Lokas Cruz, Inês Matos e Pedro Pedroso criaram uma editora com foco numa abordagem crítica, feminista, decolonial, política e queer. À vontade de se oferecerem com alternativa no plano editorial, juntam preocuações ambientais.
A cena editorial portuguesa acaba de ganhar uma nova participante. A 11 de outubro, entre uma conversa intimista sobre o primeiro livro de Lokas Cruz, “Flores Secas”, e a declamação de poemas, a livraria Flâneur, no Porto, acolheu o lançamento da editora Desmuro, que assume como foco da sua matéria editorial uma abordagem crítica, feminista, decolonial, política e queer. Os seus fundadores estabelecem como objetivos romper barreiras e ajudar a transformar o cenário literário nacional.
A ideia de criar uma nova editora surgiu da necessidade de dar voz aos poemas que já habitavam o coração de Lokas Cruz, que já dedicou alguns anos da sua vida a causas humanitárias. A dificuldade em encontrar uma editora alinhada com os seus valores, impulsionou-a. Depois de muito trocar livros e recomendações com Pedro Pedroso e Inês Matos, nasceu a ideia de lançar um projeto editorial “mais justo” e comprometido com a mudança social.
“Nós sempre partilhamos uma paixão muito importante por livros. A Lokas já tinha a ideia de colocar os seus poemas no papel, mas estava com alguma dificuldade no processo editorial”, conta Inês Matos, de 27 anos, ao JPN, à margem da apresentação do livro. Com uma proposta que foge ao convencional, a nova editora pretende preencher o que consideram ser uma lacuna no espaço editorial português. “Mudar um bocadinho o paradigma”, é o que querem.
O nome da editora também reflete os valores dos fundadores, fortemente ligados ao ativismo. Inspirados por questões como migrações e fronteiras, o nome escolhido – Desmuro – procura simbolizar um mundo sem barreiras, onde o acesso à literatura e à cultura seja democratizado.
A sustentabilidade também é uma preocupação central da nova editora. Comprometidos com a redução da pegada ecológica, os fundadores comprometem-se a adotar práticas que minimizem o impacto ambiental da atividade da editora. “Os livros são feitos de papel, sem qualquer plástico, sem capas laminadas. As embalagens são o mais minimalistas possível, embrulhadas em cartão com corda, sem o uso de fita-cola ou plástico”, exemplifica Pedro Pedrosa, de 37 anos. A entrega dos livros também segue essa linha ecológica, privilegiando entregas em mão ou pelo serviço dos Correios de Portugal (CTT), sem intermediários.
O primeiro lançamento da editora, “Flores Secas”, uma coletânea de poesia e texto político-poético, reflete o espírito ativista do projeto. Escrito por Lokas Cruz, hoje com 31 anos, entre 2008 e 2024, o livro aborda questões relacionadas com fronteiras, campos de refugiados, a Palestina, e a experiência pessoal da autora enquanto pessoa queer. “É um agrupar das coisas que estiveram na minha cabeça ao longo destes anos e que agora tomaram espaço para publicação”, conta a autora.
Lokas Cruz é médica, e por alguns anos da sua vida dedicou-se a prestar ajuda humanitária no Mediterrâneo, onde passou por embarcações de resgate a migrantes. Também já passou por Angola, Moçambique, Grécia e Bangladesh em campos de refugiados. Hoje, a sua luta continua, mas além de ativista e do seu trabalho com a comunidade, é escritora.
A ilustração de “Flores Secas” ficou a cargo de Inês Matos, que além de ilustradora é docente na curso de Ilustração Científica da Universidade do Porto, formação que junta as faculdades de Ciências e de Belas Artes.
O terceiro membro desta equipa é Pedro Pedroso, co-CEO da Gaia Education, empresa que criou e onde trabalha, em conjunto com um grupo de educadores “GEESE” – Global Ecovillage Educators for a Sustainable Earth. “Queremos que o livro seja um objeto que seja interessante no conteúdo literário, mas interessante também no conteúdo artístico”, acrescenta ao JPN.
A Desmuro surge assim, por iniciativa dos três, com o desejo de ser uma nova voz no mercado editorial português, assumindo também um compromisso com a justiça social e ambiental.
Editado por Filipa Silva