No último domingo (27), ocorreu a décima edição do Silent Book Club, no Porto. O JPN esteve presente e conversou com as fundadoras do movimento, Margarida Silva e Iris Scherer, que descrevem os encontros como um “momento de introspeção” para “ler em silêncio durante uma hora” e explorar a cidade.

O relógio marcava as 14h00 quando chegamos à Menina Colina Guesthouse para entrevistarmos as fundadoras do Silent Book Club do Porto: Margarida Silva e Iris Scherer, e assistirmos à décima “silent reading session” [sessão de leitura em silêncio] do clube.

Após Iris ter tomado conhecimento que uma amiga tinha iniciado um Silent Book Club, em Cascais, ela e Margarida decidiram levar a atividade para o Porto. Desde a primeira sessão, realizada em janeiro deste ano, tinham um objetivo claro: criar um “evento que apenas pedia às pessoas para chegarem com o seu livro, seja ele qual for, e lerem em silêncio”.

Margarida Silva e Iris Scherer conheceram-se através de uma amiga em Lisboa e após partilharem casa, no Porto, tornaram-se amigas. Fonte: Inês Saldanha/JPN

Embora este clube de leitura se assemelhe aos convencionais “porque tem momentos em que pessoas se juntam à volta de um livro para interagirem com o propósito da coisa que têm em comum, que é um livro”, também se diferencia pela ausência de “expectativa quanto à interação que vão ter”.

Nos clubes tradicionais, “há um livro e as pessoas leem e têm um determinado tempo para ler e, ou ouvem alguém a comentar o livro, ou então há uma discussão sobre o livro. E isso é uma coisa que não é apelativa para toda a gente”, explica Margarida.

“A experiência baseia-se em juntar as pessoas que gostam de uma coisa e talvez sejam demasiado tímidas para se juntarem a outros clubes de leitura por causa da pressão que existe para falarem”, reforça Iris.

O movimento Silent Book Club nasceu em São Francisco, em 2012, pelas mãos de Guinevere de la Mare e Laura Gluhanich que “gostavam de estar a ler em cafés, com pessoas à volta, mas não queriam necessariamente ter de falar sobre o livro. Era uma coisa que tornava a leitura uma tarefa com alguma pressão e não uma coisa que a pessoa, faz porque lhe dá prazer”, conclui Margarida.

Às 15h00 em ponto, começam a chegar os leitores com diferentes livros, mas o mesmo propósito: “ler em silêncio durante uma hora”.

O facto de não existir um livro único escolhido previamente é outra das características deste clube. Margarida não entende que daí resulte alguma perda, porque “uma experiência pode ser altamente significativa ainda que dure só uma hora. Esse impacto fica, é duradouro apesar de a experiência não se prolongar no tempo ou não continuar da mesma forma”. Além disso, completa,  “a intenção com o clube de leitura é juntar as pessoas e não educá-las em relação aos livros”, frisa Iris.

As sessões ocorrem sempre em sítios diferentes de forma a explorar a cidade. Fonte: Inês Saldanha/JPN

A sessão decorre no jardim da Guesthouse que se enche do sol de outono. Há quem chegue sozinho e há quem traga companhia. Ao reconhecerem caras familiares de sessões anteriores, cumprimentam-se e trocam algumas palavras antes de se sentarem.

Segundo Margarida, o perfil dos leitores, que têm uma “média de idades na casa dos 30”, varia em função de “dois fatores: pessoas novas versus pessoas que já vêm às sessões” desde o início, e “pessoas estrangeiras e portuguesas”.

O inglês acaba por ser a língua dominante nas interações devido à grande afluência de pessoas que, embora não tenham nascido em Portugal, estão, atualmente, de passagem ou a viver no Porto.

Como é o exemplo de Eszter Riga, de nacionalidade eslovaca-húngara, que está a viver no Porto há cerca de um ano e meio e que começou a frequentar as sessões desde que descobriu “que havia silence reading sessions, no Porto”.

Para além de ser um momento de leitura, o evento acaba por se tornar numa “experiência internacional”, como conta Benedita Garrett, que é participante “desde o início”, e que realça o facto de as sessões decorrerem quase sempre em sítios novos.

“Apesar de viver no Porto há muitos anos são sítios que eu não conheço, são sempre sítios novos e quer estejamos dentro ou fora são sempre (…) espaços que eu tenho gostado imenso de conhecer”, admite Benedita.

Um dos fatores que motivou a criação do clube foi a possibilidade de explorar a cidade. “Adoramos o Porto e viver aqui, temos o interesse por formas diferentes de estar na cidade, de pessoas diferentes, de várias origens, países, línguas, de vários backgrounds, pessoas que vivem a cidade de uma forma especifica e isso tudo tem lugar aqui. É uma coisa que nos atrai bastante”, admite Margarida.

As sessões acontecem em cenários variados “como um guesthouse, uma cooperativa de livreiros dos anos 60, super antiga e que promove a liberdade de pensamento, um café, o Cinema Batalha, um espaço de coworking, etc.”, exemplifica Margarida.

Embora o silêncio seja um dos pilares do clube, este não influencia as escolhas dos locais para realizar os encontros como explica Iris: “A ideia não é ter silêncio completamente, porque se estivermos num café haverá sempre pessoas a trabalhar. Ou seja, não há completamente silêncio à nossa volta. A ideia é não falar, estar em silêncio contigo mesmo. É mais sobre estar uma hora sem falar, o que pode ser difícil, e focarmo-nos no livro. É sobre estar atento, não estar distraído com outra coisa.”

É mais sobre estar uma hora sem falar, o que pode ser difícil, e focarmo-nos no livro.

A verdade é que durante uma hora estamos em silêncio a ler, mas “não é só a questão da leitura”, como enfatiza Margarida. “É nós nos permitirmos termos um momento só para nós, um momento de introspeção, um momento de foco, um momento em que dizemos sim ao livro e dizemos não a milhares de outras coisas que podem ficar para depois e isso tem um valor que não é de descartar”, conclui.

Como diz Benedita ao JPN, as reuniões mensais acabam por ser “um ótimo escape à nossa vida, que normalmente é muito acelerada”.

Segundo um estudo divulgado pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) o setor dos livros, em Portugal, teve um crescimento de 7% nas vendas em 2023 face a 2022.

Margarida Silva acredita que os clubes de leitura têm esse “efeito multiplicador” de incentivar as pessoas a ler e, juntamente com Iris. Também por isso, as duas fundadoras do Silent Book Club do Porto têm como objetivo “introduzir alguma iniciativa que apoie a leitura e a literacia”, todavia, neste momento, pretendem manter o clube “mais intimista, entre os 25 e os 30 [participantes]”.

O encontro acaba por volta das 17h00 e reúnem-se todos os livros numa só mesa de forma que todos os participantes possam ter a oportunidade de conhecer as leituras uns dos outros.

No fim de cada encontro, reúnem-se todos os livros para que os participantes possam conhecer novas obras. Fonte: Inês Saldanha/JPN

Eszter Riga afirma a importância desta partilha: “é muito bom poder perceber o que os outros estão a ler e conhecer, não apenas livros que estão a ter muito sucesso atualmente, mas também outros livros.”

Margarida e Iris prometem continuar o movimento que nasceu do “amor pelos livros”, um objeto que permite, segundo as próprias, “mergulhar em histórias” e “aprender novas ideias”.

O Silent Book Club, que se tem reunido uma vez por mês, terá a próxima sessão em novembro, na Livraria Bertrand, no Shopping Cidade do Porto. Para participar, é necessário realizar uma inscrição antecipada através de um formulário online.

Editado por Filipa Silva

Artigo corrigido às 16h45 do dia 30 de outubro de 2024. A próxima sessão do clube vai decorrer no Shopping Cidade do Porto e não no Norte Shopping como inicialmente se referiu.