Manuel Marques tem 45 anos e é pescador poveiro há 33. Em entrevista ao JPN, partilha a sua visão sobre as mudanças do ofício, as dificuldades em atrair jovens para a pesca e os desafios ambientais que a profissão enfrenta. 

Manuel Marques é presidente da Associação de Armadores do Norte de Portugal. Foto: Mais Semanário/D.R.

Manuel Marques, pescador poveiro, é parte ativa de uma comunidade piscatória que tem sofrido profundas transformações nas últimas décadas. Começou a trabalhar no mar aos 12 anos, seguindo os passos do pai, que “começou a trabalhar com dez”, e do avô, que “começou a trabalhar com oito”. Todos dedicaram as suas vidas à pesca.

Hoje, com 45 anos, Manuel continua a depender do mar para o seu sustento, mas reconhece, com alguma preocupação, que “a tradição está-se a perder” devido à “falta de mão de obra”. O também presidente da Associação de Armadores de Pesca do Norte (AAPN) conta que restam cerca de 2 mil pescadores portugueses na Póvoa, que em finais do século XIX era o principal centro de pesca do país, com cerca de 4.500 pescadores.

Ao JPN, numa entrevista no Centro Ocupacional da Lapa, na Póvoa de Varzim, onde muitos dos pescadores da zona convivem, Manuel Marques destaca que, atualmente, são os “próprios pescadores que não querem que os filhos vão para o mar”. No passado, começava-se “a trabalhar muito cedo”, enquanto se ia “fazendo a escola obrigatória”. A ele, recorda, o que realmente lhes interessava “era ir para o mar”.

“Eu cresci ligado ao mar. Mesmo com seis, sete anos, já andava no cais, já pescava aos anzóis”, relembra Manuel. Hoje, a realidade é bem diferente: os jovens “acabam de estudar” tardiamente, o que os leva a entrar no mercado “de trabalho muito tarde”. Ele exemplifica com a própria filha: “A minha filha tem 19 anos e ainda está a estudar.”

O presidente da AAPN admite que a pesca é uma atividade que se começa “muito cedo ou é difícil começar mais tarde”. Como explica, “com 25, 30 anos já ninguém” quer iniciar-se: “cada vez vai faltar mais gente na pesca”, sentencia.

Embora a pesca ofereça um “rendimento mais alto do que a maior parte dos rendimentos em terra” e as condições “físicas”, de “higiene” e de “segurança” sejam hoje “muito melhores do que antigamente”, trata-se de uma atividade que “desafia a natureza”. Segundo Manuel, “nem toda a gente está disposta” a enfrentar esses desafios.

O poveiro recorda como tudo era mais difícil no passado: “Antigamente trabalhava-se num bote, não havia condições para construir barcos grandes. Muitos nem sequer tinham motores e deslocavam-se manualmente, a remos.” Atualmente, os barcos são modernos e bem equipados. “Têm casa do leme, camarinha, balsa, que é o meio de salvação, coletes… Temos rádios satélite e internet nas embarcações”, conta o pescador. Manuel sublinha que, no que diz respeito aos equipamentos, os barcos estão “muito mais bem equipados do que antigamente”.

Apesar das melhores condições, as mentalidades mudaram. Para Manuel, muitos pensam: “Eu estudei, não foi para ser pescador”. Esta perceção resulta num agravamento da “falta de mão de obra” que nos últimos anos tem sido compensada com a entrada nas frotas portuguesas de trabalhadores estrangeiros. Na Póvoa, são sobretudo indonésios, e já rondam os 300, segundo o presidente da AANP. 

Sobre os grandes desafios do setor, Manuel Marques aborda a questão da “sustentabilidade” na pesca. Segundo ele, “não há falta de peixe” no mar, mas poderá haver “falta de quem apanhe o peixe”. A captura é muito mais controlada hoje, o que nem sempre vê com bons olhos: “Enquanto antigamente se pescava sem limites, agora está a impor-se limites a tudo” e pode haver um efeito pernicioso, como o desse controlo contribuir para o descontrole de “predadores de certas espécies”. Ele cita como exemplo o “atum, toninhas e golfinhos” e conta: “Come mais peixe um golfinho do que um barco de pesca apanha.”

Sobre o futuro da pesca, Manuel Marques tem uma visão otimista. Na sua visão, esse caminho passa por uma valorização crescente do “peixe selvagem” da costa portuguesa, que ele acredita que irá tornar-se um produto de “classe A” nos mercados e restaurantes. “O peixe selvagem do nosso mar será o melhor que há no mercado, com nutrientes e sabor incomparáveis”, enfatiza, destacando que o “peixe de aquacultura”, embora amplamente promovido pelas grandes superfícies, será apenas um “complemento e não uma substituição” ao peixe capturado de forma tradicional. Esta perspetiva reflete não só o orgulho na tradição da pesca poveira, mas também a confiança na qualidade do mar português.

Editado por Filipa Silva