhões por ano, não é seguro que a RTP não entre no ‘vermelho’”.
“A RTP não é, neste momento, (…) uma empresa que cause problemas, nem preocupações ao Estado”, afirma. Acrescenta ainda que a estação é um dos três grupos de media em Portugal que apresenta resultados positivos. Para Deolinda Machado, retirar a publicidade à RTP e com ela cerca de 18 milhões de euros, valor estimado pelo Governo, é “torná-la não sustentável”. “A publicidade é muito importante, é determinante, obviamente, para que tenhamos públicos, e nós queremos um serviço público com público”, afirmando que o que a RTP precisa é de reforçar o financiamento.
A presidente do Conselho de Opinião referiu ainda que as rescisões dos trabalhadores podem levar a maiores dificuldades financeiras: “fazermos empréstimos, endividar-se ainda mais para despedimentos, não nos parece ser esse o caminho”. Estas declarações estão em linha com a posição de várias organizações do setor audiovisual que ao longo da última semana se manifestaram. A perda da receita da publicidade para a RTP e não haver informação sobre como ou se esse valor vai ser compensado, é uma preocupação para as associações Portuguesa de Argumentistas e Dramaturgos (APAD), de Produtores Independentes de Televisão (APIT) e de Imagem Portuguesa (AIP) e, também, dos sindicatos representantes dos trabalhadores da estação pública de televisão.
Amanhã, quinta-feira (17), está marcada nova audição na comissão parlamentar, desta vez para ouvir o Conselho Geral Independente da Rádio e Televisão de Portugal.
Editado por Filipa Silva
Artigo atualizado às 17h20 do dia 16 de outubro com a inserção de declarações dadas por responsáveis da RTP na Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto esta quarta-feira