O Teatro Nacional de São João quer que os seus palcos e o que neles acontece seja acessível a mais pessoas. Teresa Batista, produtora executiva do centro educativo, conta como funciona o braille, a Língua Gestual Portuguesa, a audiodescrição e o reconhecimento de palco no TNSJ.
Braille: teatro na ponta dos dedos
A pensar nas pessoas com deficiências visuais, o Teatro Nacional São João (TNSJ) disponibiliza programas de sala de algumas das suas peças em braille, mas não de todas. Sempre que existe uma sessão com audiodescrição, o centro educativo do TNSJ pede à ACAPO (Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal) que produza a folha, conta ao JPN Teresa Batista, produtora executiva do centro educativo. Esta ferramenta é também utilizada em atividades do centro educativo, como as leituras dramatizadas, onde, quando necessário, se incluem textos com caracteres ampliados ou em braille.
LGP: nenhuma tecnologia substitui um bom intérprete
Ao nível de LGP, o mais comum no TNSJ é que o intérprete esteja à parte da peça. No entanto, e como referiu ao JPN António Pinto, frequentador do TNSJ, a situação ideal seria que o intérprete estivesse incluído no espetáculo. Teresa Batista concorda com a ideia: “para o público surdo seria maravilhoso, porque viam a peça na sua própria língua”.
A técnica, que está também a estudar a LGP na Escola Superior de Educação do Porto, acrescenta que os intérpretes “permitem que o público surdo usufrua do teatro, de forma única”, reforçando que o trabalho destes profissionais é fundamental. “Com a inteligência artificial, há o risco de a profissão desaparecer, mas eu acho que não há nenhuma tecnologia que consiga reproduzir o trabalho de um bom intérprete”, declara.
Enquanto produtora, Teresa Batista garante que os intérpretes são cuidadosamente escolhidos para atender às especificidades do público. Para espetáculos infantis, por exemplo, são escolhidos intérpretes mais expressivos e em peças para adultos, a escolha recai sobre profissionais com uma abordagem mais clássica.
Numa peça de grande duração, é aconselhado que haja mais do que um intérprete e que estes alternem entre si. Para esta dinâmica funcionar, a profissional do centro educativo clarifica que os tradutores se devem complementar, “porque cada intérprete tem a sua forma de trabalhar e não podem ter características distintas”.
Do som à imaginação: o poder da audiodescrição
A “audiodescrição é uma coisa viva”, descreve Teresa Batista. Esta ferramenta permite que as pessoas cegas ou com baixa visão recebam descrições em tempo real dos movimentos, cenários e expressões que estão a acontecer em palco, criando uma experiência rica e envolvente. Teresa Batista conta como um casal passou a usufruir de forma diferente do espetáculo com esta ferramenta.
De forma a que a utilização deste recurso seja eficiente, o audiodescritor deve receber o guião da peça com “um mês de antecedência, 15 dias é o tempo limite. Se for uma peça que já foi feita, recebe o vídeo do espetáculo; se ainda estiver a ser montada, temos que gravar um ensaio, o mais fidedigno possível ao que vai ser a peça”, expõe Teresa Batista.
“Durante o espetáculo, o audiodescritor trabalha ao vivo, descrevendo o desenrolar da peça, nos momentos em que não há diálogo, sem se sobrepor às falas dos atores”, explica a profissional do Teatro Nacional. O audiodescritor necessita de estar presente uma vez que o guião nunca é seguido na sua totalidade: “pode acontecer qualquer coisa em palco, um atraso, um adereço que não entra”, completa.
A produtora aponta que o público cego recebe as descrições “por meio de um recetor unilateral”, para alternar entre as informações dos atores e do audioguia. Desta forma, é possível que a experiência do espetáculo se mantenha autêntica.
Sobre o impacto da tecnologia, Teresa admite que esta possa ser uma aliada promissora, mas “nada substitui o profissional presente no espaço para fazer um bom trabalho.” “Assisti a um sistema experimental em maio, de audiodescrição pré-gravado, e é muito constrangedor, porque depois os tempos não batem certo e é sofrível”, recorda.
Embora o TNSJ trabalhe para que todas as suas produções incluam audiodescrição, tal como Teresa admite na reportagem que o JPN dedica ao tema, essa não é ainda a realidade do TNSJ. Produções externas e espetáculos mais restritos, como monólogos, muitas vezes dificultam a implementação deste recurso.
Num vídeo produzido pelo TNSJ, Anaísa Raquel, audiodescritora, faz uma completa descrição daquilo em que consiste o seu trabalho.
Reconhecimento de palco: espaço para sentir
Outro recurso disponibilizado em algumas peças do TNSJ é o reconhecimento de palco e está diretamente ligado à audiodescrição. Antes das récitas com audiodescrição, o teatro realiza sessões onde o público cego explora os cenários e pode tatear os figurinos: “percebe se é lã, algodão, seda ou cetim”, descreve Teresa Batista. Os utilizadores têm também a possibilidade de interagir com os atores, “estes descrevem-se fisicamente e dizem que personagem é que vão interpretar”.
Durante o espetáculo e graças ao reconhecimento de palco, as pessoas “conseguem criar uma imagem mental muito mais rica”, declara a produtora executiva do centro educativo do TNSJ.
A inclusão permite que o teatro seja vivido em pé de igualdade, transformando a experiência cultural em algo verdadeiramente universal. O público valoriza muito estas iniciativas: “é muito mais rica a vinda deles ao teatro com estes recursos”, conclui Teresa Batista.
Este artigo foi realizado no âmbito da disciplina TEJ II – Online
Editado por Filipa Silva