"Amanhã Amanhã Amanhã" estreia esta terça-feira, no CACE Cultural do Porto, e vai estar em cena até domingo, 16 de fevereiro. O JPN assistiu a um dos ensaios e conversou com o encenador, Nuno Matos, os atores André Marques e Orlando Gilberto-Castro e a dirigente do TUP, Sandra Pinheiro.

“Amanhã Amanhã Amanhã” estreia esta terça-feira (11), no CACE Cultural do Porto. Foto: Joana Cardoso/JPN

A companhia de Teatro Universitário do Porto (TUP) está de regresso com Amanhã Amanhã Amanhã. “É uma abordagem que gostava que fosse capaz de levar os líderes à loucura”, comenta Nuno Matos, encenador da peça que estreia, esta terça-feira (11), no CACE Cultural do Porto e que vai estar em cena até domingo, 16 de fevereiro.

O espetáculo “Amanhã Amanhã Amanhã”, inspirado no clássico “Macbeth de William Shakespeare, concretiza um sonho de uma década de Nuno Matos e Raquel S., antigos dirigentes do TUP. 

Na obra original, Shakespeare explorava os dilemas das elites ricas e poderosas, enquanto relegava criados e criadas a meros figurantes sem voz, muitas vezes, sem direito a nome próprio. Desenvolvido em quatro meses pelo corpo associativo do TUP, o espetáculo reinterpreta a peça, subvertendo-a para dar protagonismo aos silenciados de Shakespeare. A narrativa aborda a destruição do poder e da monarquia, sem oferecer alternativas de governação, apresentando uma crítica contundente ao status quo

À conversa com o JPN, o diretor artístico da peça explica que os criados são esquecidos na obra original, servindo apenas para a “construção quase decorativa de uma realidade social”. A dramaturga Raquel S. virou do avesso uma das mais famosas peças de Shakespeare e colocou em destaque os criados e bruxas da tragédia inglesa: “resolveu propor uma espécie de revolta”, resume Nuno Matos.

Uma revolta que está no espírito da peça e que inspira em Nuno Matos uma espécie de desabafo: “Gostava mesmo que fôssemos capazes de levar os líderes à loucura. Por medo, que tivessem mesmo medo de nós. É um bocadinho sobre isso também o espetáculo, é eles terem medo de pessoas como nós”, referiu o encenador.

Antes mesmo de estrear, a peça foi escolhida como o único espetáculo português no RITU 42 – Rencontres Internationales de Théâtre Universitaire, na Bélgica. 

Um clássico de traços atuais

Em entrevista, André Marques, que interpreta Macbeth, revela que nesta produção o protagonista original de Shakespeare transforma-se na imagem do “cansaço relacionado com a guerra, de um estado mental fraquejado e de emoções ambíguas, entre a autoridade e a tristeza”.

O intérprete afirma que é fundamental na preparação para o papel a capacidade de perceber que as personagens devem ser os próprios atores: “Dentro de nós temos muita coisa; para sermos o outro, não é preciso sermos diferentes”.

Orlando Gilberto-Castro, que dá vida a Lady Macbeth, descreve a personagem como ambiciosa e pronta para fazer o que precisa de ser feito. “Não é exatamente a Lady Macbeth de Shakespeare, mas bebe um bocado dessa energia”.

O ator destaca que um dos principais interesses do espetáculo que o TUP leva a cena está na adaptação de um clássico aos dias e inquietações atuais.

TUP, lugar de “tempos felizes”

A colaboração com o Teatro Universitário do Porto é, para o encenador e para a guionista, um regresso a casa. O ex-dirigente do TUP afirma que, mais de dez anos depois, finalmente foi possível concretizar o projeto. “Havia sempre o interesse de fazer isto, mas nunca houve calendário”, conta Nuno Matos.

O diretor artístico da peça considera que a única desvantagem em trabalhar com um teatro universitário é o sacrifício que se faz ao tempo pessoal. Para o diretor, a natureza colaborativa e as relações que se criam são as maiores vantagens da organização: “Os tempos mais felizes são, para mim, no TUP, desde 2006”.

A idade não é um posto (fixo)

Fundado em 1948, o Teatro Universitário do Porto é o teatro mais antigo da cidade. Apesar de ser um teatro amador, Sandra Pinheiro, dirigente do TUP, realça o compromisso e a seriedade com que a associação realiza as suas atividades. 

A ausência de uma sede fixa tem sido um grande entrave para o funcionamento do TUP. Atualmente localizado na Rua dos Bragas, o espaço enfrenta sérias limitações, como a falta de água potável, condições inadequadas nas salas de ensaio e a ausência de locais apropriados para o arquivo.

Sandra Pinheiro revelou ainda que a inexistência de um auditório próprio obriga a associação a procurar espaços temporários para os seus espetáculos, como a Central Elétrica, onde a peça estreia esta terça-feira.

O financiamento insuficiente é outro obstáculo. Apesar de receber apoio parcial da Reitoria do Porto, Sandra Pinheiro afirma que a instituição “não tem dado respostas suficientes às necessidades da associação”.

Atualmente, o TUP conta com cerca de 50 a 60 sócios ativos e destaca-se pela aposta na formação, oferecendo um curso gratuito de Iniciação à Interpretação, realizado a cada dois anos. Este curso, que inclui componentes de voz, movimento e interpretação, culmina num espetáculo e abre portas para que os participantes se tornem sócios e integrem os projetos da associação.

“O TUP vai permanecer um espaço combativo que reivindica mais condições para o teatro, para o TUP e para o teatro universitário português no geral”, assegura Sandra Pinheiro.

Editado por Filipa Silva