Dagu tem percorrido o país em turné com o espetáculo “Pénis (Uma Espécie De) Musical”, ao lado dos atores Ricardo Castro e Rui Santos. Em entrevista ao JPN, o artista conta como foi crescer no Porto, nos anos 90, reflete sobre a cultura "woke" e admite que viver com o Transtorno do Défice de Atenção e Hiperatividade (PHDA) pode ser “algo muito benéfico” ou uma “maldição”.

Daniel Silva, conhecido pelo público como Dagu, cresceu no bairro da Corujeira, no Porto, na década de 90. Ao recordar a sua infância, relembra o “rapaz muito divertido e criativo” que era, mas assume os desafios e as inseguranças que enfrentou: “Nos anos 90, estava a crescer no Porto, sem referências nenhumas. Por exemplo, na escola, tinha uma pessoa gay e mais ninguém.”

O comediante reflete sobre como se sentiu deslocado na juventude, especialmente, por não corresponder aos padrões dos colegas e professores. Esta sensação foi exacerbada pela forma como o sistema educativo estava estruturado, como a obrigação de jogar futebol na escola, um desporto com o qual não se identificava. “Porquê é que o Daniel não gosta de futebol?”, questionavam os colegas, que não compreendiam as suas preferências. 

Embora, a criatividade sempre tenha sido uma característica da sua personalidade, Daniel admite ter sido sempre “muito aluado”, o que afetou a sua vida. Há cerca de ano foi diagnosticado com Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA). A condição, diz, até pode ser benéfica, pois “as pessoas que têm PHDA, normalmente, são mais criativas”, contudo “o turbilhão de pensamentos” torna difícil a execução de certas tarefas.

A “ansiedade é um dos sintomas que está normalmente associado ao PHDA e acho que faz parte porque tu ficas frustrado com o que não estás a fazer”, reconhece.

O diagnóstico tardio acabou por ser um desafio devido à “personalidade já muito formada”, embora tenha encontrado estratégias que o auxiliam no dia a dia: “Eu gravo áudios e depois passo para o papel. Porque eu, ao escrever, já estraguei tudo. Ao escrever já perdi o interesse, já não tem piada nenhuma.”

O nome Dagu, duas silabas retiradas de “Daniel Augusto”, surgiu numa “fase de mudança” que resultou de uma fase de insatisfação profissional. “Eu estava a dar aulas de dança, de fitness, aulas de grupo, aqui no Porto. Só que não estava a sentir-me muito realizado profissionalmente e pensei: ‘vou ter de melhorar a nível profissional, vou ter de fazer aqui uma mudança, procurar alguma coisa que me preencha mais como artista’”, relembra.

Em 2012, o portuense foi para Lisboa, onde se licenciou em Dança, na Escola Superior de Dança, e enquanto bailarino acabou por participar em diversos projetos. Desde o videoclipe da música “Medellín”, que juntou a cantora Madonna com o músico colombiano Maluma, até realizar o fecho da tour da fadista Mariza, no Meo Arena, a ser host em cabarets, em França.

As experiências profissionais fora de Portugal, permitiram que o artista amadurecesse, tanto a nível profissional como a pessoal. “Amadureci trabalhando fora do país. Porque tu percebes o que é ser imigrante. Tu percebes o que é estar longe da família, dos amigos, passar aniversários fora de casa”, explica Dagu.

No seu percurso profissional já teve inúmeras experiências no mundo artístico, mas foi na comédia que enfrentou a prova mais desafiante da sua carreira: o “Último a Rir”, um concurso de stand-up comedy promovido pela revista “Sábado”.

“O ‘Último é o Rir’ foi talvez o mais desafiante. Porque é stand-up, era um mundo mais recente para mim. Acho que a comédia foi desafiante ao ponto de eu perceber, é por aqui”, afirma.

Define a comédia como um “refúgio terapêutico”, pois embora reconheça que “desde miúdo” tem um “sentido de humor muito apuradinho”, também explica que o usou como “um mecanismo de defesa”.

“Tu crias uma persona. Não é persona. Eu não diria que fui falso durante a adolescência toda, mas tu vais criando defesas para não chegarem a ti, porque sabes que se chegarem a ti vai magoar. Se já magoava com o bullying que eu sofri, com os insultos, os cachaços, as rasteiras por acharem que é [homossexual], imagina se soubessem que é.”

Tu vais criando defesas para não chegarem a ti porque sabes que se chegarem a ti vai magoar.

As diferentes áreas de atuação permitem-lhe explorar uma maior fisicalidade em palco, que acredita ser uma “mais-valia”, embora realce que “há piadas que com o movimento” podem ser exacerbadas” e para si “isso é batota”. “Eu não quero, com o movimento, estar só ali a camuflar. Como dizia muito bem o Salvador Martinha, estou a pôr maquilhagem numa piada mais fraca”, justifica.

Quando questionado pelo JPN sobre a cultura woke, Dagu reconhece que: “é complicado, porque, quer queiras quer não, na última década houve aqui um crescendo de conceitos muito grande, e ainda bem, mas é muita informação”. Enquanto defensor dos direitos de igualdade, Dagu sente que não “ergue uma bandeira” e considera “eu já sou ativista na comédia, só por ser quem sou”.

Quando questionado pelo JPN sobre o movimento woke – um termo de origem anglo-saxónica, com conotação positiva ou negativa, consoante quem o usa, mas em todo o caso associado à luta contra as desigualdades e preconceitos –, Dagu reconhece a complexidade da temática. Na sua opinião, a mobilização em torno de causas é positiva, mas admite que encerra desafios.

No podcast “Deslarga-me”, realizado com David Cristina, em que “dois amigos, um gay e um não-gay, falam sobre diferenças e as semelhanças entre eles”, o comediante sentiu a pressão de ter de saber tudo: “sendo da comunidade, da minoria, senti mesmo que se eu responder erradamente, vou ser chacinado”. “O que me assusta é que já está muita gente confusa com o que está na mesa, neste momento. Se tu começas a acrescentar muitos ingredientes à receita, vais chegar a um ponto em que já ninguém quer comer, nem sequer quer experimentar”, obswerva.

A sua abordagem ao ativismo não passa por “erguer uma bandeira”, mas sim pela autenticidade: “eu já sou ativista na comédia, só por ser quem sou”, diz. Para ele, o humor e a comunicação podem ser ferramentas para educar e promover a reflexão, sem que a sua identidade seja reduzida apenas à sua orientação sexual.

No que refere à cultura do cancelamento, o artista defende que “atrás do computador são todos Hércules. O hate na internet quer conexão. De alguma forma quer conectar-se, quer mostrar que tem razão e torna-se muito cansativo.”

O hate na internet quer conexão.

Atualmente, encontra-se em turné com o espetáculo “Pénis (Uma Espécie De) Musical”, juntamente com os atores Ricardo Castro e Rui Santos, um projeto que lhe permite percorrer novas vertentes: “Tive de tirar um workshop, não sou ator de raiz, tive alguns workshops de dicção, de teatro, de comédia improviso, mas sei que é um caminho que posso explorar.”

O comediante anuncia que, brevemente, irá lançar o seu primeiro solo de stand-up comedy: “Uma horinha, só com o meu material, com as minhas ideias ali. Sim, vai ser para breve. Estejam atentos.”

Com Cláudia Campilho e Maria de Carvalho

Entrevista realizada no âmbito da cadeira de AIJ Imprensa – 3.º ano

Editado por Filipa Silva