No sábado (26), o homenageado deste ano do Escritaria, Arnaldo Antunes, esteve no auditório do Ponto C, falando sobre a carreira e a arte de moldar palavras.
O Escritaria deste ano teve como homenageado Arnaldo Antunes, um artista brasileiro de múltiplas facetas: cantor, compositor, performer, caligrafista e escritor com mais de 40 anos de carreira que transporta na bagagem a intimidade com as palavras e o poder de transformá-las de diversas formas.
Na qualidade de homenageado, deu concertos – um deles com Adriana Calcanhoto -, apresentou uma antologia inédita dos seus poemas, deu autógrafos e sentou-se, no sábado, penúltimo dia do festival, com Tito Couto, para uma conversa. Com os seus poemas espalhados por Penafiel, o artista conta que se sentiu como “o Mickey na Disneyland”.
O artista paulista partilhou a emoção de ver os seus poemas integrados na dinâmica da cidade: “O que mais me emocionou foi ver a minha poesia ocupando as ruas e dialogando com o espaço público. Isso foi uma coisa muito gratificante. A poesia é uma arte tão minoritária que, na hora em que vemos ela espalhada pelas ruas de uma cidade adorável como Penafiel, isso me tocou”.
Nascido numa família que valorizava as artes, Arnaldo Antunes sempre esteve imerso nesse universo, mas foi através da caligrafia que encontrou uma das suas primeiras formas de expressão artística. No início dos anos 80, ele publicou o livro “Ou, E”, no qual buscava, por meio de curvas e linhas, transmitir a entonação da voz. “Eu sempre tive esse trabalho com as palavras, mas elas serviram para mim como uma plataforma de onde eu me lanço em direção a outras linguagens. Para mim, caligrafia é a música visual”, afirmou.
Na juventude, o homenageado estudou no Colégio Equipe, uma escola reconhecida pelo seu forte apreço pelas artes e por incentivar os alunos a envolverem-se na cultura. Foi nesse ambiente que conheceu futuros parceiros de banda, como Nando Reis, Paulo Miklos, Marcelo Fromer e Branco Mello. De uma brincadeira entre amigos, surgiram os Titãs, uma divertida e irreverente banda, mistura de punk, rock, new wave e MPB (Música Popular Brasileira).
Durante a conversa, que durou cerca de hora e meia, Tito Couto recorda uma curiosidade: no primeiro disco do qual Arnaldo Antunes participou, o artista “tocava extintor”. O autor brasileiro explicou que, em 1980, foi morar temporariamente com o artista plástico Aguilar e, durante esse período, começou a participar das performances do amigo, o que levou à criação da Banda Performática, produzida pelo renomado Belchior.
Arnaldo é um artista que incorpora teatralidade nas suas obras, e nos seus espetáculos usa expressões faciais e dança como extensão da mensagem que quer transmitir ao público. Tito Couto observou que vivemos numa sociedade cada vez mais constrangida, onde o corpo parece ser visto como um obstáculo: “A sociedade começa a ter dificuldade em lidar com o corpo, expressar-se fisicamente. Estamos tão imersos na tecnologia, que começamos a perder a conexão com o movimento e o gesto”, comentou. Arnaldo Antunes, por sua vez, afirmou que, para ele, “ninguém não sabe dançar”, e acrescentou que, embora a tecnologia tenha trazido muitas vantagens, ela também introduz desafios para a expressão.
Sobre a velocidade imposta pelo mundo tecnológico, o cantautor comentou que “a mudança constante de assunto e a necessidade de lidar com muitos temas ao mesmo tempo provocam uma dispersão que demanda mais tempo de foco.” Ele destaca que eventos como o Escritaria valorizam esse tempo de concentração, que os livros podem proporcionar.
Amante de poesia, para Arnaldo este género deve fazer parte do nosso dia dia, pois ajuda-nos a contemplar: “Livro de poesia não é uma coisa que você lê ou relê, você convive”, referiu.
Em tempos de polarização e intolerância, Tito Couto comentou que a organização do Escritaria procurou, este ano, fazer em Penafiel “uma revolução humanista”, inspirada na poesia de Arnaldo Antunes, criando um espaço de diálogo aberto a todos. O cantor respondeu que “qualquer solução [para a polarização] sempre passa pela importância da cultura e da arte.” As palavras são muitas vezes vítimas deste clima. Arnaldo Antunes prefere enfatizar a beleza de as moldar: “O sentido das palavras depende do seu uso. De certa forma, prezo muito essa questão do lúdico. Poder amalgamar as sílabas, inventar palavras, inverter a sintaxe. Um lúdico que carrega de mais significação as palavras, do que elas teriam no seu uso corriqueiro”.
Questionado sobre o legado que gostaria de deixar, Arnaldo respondeu que não pensa nisso, pois acredita que essa tarefa cabe aos outros, não a ele.
A passagem de Arnaldo Antunes por Penafiel foi fechada no dia seguinte, domingo, com a sala esgotada, e ao lado do pernambucano Vitor Araújo. Os arranjos do pianista deram o tom e Arnaldo deu a voz e a poesia à música, de caráter dadaísta, que enforma o projeto “Lágrimas no Mar”. O espetáculo contou ainda com um momento especial quando Márcia Xavier, esposa de Arnaldo, se juntou a ele no palco para interpretar as canções “Como Dois e Dois” e “Se Tudo Pode Acontecer”.
Editada por Filipa Silva