O JPN conversou com dois ex-alunos da Universidade do Porto que atualmente residem nos Estados Unidos da América a propósito das eleições presidenciais norte-americanas. Nuno Brito e Bruno Brasil partilham a sua experiência sobre a vida nos EUA durante a campanha, quais os temas mais debatidos nas suas comunidades e refletem sobre as suas preocupações e perspetivas após as eleições.
Nuno Brito e Bruno Brasil vivem separados por cerca de 3.500 quilómetros, mas partilham a experiência de viver nos Estados Unidos da América, e estudaram na Universidade do Porto antes de partir para o país que elege esta terça-feira o seu 47.º presidente, entre a democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump. No país com visto temporário de trabalho, nenhum deles possui a cidadania norte-americana, e por isso estão impedidos de votar.
Nuno Brito reside em Buffalo. A cidade pertence ao Estado de Nova Iorque, “casa” do candidato republicano, mas apesar disso, Donald Trump não conseguiu vencer as urnas da “cidade que nunca dorme” nas duas candidaturas que realizou à presidência dos EUA.
Bruno Brasil reside no tradicionalmente republicano Estado de Idaho, vencido pelo nova-iorquino nas eleições de 2016 e de 2020, mas trabalha no Estado de Washington, onde os democratas conquistaram a maioria dos votos nessas disputas eleitorais.
O JPN conversou com os dois portugueses acerca destas eleições, procurando saber a sua opinião acerca do ambiente político que se vive nas suas comunidades, quais os temas mais discutidos nesta campanha eleitoral e quais as perspetivas e desafios que podem ser esperados depois de encerrada a contagem dos votos.
A atual vice-presidente e o ex-presidente dos EUA disputam os votos do eleitorado norte-americano numas eleições fortemente marcadas pela questão da imigração e o tema dos impostos, num clima político tenso e com indicações de que não haverá um vencedor claro destas eleições, o que pode levar a decisão para o Supremo Tribunal.
Os Estados Unidos pelo olhar português
Poeta e professor universitário, Nuno Brito estudou na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) antes de partir para os Estados Unidos da América, há nove anos. Chegou à Terra das Oportunidades para estudar Literatura Portuguesa e Brasileira, na Universidade da Califórnia, em 2015, um ano antes de Donald Trump ser eleito presidente do país, na corrida presidencial em que levou de vencida Hillary Clinton. Em 2022, cruzou por completo o país e viajou com a esposa e a filha para Buffalo, no estado de Nova Iorque onde hoje permanece e ensina Literatura Portuguesa na universidade local.
Descreve um país diverso, que deu oportunidade a muita gente e onde grande parte do mundo está representado, relembrando os açorianos que foram acolhidos nos EUA depois da erupção do vulcão do Capelinhos, em 1958, e os refugiados da guerra do Kosovo da década de 90. Apesar das saudades que confessa ter de Portugal, admite gostar muito dos EUA e aponta para a sua cultura, explicando que é “muito rica em expressões que são daqui, como o jazz, o blues, o cinema, a música”.
Também a norte, mas no outro extremo do país, Bruno Brasil passou a última década entre Portugal, Noruega e os EUA, onde finalmente se estabeleceu em 2022. O também antigo estudante da FLUP, vive no estado de Idaho, mas trabalha a 50 quilómetros de casa no estado de Washigton, numa instituição de apoio a jovens nativo-americanos com problemas de dependência química e mental.
Caracteriza os Estados Unidos como um país polarizado: “Há coisas muito boas. Por exemplo, oportunidade de trabalho: podemos não começar exatamente naquilo que queremos, mas há uma possibilidade de mudar de emprego com maior facilidade e de subir na escala profissional. Depois, a parte negativa é o outro extremo. Há muitas tensões sociais, muita divergência política. Há inclusivamente membros de famílias que deixam de se falar. A nível de emprego, é um tópico que é sensível, tal como a questão étnica”.
Segundo os dois portugueses, nenhuma decisão legislativa teve um impacto direto e significativo nas suas vidas, apesar de ambos admitirem a demora no processo de renovação do visto de trabalho, necessário para exercerem legalmente as suas funções profissionais no país sem terem a cidadania norte-americana. Nuno Brito, no entanto, sentiu um impacto mais profundo das políticas de imigração impostas nos EUA depois de uma viagem que fez com a esposa mexicana e a filha, de dez anos, a casa dos sogros, no México: “Fomos separados ao entrar no aeroporto. Eu entrei com passaporte português, a minha filha com passaporte português e mexicano, e a minha esposa entrou com passaporte mexicano. Fomos separados porque lhe quiseram fazer mais perguntas. A população do México tem mais desafios em relação à imigração”.
Em relação a esse aspeto, Bruno Brasil não se manifesta particularmente preocupado, reconhecendo que existem situações mais difíceis. Afirma já ter deixado o país por causa do visto, mas compreende e aceita o que tiver de ser: “Sou uma pessoa com curso superior, cadastro limpo, família aqui. Os meus pais vieram para cá e já eram cidadãos quando eu cheguei. E, mesmo assim, o meu processo demorou oito anos. Eu compreendo. Eu trabalho e pago impostos, vim legal, tenho cartão verde. Quando o prazo acabar, que é daqui a um ano, se não me renovarem, tenho de ir embora. E compreendo isso”.
Imigração e economia no foco da discussão
Questões relacionadas com as políticas de imigração são apenas um dos temas do caldeirão cada vez mais fervilhante que têm sido as eleições presidenciais norte-americanas. As sondagens continuam a apontar um empate técnico entre Kamala Harris e Donald Trump, mas a polarização na sociedade americana faz-se notar, não só no tema da imigração, mas também nas questões do aborto, posse de armas e economia.
Ao contrário de que sentia na Califórnia, onde diz que “não se via quase apoio nenhum a Trump”, Nuno Brito afirma que o ambiente político em Buffalo está dividido, mas é sobretudo democrata. No entanto, o apoio ao candidato republicano é manifestado pelas ruas da cidade com mais frequência do que no Califórnia: “Às vezes, vê-se quatro ou cinco pessoas com a bandeira dos Estados Unidos a dizer Trump. Nos carros, as pessoas põem autocolantes a dizer que votam Trump. E as outras pessoas buzinam. Coisas assim. Vê-se um maior apoio”.
Em Idaho, por outro lado, Bruno Brasil confessa que achava estranho não haver campanhas naquela zona, até que um amigo lhe explicou: “No Norte, as pessoas já sabem em quem vão votar. No Sul, também já sabem. No Norte, estão a pensar votar Trump, e no Sul, Kamala Harris”. Algo que não se repete no estado onde trabalha, Washington, onde a energia e a diferença se fazem notar até na condução.
Em todas estas comunidades, o que se sente é sobretudo medo associado à violência espoletado pela retórica racista e anti-imigração, e incerteza relacionada com as questões económicas. Estes assuntos têm especial amplitude na cidade de Buffalo, onde contribuem para uma guetização na comunidade negra residente na cidade, num Estado que recebeu muitos imigrantes durante o mandato de Joe Biden, como explica o poeta e professor universitário português: “Nova Iorque recebeu muitos refugiados, porque a administração Biden abriu muito as portas à imigração. Houve muitos imigrantes que vieram do Haiti, e, sobretudo, de toda a América do Sul. E, na altura, estavam a ser hospedados, por exemplo, em hotéis no centro de Nova Iorque. Muitos foram enviados para outras partes do Estado. Então, Buffalo recebeu muitos imigrantes. As pessoas ficavam em hotéis durante muito tempo, durante anos, pagos pelo estado, com alimentação, mas não foram integradas”.
Apesar de recentes boas notícias para a administração de Joe Biden e Kamala Harris sobre os números da economia norte-americana, questões relacionadas com o aumento dos impostos e dos combustíveis também são assuntos frequentemente debatidos entre as comunidades onde vivem os portugueses Nuno Brito e Bruno Brasil. Este tema levanta mais preocupações depois de Trump garantir a aplicação de uma tarifa universal de 20% em todos os produtos importados do estrangeiro, que implica uma subida de preços nos bens de consumo que não sejam produzidos nos EUA.
Depois da contagem dos votos
Além do passado académico na cidade no Porto e de viverem atualmente nos Estados Unidos da América, Nuno Brito e Bruno Brasil partilham entre si o receio do impacto que o resultado das eleições presidenciais norte-americanas terá no ambiente que se vive no país.
Nuno Brito partilha a história de um amigo do Guatemala que se começara a preparar para uma eventual guerra civil no rescaldo das eleições presidências de 2020: “Quando foram as últimas eleições, ele comprou muita comida, quase como se fosse novamente o coronavírus. E acontece isso. Antes das eleições, as pessoas compram muita comida, papel higiénico. Porque têm medo. Muita gente tem medo de que haja uma guerra civil, porque já houve uma nos Estados Unidos”.
Bruno Brasil não acha que Kamala Harris seja uma candidata com uma linha de pensamento clara, mas admite não conhecer as medidas propostas pela vice-presidente dos EUA e não sabe ao certo o que ela poderá trazer. No entanto, afirma sem hesitação: “Donald Trump não é, de certeza, a solução. Já o vimos antes”. O ataque ao Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021 ainda está presente e muitos americanos estão expectantes com o que resultará depois destas eleições.
Os olhos do mundo estão postos na terra do Tio Sam, e as sondagens não conseguem indicar um vencedor claro destas eleições. O 47.º presidente de uma das maiores potências do globo terá de governar um país profundamente polarizado e receoso, atento à violência e discriminação racial, num ambiente político tenso e no limite de uma guerra civil. A resposta a este desafio não é fácil, e Bruno Brasil lança o aviso: “A solução nunca é ter medo”.
Editado por Filipa Silva