Salvador Barceló é um jovem de 29 anos, de Múrcia, que se viu no meio de uma das maiores tragédias naturais recentes em Espanha. Duas semanas passadas sobre as cheias que provocaram a morte a mais de 220 pessoas, o jovem empresário tornou-se uma das pessoas na linha de frente do voluntariado em Valência.

Representante do “distrito” que abrange a região de Valência e arredores no Rotaract Clube – organização que procura formar líderes e procurar soluções inovadoras para problemas atuais – Salvador já estava acostumado a viajar pelas cidades da região e a entender de perto as necessidades das comunidades. No entanto, jamais imaginou o que estava por vir em Valência. Ao JPN, a partir de Espanha, o jovem conta que estava em Múrcia quando tudo aconteceu no dia 29 de outubro, mas rapidamente organizou-se para prestar auxílio aos afetados, unindo-se a voluntários nas áreas devastadas.

A tragédia ocorreu durante um fenómeno conhecido como DANA (Depressão Atmosférica em Níveis Altos), tempestades intensas que se formam devido ao aquecimento global e atingem várias regiões da costa mediterrânea. Embora as chuvas sejam comuns nesta época do ano, Salvador destaca que a situação em Valência foi particularmente desastrosa devido à rutura de uma barragem. Essa rutura, libertou uma imensa quantidade de água, elevando subitamente o nível nas ruas para alturas inimagináveis e apanhando todos de surpresa. 

Conta que muitas pessoas ficaram presas nos seus carros e não conseguiram escapar. A demora para emitir um alerta emergencial terá sido agravado o número de vítimas, já que muitos estavam sem saber o que fazer. “Muitos se afogaram porque não conseguiram quebrar as janelas. Aqueles que conseguiram sair dos carros foram arrastados pela água ou morreram de outras formas. É trágico, mas é a realidade”, diz ao JPN. 

A experiência de Salvador como voluntário nas ruas de Valência marcou profundamente a sua visão sobre o impacto do desastre. Ele relembra cenas de extremo sofrimento e dor: “Algumas pessoas pediam apenas um abraço, chorando sem consolo”, conta.

Com cerca de 220 mortes confirmadas e dezenas de desaparecidos, o voluntário percebeu que o apoio emocional era tão necessário quanto o apoio material ou de bens essenciais. Encontrou famílias despedaçadas pela perda de entes queridos e pela incerteza do futuro. Essa vivência fez com que ele sentisse de perto a dor de quem perdeu tudo e o trauma de quem terá que reconstruir a sua vida praticamente do zero.

Salvador Barceló

Salvador Barceló (ao centro) e seus companheiros Raquel Gilabert, Marcelo Patacho, Guillermo Babe e Benjámin Vásquez (da esquerda para a direita). Foto:

Além de se sensibilizar com o sofrimento das famílias, Salvador Barceló observou de perto o caos que se instaurou nas operações de ajuda. Ele conta que, com a rápida mobilização de toda a Espanha e até de comunidades internacionais, essa resposta inicial se transformou num problema de superabastecimento. O congestionamento de estradas e a acumulação excessiva de materiais nos centros de distribuição dificultaram o trabalho das equipas de resgate e geraram um cenário de desordem e sobrecarga, agravando ainda mais a crise. As estradas foram bloqueadas por veículos de transporte de doações, o que dificultou o acesso da Unidade Militar de Emergências (UME) à área nos primeiros dias, segundo nos relata o voluntário. “A situação atual em Valência é caótica”, constata Salvador Barceló.

Para Salvador, o desastre em Valência expôs falhas nas respostas do governo e das autoridades regionais. Ele explica que, embora tenha sido anunciado o envio de 5.000 militares, essa força era insuficiente para a magnitude da tragédia. Houve, segundo ele, uma falta de coordenação e sensibilidade para entender a verdadeira escala do problema. Isso gerou críticas por parte das comunidades locais, que viu, nas ruas, o sofrimento de pessoas que poderiam ter sido melhor assistidas se houvesse uma resposta mais adequada e coordenada.

Por fim, acredita que esta experiência deixa lições profundas. Ele destaca a importância de os governos monitorarem e reforçarem infraestruturas como barragens e sistemas de drenagem, e de não ignorarem os alertas prévios a situações meteorológicas extremas. Salvador deseja que essa tragédia não seja esquecida e que o sofrimento das famílias de Valência sirva como um lembrete para que futuras gerações estejam mais preparadas: “a tragédia foi tão grande que as pessoas não vão esquecer, e saberão o que fazer no futuro. Espero que, como aconteceu recentemente em Málaga, a população aprenda a se proteger”.

Na noite de quarta-feira (13), Valência voltou a ser atingida e agora Málaga também. Entretanto, ainda abaladas pela tragédia, as autoridades retiraram as pessoas das zonas mais perigosas, resultando num impacto menor. No momento, as regiões encontram-se sob alerta laranja, mas a Agência Estatal de Meteorologia (AEMET) recomendou que a população evite locomover-se por riscos de inundações.