A Inteligência Artificial é cada vez mais usada e tem proporcionado soluções inovadoras na rádio, que provocam sensações entre o espanto e o medo. O JPN conversou com o sub-diretor da Antena 3, Luís Oliveira, sobre o tema.
A Inteligência Artificial coloca muitos desafios ao modo como se faz rádio. Foto: Elijah Merrell/Unsplash
Celebra-se esta quinta-feira (13) o Dia Mundial da Rádio, um meio que tem vindo a enfrentar diversas transformações. Depois das redes sociais e dos podcasts, a Inteligência Artificial (IA) tem sido um dos temas mais discutidos no setor, especialmente nos últimos dois anos, como ficou evidente no Radiodays – um dos principais eventos mundiais que junta centenas de profissionais do setor.
Luís Oliveira, radialista e sub-diretor da Antena 3, acompanhou de perto estas discussões e partilhou com o JPN algumas reflexões sobre a forma como a IA tem vindo a ganhar mais espaço na rádio, criando oportunidades, mas também enormes interrogações.
Entre o espanto e o medo
Há muito que a produção da rádio passou de um modelo analógico para um eminentemente digital, mas as ferramentas de IA oferecem soluções inovadoras que podem causar neste meio um misto de espanto e de medo. Há, por um lado, algumas ferramentas que “podem otimizar o trabalho de um profissional de rádio, mas não o substituem na totalidade. A edição, por exemplo, continua muito na mão dos seres humanos”, lembrou Luís Oliveira. Mas a par dessas ferramentas, também existem já modelos de rádio que vão além do tratamento e ajuste de som, correção de erros e sugestão de conteúdos.
Estes novos modelos são capazes de criar de base e na totalidade um programa de rádio. Pode definir-se o perfil de um radialista, produzir o seu discurso e interagir com o ouvinte, cirando empatia – algo que até agora era uma exclusividade dos humanos. “É difícil ter mil, dois mil ou três mil profissionais de rádio numa sala e vê-los a assistir àquilo sem preocupação, porque, de facto, o potencial daquela tecnologia pode destruir muitos postos de trabalho”, comentou o radialista.
Os desafios éticos
O uso de IA de forma geral e, também na rádio, é acompanhado por uma série de desafios éticos, que não podem ser ignorados.
As ferramentas que otimizam o trabalho são também capazes de fazer coisas em que “levantam muitas reservas”, diz o sub-diretor da Antena 3, e exemplifica: uma das aplicações apresentadas no Radiodays do ano passado “era algo aparentemente simples, que é a ideia do audio to text.”
Essa aplicação permitia corrigir no som alguns erros dados pelo entrevistado, a partir da manipulação do texto transcrito, com efeito sobre o áudio. Podem mudar-se nomes, palavras pretensamente mal usadas, fazer correções. Também era facilmente transformada a entoação com que uma frase era dita com base no diálogo anterior. Em suma, corrigir. Mas quem diz corrigir, pode dizer também manipular: “Eu acho isto perigoso”, comenta Luís Oliveira ao JPN.
Luís Oliveira é sub-diretor da Antena 3.
O ex-apresentador do Top+ recomenda o uso, “no melhor dos pontos de vista”, quando a IA efetivamente potencia o trabalho na rádio ao nível da rapidez e da própria qualidade. Veja-se a possibilidade introduzida por alguns plugins de transformarem o som de uma entrevista por telefone numa que parece ter sido feita em estúdio: “isso serve quem está a produzir o conteúdo e serve quem o vai receber, que terá sempre interesse em ouvir na melhor das condições”, reflete.
Mas outras possibilidades, como a da criação automatizada de espaços informativos baseados no varrimento de trends nas redes sociais já levantam as maiores dúvidas ao nível da confiabilidade e da credibilidade.
O seu ceticismo vem de saber que “a lei e a ética andam muitas vezes um passo atrás da tecnologia”, enquanto a IA aparece como “uma força que parece muito difícil de parar, por mais burocracia ou regulação que possamos aportar ao assunto”.
A rapidez é muita e, num mercado extremamente concorrencial, as empresas têm de tomar decisões. Com a diminuição de receitas e o impacto da transição digital, os órgãos de comunicação enfrentam uma crise de sustentabilidade e a IA começa a ser olhada como uma solução e um “salto em frente”. É um “fruto proibido muito apetecível” para quem procura eficiência e redução de custos. “Se olharmos, por exemplo, para o mercado dos Estados Unidos, há grupos de rádio que têm milhares de rádios – quando digo milhares de rádios são mesmo milhares – portanto, decisões destas em escala [de redução de custos ‘humanos’ através do uso de IA] têm um impacto” muito grande, exemplifica Luís Oliveira.
Transparência, confiança,
É fundamental manter a confiança do público, o que implica uma comunicação transparente sobre o uso de novas tecnologias – como a IA – quando elas impactam diretamente o conteúdo. “Cabe a uma rádio pública e a um órgão de comunicação público manter intacta essa relação de confiança que têm com o público, e isso implica muitas vezes não só clarificar que se está a utilizar uma ferramenta de inteligência artificial quando isso é notório, como também, se houver necessidade, explicar o porquê dessa tomada de decisão que muitas vezes é legítima”, destaca o radialista.
Sobre o é que, no futuro, vai fazer a diferença para fazer da rádio ‘rádio’, no sentido que hoje lhe atribuímos, Luís Oliveira brinca: “se eu soubesse a resposta estava rico”. Certo é que é com algum receio que pressente esse futuro. Ele, que está na Antena 3 desde 2008, teme “estar a fazer rádio no estúdio da RTP e ser visitado por pessoas que vão ver, não como é feita a rádio, mas como era feita a rádio. Passar a ser quase uma ideia de artesanato, para deixar de ser uma indústria”.
Em qualquer cenário, o que não se perspetiva é que a rádio possa viver sem aquilo que mais a distingue: a companhia, a proximidade, “a intimidade”. “É algo que nos entra pelos ouvidos e os ouvidos são dois buracos que nós temos na cabeça muito perto do cérebro e isso impacta em nós”, resume Luís Oliveira, para quem é preciso que essa ideia de intimidade seja reforçada, a par do trabalho de curadoria e da habilidade de “de dar mais mundo a quem nos ouve”.
Editado por Filipa Silva