Depois do DN, em junho, foi a vez do jornal "Público", em setembro, lançar um projeto direcionado para a comunidade brasileira. O JPN conversou com Vicente Nunes, editor-chefe do projeto, para entender mais sobre a criação, o futuro e o balanço dos primeiros três meses de atividade.
Num contexto de crescente presença brasileira em Portugal, surge o Público Brasil, um braço do jornal português “Público” voltado para a comunidade brasileira, de longe a comunidade estrangeira mais expressiva em Portugal. Criado por um consórcio de jornalistas liderados por Vicente Nunes, editor-chefe, e Fernando Thompson, editor-executivo, o projeto está online há três meses e já soma mais de 5 milhões de visualizações neste período. Mas o caminho até aqui não foi linear.
A ideia de criar o Público Brasil começou em 2022, quando Vicente Nunes se mudou para Portugal como correspondente do “Correio Braziliense”, conta o jornalista brasileiro ao JPN. Apesar da intenção inicial de formar uma parceria entre o jornal brasileiro e o “Público”, o projeto acabou por não se concretizar. No entanto, com o grande interesse do jornal português em avançar com a ideia, ela acabou evoluindo para um formato diferente. Um consórcio formado pelos jornalistas brasileiros apresentou uma proposta em que o modelo empresarial divide a gestão: 51% pertencem ao jornal português e 49% aos jornalistas brasileiros.
Esse formato, porém, trouxe responsabilidades financeiras: “Estamos assumindo riscos. Se não entrar dinheiro, ninguém recebe nada”, explica Vicente Nunes. Para viabilizar o início do projeto, contaram com o patrocínio empresas como a TAP, Apex Brasil, Febraban e CNSEG, o que permitiu que o Público Brasil fosse lançado com acesso totalmente gratuito no primeiro ano.
Atualmente, a equipa é formada por seis jornalistas que trabalham na redação do Público, em Lisboa. São eles Vicente Nunes, Fernando Thompson, Ana Cunha, Felipe Eduardo Varela, Jair Rattner e Carlos Vasconcelos. Os conteúdos podem ser acedidos tanto no site quanto na aplicação do jornal (em Android e em iOS).
Um espaço para brasileiros
O Público Brasil atende a um público-alvo significativo: o Brasil já é o segundo maior mercado do “Público” em acessos. Além disso, segundo a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) cerca de 400 mil brasileiros vivem legalmente em Portugal, número que não tem parado de crescer. Segundo Vicente Nunes, faltava um veículo de comunicação que representasse essa comunidade, que lhe desse “voz e cara”: “Nós acreditamos que havia uma avenida aberta para lançar uma publicação escrita em português do Brasil, feita por jornalistas brasileiros”, explica.
Tanto assim é que o “Público” não foi o primeiro jornal português a apostar na comunidade brasileira. O “Diário de Noticias” (DN) lançou em junho uma secção voltada para a comunidade brasileira em Portugal que também é escrito em Português do Brasil e persegue um objetivo comum aos dois projetos editoriais: “valorizar os imigrantes que escolheram Portugal para viver e promover a integração na sociedade portuguesa.”
Um dos destaques do projeto lançado em Setembro pelo “Público” é a abordagem de temas de serviços e integração, com colunas como “Como Fazer”, que trazem orientações práticas sobre burocracias portuguesas, como a obtenção de NIF (número fiscal) ou carteiras de trabalho. Esse esforço busca ajudar tanto os brasileiros recém-chegados, quanto os que já vivem no país.
A língua que une e separa
O caminho para consolidar o Público Brasil não tem sido fácil. Um dos maiores desafios foi a aceitação por parte dos leitores tradicionais do Público, face às diferenças linguísticas e editoriais. “Recebemos muitas perguntas sobre por que existe uma publicação dentro do Público que escreve em português do Brasil”, comenta Vicente. Para lidar com isso, a equipa implementou estratégias como o uso da marca “BR” nas suas matérias e a criação de e-mails padrão para responder a questões.
Outro obstáculo foi a própria estruturação da equipa, composta por seis jornalistas. Todos precisaram obter carteiras profissionais de jornalista em Portugal, um processo burocrático que levou meses. Além disso, a equipe trabalha com recursos limitados e ainda enfrenta dificuldades para expandir áreas como a produção de vídeo e a gestão de redes sociais.
Apesar das dificuldades, os resultados do Público Brasil são animadores. O site já alcançou leitores em 161 países, e algumas matérias chegaram a atingir 180 mil visualizações num único dia. Entretanto, os profissionais esperam que o projeto se consolide e crie uma base forte para assim contratar novos profissionais, especialmente, para as redes sociais e para a produção de vídeos. “Quando começarmos a publicar vídeos, acredito que a audiência do Público Brasil vai dobrar”, projeta Vicente.
A médio prazo, a intenção é expandir para outros países da Europa com grandes comunidades brasileiras, como Espanha, França e Reino Unido. A equipa também quer continuar a fortalecer o papel do Público Brasil como uma fonte confiável de informação, combatendo fake news e promovendo uma visão mais equilibrada sobre a presença brasileira em Portugal.
Contribuir para mudar as narrativas
Além de ser um veículo de informação, o Público Brasil quer ter um papel social relevante. A equipa dedica-se a desmistificar a ideia de que Portugal é um “El Dorado” sem desafios, além de combater preconceitos. “A gente tem mostrado muito, contado histórias de sucesso de empresários que vieram para cá e estão gerando emprego e renda. Fiz uma matéria semana passada, mostrando que os brasileiros esse ano vão contribuir com 1 bilhão e 400 milhões de euros para a Previdência, para a Segurança Social”, enfatiza Vicente Nunes.
Com um setor de turismo com forte presença de brasileiros e uma contribuição significativa para a segurança social portuguesa, os brasileiros têm-se mostrado contribuintes ativos para a economia portuguesa. O Público Brasil pretende continuar a dar visibilidade a essas histórias, fortalecendo o protagonismo da comunidade brasileira.
Editado por Filipa Silva