Peça vai estar em cena esta sexta e sábado (17 e 18), no Teatro Campo Alegre, no Porto. O JPN assistiu ao ensaio de imprensa e questionou a encenadora Maria Inês Marques sobre o que o público deve saber antes de e porque deve assistir ao espetáculo.

“As Secretárias” é uma peça original do grupo The Five Lesbian Brothers. Foto: Mafalda Lencastre/D.R.

Cinco personagens, quatro secretárias – Dawn, Ashley, Peaches e Patty – e a supervisora, Susan Curtis. Muito padrão de leopardo, jogos de poder, hierarquia patriarcal e comportamentos sexistas replicados num novelo de comédia e terror que se desenrola e tropeça em si mesmo entre a ação ao vivo, no escritório de uma empresa norte-americana de serração, e um cenário exterior, recriado através de segmentos sonoros e de vídeo pré-gravados. Em foco, está a convivência entre colegas que criam um culto secreto para reverter as injustiças de género na empresa, assassinando um homem por mês, na primeira noite em que as suas menstruações se sincronizam.

Maria Inês Marques traduziu e encenou o espetáculo The Secretaries com o qual teve contacto há cerca de sete ou oito anos, e cuja autoria é da companhia de teatro norte-americana, The Five Lesbian Brothers, formada no fim dos anos 80. A trupe que concebeu o espetáculo nos anos 90, dando primazia às temáticas feministas e lésbicas, com base na comédia e no ridículo – o que era pouco comum para um elenco de mulheres -, define “The Secretaries” como uma peça que “examina de que forma as mulheres podem ser capatazes do machismo”.

À encenadora portuense motivou-a o facto de ter nascido nos anos 90, de ter crescido num ambiente de escritório – em muito semelhante a alguns dos traços presentes na peça, tanto no aspeto como nos comportamentos das mulheres -, e de ser descendente da geração que foi toldada pelos ideais exagerados e ridicularizados em cena.

“Estava a estudar nos Estados Unidos e vi uma produção deste espetáculo e fiquei logo com vontade de o fazer, porque é um universo, primeiro, cómico, com o qual eu tenho alguma afinidade e, depois, esta coisa da comédia negra, muito numa onda de ficção televisiva dos anos 90, ‘Twin Peaks‘ [série televisiva]”, explicou a encenadora à margem do ensaio de imprensa. Entre a pré-produção e o concurso de financiamentos no qual participou, para além da tradução, Maria Inês gastou “uns bons dois anos”.

“As Secretárias”, com encenação de Maria Inês Marques, vai estar em cena no Campo Alegre.  Foto: Mafalda Lencastre/D.R.

Nada é ao acaso em “As Secretárias”. As cinco personagens, cada uma à sua maneira, ilustram estereótipos. O trabalho de figurinos desenvolvido por Pedro Azevedo teve a premissa de criar um ambiente dos anos 90 e cada secretária (objeto) “é o prolongamento de cada personagem”, através de elementos como fotos de gatos ou uma moldura com o retrato da mulher mais rápida a datilografar.

Ainda nos figurinos, o padrão de leopardo que veste as personagens remete para o ambiente de caça, dos assassinatos cometidos por “predadoras de lenhadores”, ambiente também sugerido pela cabeça de veado pendurada no escritório.

Maria Inês explica que, em comparação com a sua, a versão que lhe deu a conhecer “The Secretaries” era “muito ‘underground’, cabaré muito minimalista”, mas destaca a “interessante química do elenco”, que foi o que tentou recriar como encenadora. Chamou “atrizes que se conhecem, que têm uma química já de alguns anos, que são muito cómicas”.

Entre o elenco selecionado está June João, uma pessoa não-binária trans-feminina (identifica-se com os pronomes femininos), que, na visão da encenadora, “tem um instinto cómico muito aguçado” e a sua presença em palco sustenta a tese de que “o feminismo só avança e só é válido como movimento se for mais inclusivo”. O corpo de atrizes conta ainda com Carolina Amaral, Crista Alfaiate, Lígia Roque e Maria Jorge.

“A nossa proposta é uma investigação, através de uma lente cómica, daquilo que é, ainda hoje, e com alguns neo-conservadorismos, uma sociedade patriarcal que está tão enraizada, que acaba por infiltrar mesmo universos femininos”, sublinhou a encenadora. Existe uma hierarquia que parte da chefe e depois “tem quase um efeito piramidal entre elas, que é bastante tóxico e opressivo”. “Vamos vendo ao longo da peça que elas são bastante terríveis umas com as outras e bastante tóxicas”, acrescentou.

Maria Inês conclui lembrando a importância de questionar formas de feminismo como as que se veem atualmente, “um bocadinho cosmético ou superficial, por exemplo, com a questão das boss ladies” e disse que isto a leva a pensar se, mantendo certos tipos de hierarquias, a sociedade está a “desconstruir esta lógica patriarcal” ou “a perpetuá-la doutra forma”.

“As Secretárias” insere-se no ciclo Make Trouble do Teatro Municipal do Porto, contando com duas sessões no Auditório do Teatro Campo Alegre, nos dias 17 e 18 de janeiro (esta sexta e sábado), às 21h00, já esgotadas.

Mas há já mais datas e locais confirmados onde “As Secretárias” vai estar em cena. No dia 7 de fevereiro, uma sexta-feira, às 21h30, a peça entra em cena no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra. Depois, em outubro, vai poder ser vista em Lisboa, na Sala Estúdio Valentim de Barros/Jardins do Bombarda (pertence ao Teatro D. Maria II), entre os dias 17, às 21h00, 18, às 19h00, e 19, às 16h00 (sexta a domingo), e, por fim, dia 23 (quinta-feira), no Cineteatro Louletano, em Loulé, com horário por definir.

A encenação foi pensada para espaços de apresentação pequenos, para acentuar o desconforto provocado pelo texto com a proximidade e até a claustrofobia entre quem protagoniza o espetáculo e quem a ele assiste. Deixa-se a nota para o facto de a peça conter representações de violência e fumo em cena, além de luzes estroboscópicas ou intensas.

Editado por Filipa Silva