O JPN entrevistou o professor da Universidade Metropolitana de Oslo à margem do VIII Congresso do Ciberjornalismo, que decorreu na semana passada no Porto. Além da dependência dos media face às grandes plataformas digitais, abordamos a investigação que é feita no campo do Jornalismo, onde considera que é preciso quebrar barreiras.
O professor e investigador sueco, Oscar Westlund, esteve na semana passada no Porto, a falar sobre “Jornalismo na era da plataformização”, uma palavra já dicionarizada em Portugal e que neste contexto faz referência às grandes plataformas digitais, de que são exemplo o Instagram e o Facebook, o Youtube, o TikTok ou o Google.
Numa palestra que integrou o programa do VIII Congresso de Ciberjornalismo, o académico falou sobre como os media, motivados por um certo entusiamo inicial, na expectativa de irem ao encontro do público e das métricas das plataformas, perderam o controlo sobre a distribuição das notícias. Explicou também as implicações deste fenómeno para o jornalismo e como as perceções de caráter mais otimista foram mudando em anos recentes.
Os media parecem hoje, embora a diferentes níveis em diferentes partes do globo, mais conscientes da sua dependência, também mais cientes da necessidade de “calibrarem” a sua presença nas plataformas, de forma criteriosa e adequada.
A procura pela atenção e pela interação com o público continuam a ser fundamentais para os media, mas a integridade e a segurança dos meios de comunicação social começam a ser mais considerados internamente, como revelam os resultados de um estudo ainda em curso que o académico referiu na apresentação e que envolve a análise dos relatórios anuais de cadeias de informação públicas de várias partes do globo.
Sobre alguns destes aspetos, o JPN entrevistou Oscar Westlund, à margem da apresentação que fez na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Além de abordar aspetos ligados à plataformização, falou-se também sobre Estudos do Jornalismo Digital, uma área de investigação em que o docente da Universidade Metropolitana de Oslo está envolvido, sendo atualmente o editor-chefe da revista “Digital Journalism”.
JPN – Num artigo já de 2019 que escreveu com Mats Ekström, fala sobre a “deslocação das notícias”. Para introduzir o tópico, pode explicar um pouco mais o que quer dizer quando fala sobre isso?
Oscar Westlund (OW) – As melhores definições estão nesse artigo, mas o principal argumento é que, anteriormente, tanto a produção quanto a distribuição de notícias, eram detidas, controladas e ligadas às instituições de jornalismo. Agora, vemos que as instituições de jornalismo não têm o controlo de todo o processo.
A informação circula de forma cruzada em muitas plataformas, onde as instituições jornalísticas não controlam o quanto [o conteúdo] é exposto, nem com que outro tipo de conteúdos ele é conjugado, nem as modificações a que pode ser sujeito.
Outro desenvolvimento associado é que também temos mais freelancers que têm contratos mais soltos, entram e saem, trabalham com outros parceiros, há outros atores na sociedade que imitam as notícias, trabalham e produzem conteúdo fora das instituições de jornalismo… então, há uma deslocação geral, mas está a ocorrer um “contrabalanço”, da perspetiva das instituições de jornalismo, que estão a tentar retomar um pouco desse controlo.
JPN – Disse na palestra que as empresas noticiosas estão agora mais cientes desta deslocação e que estão a tomar medidas para recuperar algum controlo. Falou sobre uma mudança no otimismo com que as plataformas eram vistas inicialmente. Que mudanças é que os editores estão a fazer para retomar parte do controlo?
OW – Estrategicamente falando, os publishers podem escolher dedicar mais ou menos horas a iniciativas através das quais não cortam necessariamente com as plataformas, mas em que o conteúdo que escolhem fazer circular nessas plataformas é pensado para fazer com que os leitores mudem para a plataforma própria [do meio de comunicação social], ou de forma imediata ou, como acontece em alguns casos, sem ter a ambição de que os leitores mudem automaticamente para a sua plataforma, mas publicam uma peça na qual os leitores ficam com uma boa impressão da marca de notícias e conhecem toda a história com algumas dicas do que mais pode ser encontrado se vierem para a plataforma própria da marca a longo prazo. Mas devem tomar mais decisões atendendo aos objetivos de longo prazo, [tendo bem definido] por que é que estão lá [nas redes] em vez de apenas esperar, no curto prazo, direcionar tráfego para o seu site ou ganhar receitas de publicidade.
É um pouco problemático no sentido em que, num nível superficial, se alguém fizesse um mapeamento de todos os jornais portugueses este ano e no próximo, podia parecer que eles fazem o mesmo. Mas podem, por exemplo, criar a sua presença nas plataformas para não serem muito dependentes de uma, mas de alguma forma serem pouco dependentes de muitas. E podem fazer circular o seu conteúdo sem que isso custe muito mais, e ao mesmo tempo ainda ganhar alguma atenção a partir dessas plataformas.
É preciso olhar para o que estão a fazer e por que é que o estão a fazer, se o fazem com noção dos efeitos de curto e de longo prazo e como isso pode ajudá-los. Mas o movimento geral para as empresas de notícias que querem recuperar o controlo é aumentar o engajamento e o tráfego para as suas plataformas próprias, onde podem controlar a exposição, interagir diretamente com o seu público, ter receita baseada em subscrições e acesso aos dados.
JPN – A confiança e a autoridade que damos às instituições de notícias vêm do reconhecimento do conteúdo como sendo feito por empresas de notícias. Mas, no ecossistema digital, podemos falar de uma erosão da identidade do jornalismo? Estar nas redes e apropriar-se das técnicas que fazem o conteúdo ter sucesso nessas plataformas contribui de alguma forma para a erosão da identidade do que uma marca de notícias deve ser?
OW – Jornalistas que já trabalhavam em imprensa, televisão ou rádio, ao irem para a web, ocorreu essa erosão, no sentido em que se identificavam com o seu canal de distribuição: “sou jornalista de imprensa” ou “sou especializado em reportagens televisivas”. E no jornalismo digital contemporâneo eles são chamados a fazer tantas coisas novas… É injusto dizer que a tecnologia avançou, ou algo assim. Eles podem não ver como parte do seu papel jornalístico envolver-se em conversas com o público em feeds de comentários e fazer promoção cruzada, mas sim oferecer o artigo, a edição, o título e as imagens, etc. Anteriormente, havia como que uma sub-profissão, que eram os profissionais de edição do jornal. Isso, de algum modo, desapareceu. Existem outros cargos como editores de web e editores de redes sociais. Vemos muitos outros papéis e muitos desses papéis surgem da intersecção entre o jornalismo e as plataformas digitais.
Mas também diria que jornalistas emergentes podem muito bem desenvolver uma espécie de identidade em torno de serem jornalistas digitais: “eu estou no jornalismo digital, eu sei como dominar a publicação cruzada de notícias em diversas plataformas; eu sei como trabalhar com estas novas tecnologias e isso é parte da minha identidade; eu sei como encontrar fontes em redes sociais, etc. Isso é parte do meu ADN”.
JPN – O que jornalistas e editores podem fazer de diferente para evitar a “dependência” das redes, mantendo a credibilidade pública no contexto das plataformas sociais?
OW – Penso que os publishers precisam de trabalhar bastante as suas plataformas próprias enquanto tentam, ao mesmo tempo, chegar a diferentes públicos, tornando-os conscientes da sua existência. Porque o público não sabe necessariamente que eles existem.
Eu conversei com o chefe de análise da emissora pública sueca e eles fizeram centenas de grupos de foco no ano passado. Nesses grupos focais, havia adolescentes e jovens adultos que disseram: “talvez devessem considerar ter uma app ou uma função onde podemos ver os vossos vídeos”. Isso já existe há 15 anos! Mas eles nem se importaram em procurar. E isso veio de diferentes grupos de foco.
Então, algumas pessoas tropeçam na marca de notícias ou souberam dela pelos pais, algumas viram nas redes sociais, mas nunca se preocuparam em ir até às suas plataformas.
JPN – Mas estamos num ponto em que as empresas de notícias se podem dar ao luxo de deixar as redes sociais e ficar apenas nas suas plataformas próprias? Isso é uma opção hoje? Porque o público está nas redes sociais.
OW – Se olhar para os relatórios de jornalismo digital da Reuters Institute, pode ver que a proporção relativa ao tráfego direto é mais alta nos países escandinavos e muito menor, por exemplo, na América do Sul, no sul da Europa e na Ásia, onde são mais dependentes das redes sociais ou dos motores de busca para chegar às notícias. Mas isso é, até certo ponto, a questão de como as empresas noticiosas trabalham ativamente para se estabelecerem como a porta de entrada para as notícias.
JPN – Falou também sobre Inteligência Artificial (IA) e expôs uma preocupação em relação ao investimento, neste caso da China, em IA. A internet mudou a forma como as notícias podem chegar até nós. As redes sociais acrescentaram uma camada a isso. Agora temos IA, temos algoritmos que podem ser alterados a qualquer momento. A tecnologia move-se muito rápido. Como é que as empresas de notícias, que não têm os recursos que essas empresas de tecnologia têm, podem acompanhar tudo isto?
OW – Primeiro temos de diferenciar o que é que diferentes empresas e atores estão a fazer no mercado. Claro, as empresas de notícias que têm o seu modelo de negócios na produção de jornalismo, não são empresas de tecnologia ou empresas de IA. A indústria de notícias terá de comprar alguns serviços ou soluções a outras empresas. Podem fazer isso por conta própria – individualmente, têm pouco poder negocial, mas têm associações como INMA [International News Media Association], a Global Editors Network, a WON-IFRA [World Association of News Publishers] através dos quais podem ter mais poder negocial, ou conglomerados de media.
Alguns deles desenvolvem, de facto, as suas próprias tecnologias e no caso das organizações de media de serviço público escandinavas, que são financiadas pelo estado e pelo dinheiro de impostos, espera-se, por lei, que tenham as suas próprias tecnologias. A razão é que os media são vistos como uma infraestrutura crítica para a sociedade, o que significa que se os media públicos escandinavos estivessem somente nas redes sociais e houvesse… este seria um exemplo muito sombrio e não quero dizer que isso vai acontecer, mas imaginemos uma situação em que, por exemplo, os EUA, sob a liderança de Donald Trump, decidem fazer uma operação militar ofensiva na Suécia. Através da legislação, podem dizer às plataformas americanas como o Facebook, Instagram, WhatsApp, Snapchat, etc., para cortarem as redes sociais na Suécia. Isso significaria que grandes infraestruturas de comunicação que os suecos usam nas suas vidas quotidianas seriam cortadas. Essa é uma infraestrutura muito crítica, e se estamos acostumados a usar todas essas tecnologias não proprietárias, isso é um problema.
Isso está a acontecer. Com a invasão russa à Ucrânia, Putin cortou o acesso a plataforma estrangeiras dizendo que difundem notícias falsas. O regime no Irão fez o mesmo, muitas empresas do Médio Oriente fizeram o mesmo, a China opera da mesma forma. Então, na Escandinávia, o serviço público de media precisa desenvolver infraestruturas críticas. As empresas comerciais não são obrigadas a isso. Algumas delas fazem isso por razões comerciais, mas custa muito dinheiro. Não podem competir com a Google, etc. em termos de IA, mas a Shibstead, por exemplo, que opera principalmente na Noruega e Suécia, mas tem empresas fora, eles trabalham muito com dados, Inteligência Artificial, sistemas de gestão de conteúdo e assim por diante. Grandes investimentos, não tão bons [quanto os das grandes empresas], mas ainda assim próprios.
Pequenos jornais locais na Suécia ou em Portugal não têm esses recursos e dependerão da colaboração com outros, mas o negócio principal deles não é ser uma empresa de IA. O negócio principal é ser um editor de notícias numa comunidade local, entrar em contato com o público, ter acesso às fontes que irão informá-los, e fazer jornalismo. E devemos lembrar que as plataformas [como o Facebook, Instagram, etc.] não se apresentam como publishers. Podem muito bem pegar em conteúdo de outros, mas não os produzem. Então, há uma vantagem única, e se os editores publicarem material único e o bloquearem no seu site, não vai circular nas redes sociais da mesma forma.
JPN – Vamos então ao campo académico. Como é que as universidades estão a lidar com toda esta mudança? Sei que defende que o jornalismo digital não devia ser um campo dentro do jornalismo, mas um campo académico autónomo. Que campo é este e por que razão devia ser autónomo?
OW – Sim. Num artigo publicado em 2019, na revista “Digital Journalism”, no qual lançámos os artigos conceptuais, Scott Eldridge, Kristy Hess, Edson Tandoc e eu, discutimos os Estudo do Jornalismo Digital (DJS, na sigla inglesa) como um campo académico autónomo. Para mim, a principal razão é porque os Estudos do Jornalismo, que em larga medida tiveram origem nas ciências sociais e humanas, e que são um campo, de acordo com a classificação da ICA [International Communication Association], têm estado tão focados nos jornalistas e nos editores per se… Na minha tese de doutoramento, estudei jornalistas, empresários e tecnólogos para reconhecer que numa organização jornalística, numa instituição jornalística, não há só jornalistas a trabalhar.
E as decisões que esses jornalistas tomam, não decorrem simplesmente do jornalismo e do que é melhor para o jornalismo. Elas estão ligadas aos recursos e à competência disponíveis para fazer negócio e trabalhar com tecnologias. E nós precisamos de alargar a nossa perspetiva para lá do estudo dos jornalistas e dos editores e dos consumidores de notícias para realmente entender o posicionamento das notícias e do jornalismo por relação com os atores e movimentos que o circundam na sociedade.
Além disso, posicionando-o não como uma espécie de sub-área dos Estudos do Jornalismo, abrimos espaço para intervenções interdisciplinares que são muito importantes e, ao longo dos anos, na qualidade de editor da [revista] “Digital Journalism” contactei com investigadores oriundos de áreas académicas distintas, seja gestão de media ou negócios de media ou direito ou ciência da informação ou comunicação política. E estes investigadores podem trazer teorias e investigação feita a partir de uma perspetiva diferente para o contexto do jornalismo e isso vai ter implicações na forma como entendemos o jornalismo e as notícias, com base em investigação relevante.
Por exemplo, colaborei com Natali Helberger, que é uma professora muito impressionante da Universidade de Amesterdão, que tem a sua formação de base em direito da informação. Ela está muito envolvida na produção de políticas ao nível da União Europeia, como o Regulamento da Inteligência Artificial (AI Act) e por aí adiante e ela não publicaria a sua investigação na “Digital Journalism” se não estivéssemos abertos à discussão de como o jornalismo está a ser afetado por políticas regulamentares, pelos desenvolvimentos da Inteligência Artifical, etc.
Eu considero que é super importante romper com algumas destas barreiras a outras disciplinas e não dar só importância a uma área muito mais pequena de investigação, de compreensão teórica e de formação disciplinar.
JPN – E não é uma questão de dar simplesmente mais ênfase ao papel da tecnologia no ecossistema digital de hoje. Não é só isso.
Não, de todo. Os Estudo do Jornalismo Digital, para mim, são para comunicar que o campo não é Estudos do Jornalismo. Estudos do Jornalismo é uma entre várias disciplinas, por assim dizer, a partir das quais nós podemos construir investigação.
Nos relatórios de publicação da [editora] Taylor&Francis, podemos ver como os artigos de uma revista estão a ser citados por outras revistas. E, claro, a nossa revista e os artigos que publica é maioritariamente citada noutras revistas da área do Jornalismo, Estudos do Jornalismo, Prática do Jornalismo, etc., mas também verificamos um grande número de citações na “New Media Society”, na “Information Communication Society”, na “Media and Communication”, “Social Media Society”, “Journal of Media Management” e isso acontece porque tornamos a nossa investigação relevante para essas publicações e para os investigadores e as agendas de investigação dessas publicações.
O nosso número mais recente saiu esta semana e é sobre o negócio do jornalismo. Temos números especiais que tentam captar áreas relacionadas, importantes para o jornalismo.
JPN – Onde é que este ecossistema digital coloca a autoridade jornalística?
OW – Uma coisa é a impressão geral sobre o jornalismo, que é o que o Matt Carlson chamaria de autoridade jornalística ou a autoridade epistemológica e ideias normativas sobre as instituições de jornalismo e de como elas podem defender valores para produzirem notícias verdadeiras e afirmarem-se como produtores de conhecimento. E é justo dizer que ao longo dos últimos oito anos, quando o Trump começou a chamar de “fake news” aos media, tem havido mais questionamento sobre a autoridade jornalística dos meios de comunicação tradicionais.
Vemos o crescimento de media noticiosos alternativos e de diferentes atores que tentam minar os media tradicionais. E quando isto é acompanhado por um declínio constante do consumo de notícias, isso significa também uma diminuição nos números da confiança.
Então, nesse sentido, a autoridade jornalística mudou. Isso não significa necessariamente que os jornalistas produzam notícias menos verdadeiras, embora possam ser, com as pressões do tempo, a redução de pessoas nas redações que tornou mais difícil trabalhar com o jornalismo e há também uma mudança na forma como as fontes de conhecimento especializado se relacionam com os jornalistas.
Em alguns países, como no Brasil, nos EUA, nas Filipinas, etc., os políticos podem dizer que os jornalistas credenciados não terão direito a uma entrevista com eles ou impõem condições. Eles podem preferir, por exemplo, dar uma entrevista a um podcaster alinhado politicamente com os seus valores e que não os questione. Mas também outras fontes, como os académicos, não estão necessariamente a ajudar os jornalistas.
JPN – Porquê?
OW – Eu conheço vários que não fazem mais isto [de dar entrevistas], eu incluído. Fui citado erroneamente muitas vezes pela imprensa sueca. Não leem os artigos. Se eu publico um estudo empírico sobre plataformas ou redes sociais e os jornalistas virem que há um novo trabalho, não o leem. Perguntam-me coisas como: “qual vai ser o futuro em cinco anos?” ou “a Inteligência Artificial vai acabar com os jornalistas?”. Não foi o que eu escrevi, isso não é parte do artigo. Perguntam: “pode falar sobre isto?”, mas de algum modo podem editar a entrevista de acordo com a sua perspetiva e eu conheço muitos investigadores que foram mal citados por bons jornalistas, o que pode levar a que eles não queiram participar. Por outro lado, [nas instituições académicas] transmite-se a ideia de que o envolvimento público é importante e que por isso devemos falar com os media, mas não há incentivos para isso. Algumas fontes estão a retirar-se dos media e isso afeta [o jornalismo].