O JPN entrevistou Frank Ferreira, Conselheiro das Comunidades Portuguesas em Washington DC, para conferir o ambiente político que se vive na área onde atua, quais as principais preocupações da comunidade portuguesa residente nos Estados Unidos da América relacionadas com estas eleições, e os desafios que o país terá de enfrentar depois de encerradas as urnas. A incerteza do resultado eleitoral é coberta pela sombra de uma possível "guerra civil".

Mário Francisco Ferreira ou Frank Ferreira como é conhecido, nasceu no distrito de Viseu, mas passou praticamente toda a sua vida nos Estados Unidos da América, para onde a sua família emigrou quando tinha apenas nove anos.    

Todo o seu percurso académico e currículo profissional foram escritos no país onde hoje atua como Conselheiro das Comunidades Portuguesa em Washington D.C., numa área que se estende desde o Oceano Atlântico até ao coração da América. Pelo caminho, trabalhou com várias agências governamentais norte-americanas e embaixadores portugueses no país, na campanha de John Kerry nas eleições presidenciais de 2004 e até escreveu recentemente a Joe Biden, António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa para que indicassem o antigo senador do Massachusetts e António Guterres ao Prémio Nobel da Paz deste ano.

A algumas horas de encerrarem as urnas, onde os norte-americanos irão depositar a sua escolha para 47.º presidente do país, e numa altura em que as sondagens ainda não indicam um vencedor claro da corrida à Casa Branca, o JPN conversou com o representante português.

Frank Ferreira expôs o ambiente político que se vive na sua “jurisdição”, revelou as principais preocupações da comunidade portuguesa nos EUA relacionadas com as eleições presidenciais norte-americanas e partilhou os desafios que o próximo presidente do país terá de enfrentar quando conhecidos os resultados eleitorais. Entre a sociedade americana, paira a sombra de uma guerra civil relacionada com a inexistência de um vencedor claro destas eleições.

JPN – Há quantos anos é que está no país e o que faz nos Estados Unidos da América?

Frank Ferreira – Nasci em Viseu e vim para os Estados Unidos da América quando tinha nove anos. Tenho estado aqui até agora, é aqui que tenho estudado e feito a minha carreira. Resido na cidade de Alexandria, Virgínia, que é mesmo ligada à capital dos EUA, Washington D.C.. Os meus estudos académicos foram em Ciências Políticas, então, comecei a trabalhar aqui com vários embaixadores, e para umas quantas agências. Em 2004, trabalhei na campanha presidencial do John Kerry. Portanto, estive sempre envolvido na vida política. Tanto na vida americana, como na da comunidade portuguesa. Tenho um grande orgulho de estar em contacto com a nossa gente. Tanto que decidi concorrer para Conselheiro das Comunidades Portuguesas. Fui eleito e tenho um grande orgulho de representar uma área que se estica desde Washington D.C. até ao Texas. É uma área que abrange o coração da América e é muito interessante para mim. Portugal cabe aqui muitas vezes. Recentemente, abri uma empresa, onde eu sou consultor de assuntos governamentais.

JPN – Com base na sua experiência de vida, como é que descreveria os Estados Unidos da América?

Frank Ferreira – Nesta área de que falamos, é de um extremo para o outro. Aqui no Norte, as pessoas são mais liberais, porque estamos perto de Washington DC e estão lá pessoas de todas as partes do mundo. Para o interior do país, são pessoas mais conservadoras, mais inclinadas a votarem no Partido Republicano, mais à direita. E se formos ainda mais para o Sul, são ainda mais à direita, e são ainda mais conservadores. Os americanos são uma mistura. Aqui temos grandes universidades, estamos sempre em cima de outras ideias mais modernas, vemos as coisas de outra maneira e aceitamos mais as pessoas de fora. O Sul não é mau, mas são mais tradicionais. Gostam daquilo que têm e não gostam de mudança.  Não há um grupo homogéneo, são vários grupos com ideias diferentes.

JPN – Qual é o seu papel enquanto representante da comunidade portuguesa nos Estados Unidos?

Frank Ferreira – O papel principal é ser conselheiro do governo português sobre a comunidade portuguesa aqui nos EUA. Nós somos daqui, estamos a par do que se passa. É um papel muito importante, porque, logo que tenhamos um lugar à mesa, é importantíssimo para contarmos quais são as nossas ambições, os nossos problemas, as necessidades das nossas comunidades. Mas eu estou a tentar mudar o papel tradicional de conselheiro, porque os tempos já mudaram. Quando este sistema foi implementado, as comunidades ainda eram de imigrantes que saíram de Portugal, quando o país ainda era uma ditadura. Mas, atualmente, já estamos integrados em todo o nível da sociedade americana. Já podemos estar à mesa, temos capacidade e qualidade naquilo que estamos a falar, portanto, estamos todos muito ansiosos para que haja mais acesso ao voto, às urnas. Também queremos ser parte de Portugal, estar mais integrados com a política portuguesa. Portugal está a ser muito atrativo para os americanos e também para muitos portugueses. Os portugueses que estão aqui já têm apenas a ideia de ficar e morrer aqui, já não pensam em voltar para Portugal. Então, também há um grande interesse nos assuntos do governo, por isso, é cada vez mais importante para que tenhamos a palavra sobre assuntos que nos vão atingir mais cedo ou mais tarde. Queremos mais representação no parlamento.

este país sempre foi mais forte quando nós pensávamos que éramos só um. Que éramos aquele caldeirão que conseguia aceitar todos. E agora estamos mais divididos.

JPN – Como descreveria as posições tomadas por Donald Trump e Kamala Harris?

Frank Ferreira – Esta campanha é um bocadinho triste. A palavra que se tem usado muito frequentemente nestes últimos dias da campanha tem sido “lixo”. Lixo em termos das conversas que os dois lados estão a ter. Mas claro que se tem falado em assuntos sérios. A candidatura do ex-presidente Trump está sempre a falar dos mesmos assuntos. Tem esta ideia de que este país está cada vez mais para baixo e culpa os imigrantes que têm entrado nos EUA, tem dito grandes palavrões sobre vários grupos étnicos, o que é uma coisa incrível. Do outro lado, Kamala Harris fala noutros assuntos. Quer que haja mais oportunidade económica para os cidadãos deste país. Mas tem-se agarrado muito às mulheres. Ela pensa que esse é o trunfo para ela poder ganhar estas eleições, por causa da discussão do direito ao aborto.

JPN – Já referiu o envolvimento na campanha do senador John Kerry em 2004. Qual é a sua perceção desta campanha em comparação com campanhas anteriores?

Frank Ferreira – Naquele tempo ainda havia respeito, tanto à direita como à esquerda. E todos estavam de acordo que quando alguém dissesse que era americano, todos sabíamos o que isso queria dizer. Hoje, é tão difícil dizer que sou americano e que acredito nisto ou naquilo, porque outra pessoa vem logo e diz que não acredita nisto. É uma coisa muito estranha, porque este país sempre foi mais forte quando nós pensávamos que éramos só um. Que éramos aquele caldeirão que conseguia aceitar todos. E agora estamos mais divididos. É muito polarizado e tribal. Não falamos como americanos e não aceitamos nem temos respeito pela palavra do outro partido. E, no fim do dia, isto é muito prejudicial. A união que existiu depois do 11 de setembro, porque todo o país teve de ser unido, foi um tempo curto onde a América voltou àquilo que era. Mas depois parece que o tempo e as lembranças vão passando, as coisas vão-se esquecendo. E o resultado é o dia 6 de janeiro de 2021. Uma coisa para a qual ninguém estava preparado. E aconteceu porque falta respeito às instituições, falta respeito ao processo eleitoral, falta respeito à segurança pública. Antes, havia eleições, aceitávamos os resultados e andávamos para a frente. Essa altura já passou, mas espero que possamos voltar a esse tempo onde havia aquele respeito.

JPN – Qual é o ambiente político que se vive entre a comunidade portuguesa?

Frank Ferreira – É como o do resto das comunidades. Há uma grande ansiedade. Nós não sabemos se vamos ver uma repetição do que aconteceu quando foi a corrida presidencial de 2000 entre o Bush e o Gore. Se não houver um resultado certo em que o candidato tenha uma grande maioria de votos, isto vai para o tribunal e vamos andar aqui semanas sem saber quem é o presidente dos EUA. O resto do mundo está à espera de saber qual é o resultado destas eleições, para fazer planos para o futuro, e a nossa comunidade também está nesta posição. Portanto, vamos ver o que os americanos vão decidir. E, claro, a comunidade portuguesa que pode votar. É sempre o meu apelo, ou para a direita ou para a esquerda, vão votar.

JPN – E quais são os temas de campanha que são mais abordados pela comunidade portuguesa?

Frank Ferreira – Aqui tem sido a inflação, a economia, porque abrange todos. A notícia até tem sido boa para os democratas nestes últimos dias: os salários estão a crescer, a inflação está mais controlada. Portanto, a economia tem sido, para muitos, o essencial. Também os direitos da família e das mulheres, sobre terem acesso a cuidados de saúde, aos hospitais, às clínicas…. Esses dois assuntos são os mais falados nestes últimos dias.

JPN – O tema da imigração é algo que afeta a comunidade portuguesa?

Frank Ferreira – A imigração portuguesa já não é tão alta como era antigamente, por isso, esse assunto já não é tão preocupante como antes, porque os números diminuíram. Já não há aqueles grandes grupos que vinham nos anos 60 e 70, que trouxeram a minha família. Todos são bem-vindos, mas acho que tem havido uma mudança. Acho que também os democratas já estão um bocadinho preocupados que os imigrantes possam ser competição para muitos americanos que não tenham grande nível de educação. Estamos a ver um medo dos de fora a vir dos dois lados, e isso não é baseado na realidade, porque este país ainda é uma grande máquina que dá oportunidades para chegar ao sonho americano. É um país muito grande, que ainda pode receber muitas pessoas, mas quando a economia não está a correr bem, muitos põem a culpa nos imigrantes. Isto não é um fenómeno americano, é um fenómeno que vivemos por toda a parte do mundo. Na Europa, também se conhece bastante este problema.

JPN – Qual é a maior preocupação da comunidade portuguesa relacionada com o resultado das eleições?

Frank Ferreira – Sente-se um bocadinho de receio de que, se não há aqui um resultado definitivo, possa haver uma guerra civil. Uma coisa que já este país conhece muito bem do passado. Há essa preocupação. Não sabemos se vai haver violência nas ruas, se os resultados não forem aceites nem por um lado nem por o outro. Portanto, dedos cruzados. Tanto para os Estados Unidos, como para Portugal.

JPN – E quais vão ser os principais desafios que o país vai ultrapassar depois de conhecidos os resultados eleitorais?

Frank Ferreira – Temos de ir para a frente. Há muitas leis que mudaram nesses últimos tempos que dificultam o acesso ao voto. Os direitos das mulheres foram diminuídos por um Supremo Tribunal que é muito conservador. Em termos da economia, tem de haver mais oportunidade para todos os grupos. A oportunidade é sempre essencial, porque se as pessoas não podem ter um trabalho, não podem dar comida às famílias, não tem um lugar onde viver, o resto não interessa. Portanto, acho que temos de continuar a ser mais progressistas. Tem de haver mais conversa sobre armas nucleares, o clima e a tecnologia. Temos de falar porque estes já são assuntos que nos vão abranger a todos.

Editado por Filipa Silva