Autora de "Novas Cartas Portuguesas" em conjunto com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa era a última das "Três Marias" ainda viva. Foi pioneira como jornalista e na luta feminista em Portugal, durante a Primavera Marcelista.
Escritora, poetisa, feminista e jornalista portuguesa foi considera uma das “100 mulheres mais influentes e inspiradoras do nosso tempo”, em 2024. Foto: RTP/FlickrCC BY-NC-SA 2.0
A escritora Maria Teresa Horta faleceu aos 87 anos na manhã desta terça-feira (4), em Lisboa. A informação foi avançada pela editora D. Quixote, a pedido da família. As causas da morte não são conhecidas.
As cerimónias fúnebres da escritora realizam-se esta quarta-feira, a partir das 18h00, na Basílica da Estrela, em Lisboa, segundo informação dada à Agência Lusa pela editora. O velório vai decorrer entre as 18h00 e as 22h00. Também na basílica, vai realizar-se uma cerimónia reservada à família e amigos esta quinta-feira (6), seguida do funeral, que parte para o Cemitério dos Prazeres, em Lisboa, às 14h30.
Dedicou grande parte da sua vida à literatura portuguesa, à poesia, ao feminismo e ao jornalismo. Desenvolveu um reconhecido trabalho como defensora dos direitos das mulheres e da liberdade e foi uma militante ativa nos movimentos de emancipação feminina, numa época em que assumi-lo era (ainda mais) difícil. Com cerca de 40 obras publicadas, deixa uma marca na memória literária de várias gerações. No final de 2024, a BBC considerou Maria Teresa Horta uma das “100 mulheres mais influentes e inspiradoras do nosso tempo”.
Entre os muitos títulos publicados destaca-se “Novas Cartas Portuguesas”, escrito em conjunto com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa. A obra começou a ser escrita em maio de 1971 e foi publicada em abril de 1972. O livro foi censurado pelo Estado Novo, por ser uma alegada ofensa à moral pública, uma vez que denunciava a opressão sofrida pelas mulheres em Portugal durante o regime salazarista, o ambiente de violência, a guerra colonial, a emigração e a pobreza. Foi aberto um processo para julgar as três autoras, que ficaram conhecidas como as “Três Marias”.
O caso teve um impacto tal que, em 1973, foi votado como a primeira causa feminista internacional numa conferência da National Organization for Women (NOW), em Boston. As “Três Marias” tiveram um poder simbólico na queda do regime salazarista.
Vida e obra da Maria “desobediente”
Maria Teresa Horta nasceu em Lisboa em 1937, cidade onde cresceu e frequentou a Faculdade de Letras, o que era pouco comum na altura. Enquanto jornalista, publicou em títulos como “Diário de Lisboa”, “A Capital”, “República”, “O Século”, “Diário de Notícias” e “Jornal de Letras e Artes”. Fez parte do Movimento Feminista de Portugal e dirigiu o ABC Cine-Clube, tornando-se a primeira mulher portuguesa a exercer funções de direção no cineclubismo. Foi ainda chefe de redação da revista Mulheres, a convite do Partido Comunista Português, do qual foi militante entre 1975 e 1989.
Deu os primeiros passos na publicação da sua poesia em 1960, com o livro “Espelho Inicial“. No ano seguinte, a sua obra “Tatuagem” integrou a antologia “Poesia 61“. Em 2009, a sua obra poética foi aglomerada no livro “Poesia Reunida”. Dez anos depois, publicou a antologia pessoal “Eu Sou a Minha Poesia”.
No campo da ficção, assina livros como “Ambas as Mãos Sobre o Corpo” (1970), “Ana” (1974), “Ema“ (1984), “Cristina“ (1985), “A Paixão Segundo Constança H.” (1994) e “As Luzes de Leonor“ (2011), um romance que foi distinguido com o Prémio Dom Diniz, da Fundação Casa de Mateus , e que conta a história da Marquesa de Alorna, sua antepassada. Tem livros publicados no Brasil, em França e em Itália.
Em 2021 lançou o último título: “Paixão”.
Entre os vários prémios atribuídos destacam-se o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, com o qual foi agraciada a 8 de março de 2004, por Jorge Sampaio, Presidente da República à data. Dez anos mais tarde, recebeu o Prémio Consagração de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores. Em 2020, foi distinguida pelo Ministério da Cultura com a Medalha de Mérito Cultural. Em 2024, Marcelo Rebelo de Sousa consagrou Maria Teresa Horta com o grau de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade.
Em março de 2024, Patrícia Reis lançou a biografia da escritora intitulada “A Desobediente”. Ao Observador, justificou a escolha do nome afirmando que “a desobediêcia servia-a como uma luva. Porque não era uma mulher de concessões, era um mulher de causas. Com uma voz própria. E uma voz que Portugal nunca perdoou. Porque ela nunca se calou, sempre decidiu que dizia de sua justiça sobre o que fosse, que ninguém a impediria. Mesmo antes do 25 de Abril, ela decidiu que a Liberdade era a sua luta, a sua vontade“.
O livro resulta de várias conversas com a feminista que, como Patrícia Reis explicou à RTP, teve uma “infância e uma adolescência muito marcada por alguns acontecimentos que a tornaram” na pessoa que era. Entre eles, realçou o abandono da mãe, de quem Maria Teresa Horta sempre foi defensora.
“A vertente feminista da Teresa começa aí, no facto de perceber que a mãe também poderia ser livre como os homens. Muito rapidamente percebeu que a causa da mãe e das mulheres é também este principio de liberdade que a mãe advogou“, sublinhou. A autora da biografia acredita, por isso, que “tudo o que lhe aconteceu na infância converteu-se naquilo em que se tornou como poetisa, como escritora e também como jornalista”.
Patrícia Reis lembrou ainda que “Maria Teresa é uma jornalista, uma jornalista aliás pioneira, uma das primeiras mulheres a entrar nas redações de jornais já na década de 60 e uma das primeiras a ter carteira profissional”.
Editado por Filipa Silva